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Novo tratamento para insuficiência cardíaca duplica benefícios

Com a aprovação de um medicamento considerado revolucionário, aumentam as chances de sucesso no controle da condição

Imagine ficar extremamente cansado ao saborear um prato de sopa ou perder o ar só de permanecer em pé durante o banho. Pois essas são algumas das duras limitações provocadas pela insuficiência cardíaca, uma doença grave e incapacitante. Nela, o coração vai pedindo arrego e não bombeia mais sangue com eficiência para todos os cantos do corpo.

“Trata-se do saldo final de uma sequência de agressões, como pressão arterial descontrolada, infarto ou certas infecções, sofridas ao longo de vários anos”, explica o médico Victor Issa, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).

Como é de esperar, o quadro tem um impacto enorme na qualidade de vida do indivíduo, nas suas atividades profissionais e de lazer, bem como na situação da família. Segundo levantamento realizado pela empresa de pesquisa Deloitte, há mais de 2 milhões de vítimas da insuficiência cardíaca no Brasil, o que gera gastos de 22 milhões de reais por ano e uma perda produtiva superior a 3 milhões.

“E o problema é que sua incidência está aumentando numa proporção absurda, com um crescimento de 15 a 20% a cada 12 meses”, afirma Issa. Para piorar, metade dos casos morre nos primeiros cinco anos após o diagnóstico.

Apesar de dados tão assustadores, temos uma boa notícia no front: depois de mais de uma década sem grandes novidades na batalha contra a doença, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) acaba de aprovar um medicamento que promete modificar a forma como a enfermidade é tratada e encarada.

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O comprimido tem dois princípios ativos combinados, sacubitril e valsartana, e é tomado duas vezes ao dia. Ele surpreendeu nos testes que serviram de base para o aval dos órgãos regulatórios: derrubou em 20% o risco de morte súbita – uma das maiores preocupações dos especialistas – e em 21% a taxa de hospitalização.

Normalmente, em estudos do tipo, os voluntários que recebem o remédio são comparados com um grupo que faz uso de uma pílula placebo. Porém, o sacubitril/valsartana, desenvolvido pela farmacêutica Novartis, foi confrontado com a classe dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina (conhecidos pela sigla IECA), considerados um dos melhores fármacos para ajudar o coração cansado.

“Em resumo, nós conseguimos duplicar o benefício que já tínhamos com o enalapril, um representante dos IECA”, declara à SAÚDE o cardiologista John McMurray, professor da Universidade de Glasgow, na Escócia, e principal autor do experimento, que envolveu 8 400 pacientes do mundo inteiro.

A nova medicação tem um efeito duplo e bloqueia a ação da angiotensina e da neprilisina, duas enzimas produzidas pelo corpo que estão relacionadas ao estabelecimento da pressão alta e ao acúmulo de líquidos. “Ela ajuda o coração a funcionar direito, estimula os rins a filtrarem o sangue e relaxa os vasos sanguíneos”, resume McMurray.

Com a liberação em terras brasileiras, falta só definir o preço de tabela para que os comprimidos cheguem em breve às farmácias. A expectativa é que a terapia custe cerca de 200 reais por mês. Ela será vendida pelo menor valor do mundo aqui no Brasil – ainda assim, existe um receio de especialistas sobre a dificuldade de acesso das camadas mais pobres à inovação.

Na União Europeia e nos Estados Unidos, o sacubitril/valsartana já integra as diretrizes oficiais de tratamento da insuficiência cardíaca. De acordo com os documentos, o médico deve prescrevê-lo quando os outros remédios não deram uma resposta satisfatória após um mês de tentativas.

Por aqui, a SBC e outras entidades do setor já se programaram para alterar as recomendações nacionais e, por enquanto, seguirão a iniciativa estrangeira: o medicamento mostra serviço nos quadros leves, moderados e graves, mas deverá entrar em cena se as drogas convencionais não surtirem o resultado desejado.

O fármaco da Novartis se soma a uma série de outras medicações prescritas contra a insuficiência cardíaca. Além dos já citados IECAs, fazem parte do arsenal os bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), os betabloqueadores e os diuréticos.

“Eles são a pedra angular do tratamento: auxiliam no desempenho do coração e eliminam o excesso de líquido do organismo”, ensina o cardiologista Denilson Albuquerque, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Cabe ressaltar que o uso delas é contínuo, e o abandono leva a um monte de efeitos adversos.

Quando a situação está muito avançada e não dá nem pra sair da cama, ainda persistem algumas alternativas, como cirurgias que desobstruem as artérias, a instalação de marca-passos para acertar o ritmo das batidas ou até mesmo o coração artificial, um aparelho que substitui o órgão original. Em casos finais, a única saída que resta é o transplante cardíaco. Aliás, no ano passado, 357 procedimentos desse tipo foram feitos no Brasil, um recorde histórico.

Mexa-se contra o problema

Não basta tomar cartelas e cartelas de comprimidos se não forem empreendidas também mudanças no estilo de vida. A primeira delas envolve a alimentação. “É necessário perder peso, reduzir drasticamente o álcool, restringir o consumo de gordura e colocar o mínimo de sal na preparação da comida”, resume o cardiologista Dirceu Rodrigues de Almeida, da Universidade Federal de São Paulo. A ingestão de água e outras bebidas também é controlada, uma vez que existe a tendência de acumular líquidos e sofrer com inchaços, especialmente nos pés e nos tornozelos.

Durante muito tempo, a atividade física foi completamente proibida para quem portava um coração cansado. Mas as coisas se modificaram da década de 1990 para cá. É que surgiram diversos trabalhos científicos apontando o impacto de uma ginástica supervisionada nos ganhos de qualidade de vida e saúde. “Atualmente, eu diria que é até antiético não sugerir exercícios na insuficiência cardíaca”, declara o médico Almir Sérgio Ferraz, do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, na capital paulista.

Ao melhorar sua capacidade física, o indivíduo se torna capaz de realizar alguns afazeres com muito mais tolerância e fôlego de sobra. Obviamente, isso mexe com a sua autoestima e disposição, permitindo que ele participe do dia a dia da família e do trabalho.

Os benefícios de movimentar o corpo estão relacionados com um alívio na inflamação e na circulação sanguínea. “Ocorre uma redução na constrição dos vasos e um estímulo à produção de substâncias como o óxido nítrico, que dilata as artérias”, explica o professor de educação física Carlos Eduardo Negrão, do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo.

Só não dá pra ter a doença e correr ou malhar feito louco por aí. A prática só pode (e deve) ser feita com a liberação e o acompanhamento de profissionais de saúde. Com três a cinco sessões de 60 minutos na semana, a ideia é sempre mesclar exercícios aeróbicos, como caminhada na esteira e bicicleta ergométrica, com treinamentos de resistência muscular e flexibilidade. Essas rotinas são indicadas para pacientes com graus 1, 2 e 3. No estágio 4, o último e mais grave de todos, o repouso segue como palavra de ordem.

Mas até num momento extremo é possível encontrar maneiras de movimentar o corpo e colher benesses. O médico Almir Ferraz promoveu uma experiência pioneira com a insuficiência cardíaca descompensada: sujeitos no grau 4 eram internados e, logo no segundo dia de hospital, pedalavam num dispositivo adaptado para os acamados.

Todos utilizaram máscaras de oxigênio para prevenir falta de ar e edemas pulmonares. “Após algum tempo, eles tiveram um acréscimo de 30% na capacidade física e funcional”, relata Ferraz. Isso abre a possibilidade de pensar, no futuro, em programas voltados especificamente para esse público.

O calcanhar-de-aquiles da insuficiência cardíaca é a sua evolução lenta. Ela demora várias décadas para alcançar o estágio avançado, o que permite agir com bastante antecedência. Isso envolve, inclusive, corrigir os fatores de risco que desgastam o músculo cardíaco e patrocinarão, lá na frente, as falhas gravíssimas. O primeiro ponto que precisa ser solucionado com rapidez é a hipertensão.

“A pressão alta exige um esforço dobrado do coração, pois é necessário distribuir o sangue por vasos mais estreitos”, esclarece Victor Issa, da SBC. Agora, pense no que acontece com seus braços e suas pernas se você vai à academia. Eles aumentam de tamanho, correto? Pois o mesmo fenômeno ocorre nesse órgão – só que isso não é bom, muito menos saudável. Musculoso, ele não bate com a desenvoltura de antes.

Colesterol alto e diabetes também preocupam, uma vez que estão por trás da formação de placas de gordura nas artérias do coração. Elas progridem aos poucos, até fecharem a passagem do líquido vermelho e levarem a um infarto. Aqueles que sobrevivem à pane ficam com uma cicatriz no músculo cardíaco, o que dificulta pra valer a contração e o relaxamento.

Com o tempo, o órgão entra em fadiga e não se movimenta direito. Portanto, controlar os níveis de glicemia e colesterol com alimentação equilibrada, exercícios físicos e checkups periódicos é vital para que a nossa máquina não acenda o sinal de alerta.

Um terceiro destaque, tipicamente brasileiro, é a doença de Chagas, provocada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. A transmissão se dá por meio de picadas do mosquito barbeiro ou pelo consumo de caldo de cana e açaí sem a mínima inspeção de higiene – o inseto acaba triturado junto com esses produtos durante a manufatura. “A moléstia ainda é prevalente em algumas áreas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste”, avisa Denilson Albuquerque, da Uerj.

O parasita invade os cardiomiócitos, as células do coração e, após vários anos de moradia silenciosa, gera, em uma parcela dos afetados, uma inflamação que dilata as câmaras cardíacas. Além dessa condição, uma série de outros vírus, bactérias e fungos atacam o peito e são capazes de causar um furdunço ali.

Detecção ágil é primordial

Por fim, não tem como postergar o diagnóstico. “Quanto antes identificarmos e tratarmos, mais células cardíacas serão recuperadas”, frisa o cardiologista Múcio Tavares de Oliveira Junior, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Nas condições flagradas no início, é possível até pensar numa reversão total. Vale atentar aos sintomas clássicos, como falta de ar, cansaço, tosse, insônia, depressão e ansiedade.

E é pra ficar com um pé atrás se os seus sapatos estiverem apertados sem nenhuma justificativa – sinal de inchaço nas pernas – ou for necessário pegar travesseiros extras para facilitar a respiração noturna – indício de que há líquido acumulando nos pulmões.

Só de ouvir o relato do paciente e realizar uma análise clínica, o médico já tem uma suspeita sobre a enfermidade. “Confirmamos com exames de sangue, eletrocardiograma, raio X do tórax ou ecocardiograma”, diz o cardiologista Marcelo Sampaio, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Quando a encrenca está instalada, não tem jeito: é hora de lançar mão dos medicamentos e ajustar o estilo de vida para seguir adiante. E olha que até o fato de ter um trabalho faz diferença. De acordo com uma pesquisa do Hospital Universitário de Copenhague, na Dinamarca, a mortalidade se mostrou duas vezes maior entre aqueles sem emprego quando comparados aos que seguiam na ativa. Não dá pra negar: a insuficiência cardíaca é mesmo osso duro de roer. Mas, agora você já sabe, a medicina está cheia de novidades para proporcionar aos seus portadores um futuro muito, muito melhor.

Cinco fatores que correspondem a quase 90% dos casos de insuficiência cardíaca

Hipertensão

Com os vasos sanguíneos contraídos, fica difícil ejetar o sangue. O coração bate com mais força para superar essa resistência. Com o tempo, fica estafado.

Infarto

O ataque, motivado por colesterol alto, pressão alta e diabetes, cria uma cicatriz no músculo cardíaco, o que limita o baticum.

Distúrbios nas válvulas

Elas regulam a entrada e a saída do sangue e podem apresentar defeitos. Se não forem consertados, desgastam o órgão.

Chagas

O protozoário Trypanosoma cruzi se instala nas células cardíacas e incita um inchaço no coração, que se torna insuficiente.

Miocardites

São inflamações desencadeadas no peito pela ofensiva de vírus, fungos e bactérias.

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Histologia

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