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O que muda na relação Brasil-EUA com novos acordos assinados entre os países?

Depois de 22 meses de negociação entre os governos de Brasil e Estados Unidos, os dois países anunciaram na segunda-feira (19/10) a conclusão de três acordos comerciais inéditos.

A notícia surge a 15 dias de uma eleição presidencial que parece cada vez mais difícil para o republicano Donald Trump, que tenta reeleição e com quem o presidente Jair Bolsonaro fez aproximação pessoal.

Os termos dos acordos entre Itamaraty, Ministério da Economia e o Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês) preveem abolição de algumas barreiras não-tarifárias no comércio bilateral: a simplificação ou extinção de procedimentos burocráticos, conhecida no jargão empresarial como facilitação de comércio, a adoção de boas práticas regulatórias, que proíbem, por exemplo, que agências reguladoras de cada país mudem regras sobre produtos sem que exportadores do outro país possam se manifestar previamente, e a adoção de medidas anticorrupção.

A mudança afeta todos os setores e pode ter efeito considerável para parte deles. “A Organização Mundial do Comércio estima que a facilitação de comércio pode reduzir em até 13% os custos de exportação para os produtores, e a adoção de boas práticas regulatórias pode cortar em 20% as despesas para exportadores. É significativo, em um ambiente em que vários setores brigam pela diminuição de um ou dois pontos percentuais em tarifas”, avalia Abrão Árabe Neto, vice-presidente-executivo da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil).

Correria pré-eleitoral

O pacote era um desejo antigo dos setores empresariais dos dois países, que diante da boa relação entre os mandatários e a previsão de eleições nos Estados Unidos em 3 de novembro, passaram a fazer cada vez mais pressão para a conclusão de uma negociação não tarifária ainda antes do pleito.

Isso porque um acordo comercial que não incluísse taxas dependeria apenas dos Executivos dos dois países para ser colocado em prática, sem ter que ser chancelado pelo Mercosul ou pelo Congresso dos Estados Unidos, onde o empresariado antevê dificuldades de tramitação.

Em meados de 2020, quase todos os parlamentares democratas da Comissão de Orçamentos e Tributos da Câmara americana assinaram uma carta se dizendo contra o avanço de qualquer acordo de comércio com o Brasil sob o governo de Bolsonaro.

Por isso, os empresários de ambos os lados passaram a priorizar um acordo sem tarifas que serviria, na visão deles, como um bom ponto de partida para acordos futuros.

“Queremos que essa agenda do comércio entre os dois países seja vista como algo suprapartidário, que qualquer governo, de qualquer um dos países, possa levar adiante, porque é do interesse dos empresários dos dois lados”, afirmou Carlos Eduardo Abiajodi, diretor de desenvolvimento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Trump sorrindo, de pe atras da cadeira onde Bolsonaro esta sentado assinando um documento
CRÉDITO,ALAN SANTOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Trump, que concorrerá à reeleição, tem proximidade com Bolsonaro

Em maio, conforme a BBC News Brasil adiantou, mais de 30 entidades empresariais americanas e brasileiras, lideradas pela Amcham Brasil, a CNI e a U.S. Chamber of Commerce, enviaram aos governos dos dois países uma carta pedindo agilidade nas negociações.

Na ocasião, Steven Bipes, vice-presidente da Advanced Medical Technology Association, associação americana de produtores de alta tecnologia médica, demonstrou impaciência com a possibilidade de que Trump e Bolsonaro perdessem o que chamou de “curta janela para avançar nos negócios dos dois países”.

“Você pode ter cem conversas bilaterais, se nada muda depois delas, isso quer dizer que elas eram só papo mesmo”, disse Bipes à BBC News Brasil.

Acordo enxuto

Ao site americano Politico, Jake Colvin, vice-presidente do Conselho Nacional de Comércio Exterior dos Estados Unidos, expressou preocupação de que a pressão para chegar a um acordo antes da eleição americana signifique que o pacote não é só curto nos temas em que abrange, mas também fraco em seu conteúdo.

Do lado brasileiro, no entanto, Abrão Neto, da Amcham, afirma que os termos do acordo são de “alto padrão”, próximos aos aplicados no recém-aprovado acordo Estados Unidos-México-Canadá, considerado uma referência no mercado.

Mas segundo pessoas que acompanharam as negociações e conversaram com a BBC News Brasil, o pacote é, de fato, mais enxuto do que a expectativa inicial do mercado, já que não inclui regras sobre propriedade intelectual nem padronização de barreiras fitossanitárias, que poderiam, por exemplo, evitar que os americanos restringissem novamente a importação de carne bovina brasileira in natura alegando o descumprimento de regras sanitárias pelos produtores brasileiros, como aconteceu em 2017. O veto só foi derrubado mais de três anos depois, em setembro deste ano.

Wilbur Ross
CRÉDITO,GETTY IMAGES. Em 2019, o secretário de Comércio dos Estados Unidos Wilbur Ross esteve em Brasília

Segundo esses observadores, o governo brasileiro perdeu tempo ao mirar um acordo de livre comércio entre os dois países no início da gestão Bolsonaro, um objetivo que, segundo os especialistas, teria um peso político enorme mas estaria fora do horizonte de relacionamento desses países nesse momento.

Em julho de 2019, quando o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, esteve em Brasília, era com esse plano ambicioso que as autoridades brasileiras trabalhavam. Apenas em março de 2020, após o jantar entre Trump e Bolsonaro em Mar-a-Lago, clube privado do presidente americano, na Flórida, o escopo de um acordo possível foi desenhado.

A partir daí, as negociações foram intensas nesses últimos meses, até se chegar ao atual anúncio dos acordos.

Retomada comercial

Embora não resolvam gargalos históricos e importantes na relação comercial entre Estados Unidos e Brasil, como a barreira de 140% imposta pelos americanos à importação de açúcar brasileiro, os empresários acreditam que os acordos podem aumentar o fluxo de negócios entre os dois países.

Hoje, em bens e serviços, o volume é de cerca de US$ 80 bilhões por ano, valor considerado abaixo do potencial. “Não conseguimos, no entanto, estimar qual seria o incremento no comércio com o acordo atual”, afirma Neto, da Amcham.

O momento, no entanto, não permite grande otimismo. Isso porque, o comércio bilateral entre Estados Unidos e Brasil registra queda de mais de 25% em 2020, conforme os dados do Monitor de Comércio da Amcham. É a maior queda em mais de uma década. A pandemia de coronavírus, que levou ambos os países à recessão, é a principal responsável pelo tombo.

Mas a entidade também menciona taxações na siderurgia como outro problema. Até o fim do ano, os americanos reduziram drasticamente a cota de aço brasileiro que poderia entrar nos Estados Unidos sem receber sobretaxa de 25% imposta pelo governo Trump.

A medida é considerada uma forma de Trump acenar para a indústria siderúrgica americana, que em 2016 compôs parte importante de sua base eleitoral. Os acordos anunciados não mudam esse cenário.

 

 

Fonte: BBC News

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