O governo do presidente Jair Bolsonaro vai cortar verbas destinadas a ações para o combate à criminalidade violenta para bancar o programa Habite Seguro, destinado a agentes de segurança e visto por analistas como um aceno à sua base eleitoral.
Documentos obtidos pela BBC News Brasil mostram que os cortes atingirão programas tidos como prioritários pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Especialistas afirmam que as reduções poderão provocar descontinuidade em ações que já estavam em curso. O governo nega que haverá prejuízos.
O programa Habite Seguro foi lançado no dia 14 de setembro pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele prevê taxas de juros reduzidas e uma espécie de “bônus” para os agentes que financiarem seus imóveis por meio dele.
A expectativa é que, no primeiro ano, policiais com salários de até R$ 7 mil sejam beneficiados.
A estimativa é de que o programa custe aos cofres públicos aproximadamente R$ 100 milhões por ano em recursos oriundos do Fundo Nacional da Segurança Pública (FNSP).
A BBC Brasil teve acesso a pareceres do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e do Ministério da Economia que detalham os cortes que o governo terá de fazer para encaixar o programa no orçamento do governo.
Em um deles, elaborado pelo MJSP, a pasta informa que, para alocar recursos para o Habite Seguro no orçamento de 2021, será necessário cortar verbas em três programas da pasta: “Enfrentamento à criminalidade violenta”, “Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos”; e “Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle”.
Em 2021, o orçamento previsto para o plano “Enfrentamento à criminalidade violenta” era de R$ 158 milhões. Para viabilizar o programa, o governou cortou R$ 64,4 milhões, o equivalente a 40% do total.
Esta verba era utilizada para financiar atividades de projetos como o “Em frente Brasil”, lançado por Moro e que visava a redução dos crimes violentos em cidades com índices considerados críticos. O programa era uma das vitrines da gestão de Moro.
A verba também era usada para a implementação do Sistema Automatizado de Análise Balística, também defendido pelo ex-ministro e que seria destinado a auxiliar investigações de crimes como homicídios a partir da análise de projéteis.
Outro lote de verbas que foi cortado era o que previa a ampliação do banco de perfis genéticos, usado para fazer comparações entre amostras de DNA em cenas de crimes.
O orçamento para 2021 era de R$ 49,5 milhões e o corte foi de R$ 25,7 milhões, ou 51% do total. O projeto também era defendido por Moro.
Já o projeto “Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle” tinha um orçamento de R$ 19,5 milhões e teve um corte de R$ 10,8 milhões, o equivalente a 55,3%.
Ainda de acordo com os pareceres, o governo pretende manter os cortes para viabilizar o Habite Seguro nos anos seguintes.
Descontinuidade, improviso e ação eleitoral
Na avaliação do diretor-presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, os cortes feitos pelo governo para viabilizar o Habite Seguro poderão causar uma descontinuidade em políticas públicas que já estavam em curso e mostram que o governo agiu de improviso para bancar um programa que, apesar de importante, tem conotação eleitoral.
“Esses cortes poderão causar uma ruptura em políticas que vinham sendo executadas de uma forma ou de outra. Esse detalhamento mostra o improviso do governo que teve quase três anos para implementar um programa habitacional voltado aos policiais, mas fez isso quase no final do seu terceiro ano da gestão. É importante dar condições dignas de moradia aos policiais, mas a forma como o programa foi lançado tem uma forte conotação eleitoreira”, afirmou.
A diretora-executiva da organização não-governamental Sou da Paz, Carolina Ricardo, também defende a importância de políticas de habitação para policiais, mas diz que governo lançou o projeto como um mecanismo para se reaproximar da sua base junto aos agentes de segurança.
“Não podemos minimizar a importância desse tipo de programa, mas o governo lançou esse projeto para tentar se reconectar com a sua base nas polícias. O problema dos cortes é que isso nos faz pensar em quais são as prioridades do governo em relação à segurança pública”, disse.
Lima afirma ainda que os cortes feitos pelo governo mostram um esvaziamento do “legado” de Sergio Moro no ministério.
Esse “esvaziamento” acontece após a ruptura entre Moro e Jair Bolsonaro, em abril do ano passado, quando o então ministro pediu demissão do cargo e acusou o presidente de ter tentado interferir no comando da Polícia Federal.
O caso, aliás, é alvo de um inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Conesp), Cristiano Sampaio, minimizou os efeitos dos ajustes feitos pelo governo para viabilizar o Habite Seguro.
“Não penso que esses cortes vão afetar significativamente os projetos que estão em curso. Além disso, um programa de habitação para policiais também é uma forma de melhorar a segurança pública”, disse Sampaio que é secretário de Segurança Pública de Tocantins.
A BBC Brasil enviou perguntas ao MJSP sobre os motivos que levaram aos cortes, que medidas o governo pretende tomar para compensar essas reduções e como ele respondia às críticas de que o Habite Seguro tem caráter eleitoral.
Em nota, o MJSP disse apenas que o Habite Seguro não causará “prejuízos” às políticas de enfrentamento à criminalidade violenta e que a pasta já teria investido R$ 2,6 bilhões em ações destinadas a esse fim desde 2019.
“A implantação do Habite Seguro não trará prejuízos para as políticas de enfrentamento à criminalidade violenta a cargo do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Desde 2019, o governo federal investiu mais de R$ 2.6 bilhões em ações de prevenção e enfrentamento à criminalidade violenta”, diz um trecho da nota.
Fonte: BBC News