Preconceito dificulta entrada no mercado e leva negro a abrir negócio próprio
Em 2015, dona Janete da Costa, de 60 anos, conseguiu convencer a filha, a designer gráfica Maíra da Costa, de 35 anos, a deixar a Itália, onde morava fazia dois anos, e voltar para o Brasil para criarem juntas o próprio negócio.
Mãe e filha abriram um restaurante natural, com opções fitness, vegetarianas, veganas, sem glúten e lactose na zona norte de São Paulo.
O alvo era uma clientela acostumada à correria da capital paulista, que luta para manter uma alimentação saudável. A estratégia deu certo.
O perfil de dona Janete e Maíra se encaixa no atual momento do empreendedorismo no Brasil: mulheres e negras. De acordo com os dados da pesquisa GEM 2016 (G562 Global Entrepreneurship Monitor), do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), sete em cada dez novos negócios são criados pela população negra do País.
A pesquisa aponta que 54,4% dos empreendedores iniciais são pardos e 14,3% são pretos, totalizando, assim, 68,7% de negros — dado relevante na data em que se comemora o Dia da Consciência Negra. Os brancos representam 30,5% e os indígenas ou amarelos, 0,8%.
Em entrevista ao R7, Fabiano Nagamatsu, consultor do Sebrae-SP, declara que o número de negros abrindo o próprio negócio está em crescimento. “A princípio, o número de empreendedorismo com essas características tem crescido”, diz.
Porém, o motivo que os leva a empreender é preconceito. “Querendo ou não, o empreendedorismo voltado para o negro é porque, por natureza, a sociedade é preconceituosa, discriminatória. Isso acaba, infelizmente, interferindo no processo de seleção de trabalho. Essa pesquisa tem uma relação, sim, com preconceito”, revela o consultor. “Percebemos que existe mais empregabilidade para outros perfis e menos para negros. Por isso, eles buscam abrir os próprios negócios”.
O fator discriminatório, no entanto, não tem relação com as qualificações do profissional avaliado para os postos de trabalho. “Não estamos falando de competência. Infelizmente, no Brasil, a cor acaba pesando. Como esse profissional tem mais dificuldade de conseguir colocação no mercado de trabalho, acaba partindo para o empreendedorismo”, avalia Nagamatsu.
Planejamento faz diferença
Maíra ainda morava na Itália quando a mãe sugeriu que elas abrissem o Free Soul Food Comida Natural. As duas passaram um ano e meio pesquisando sobre o assunto e analisando o mercado antes de abrir o comércio.
“Estava morando na Itália e a minha mãe tinha visto um restaurante para comprar. Não achei a ideia boa e comecei a fazer pesquisa, mas, depois de ler bastante, passei a achar bem interessante. Era uma forma de apressar o meu retorno e ter uma possibilidade de fazer alguma coisa aqui”, diz .
Na Europa, Maíra atuava em seu ramo de formação. Ao retornar ao Brasil, decidiu focar só no restaurante por ser qualificada demais para se recolocar no mercado de trabalho com facilidade.
“Sou Design Gráfica de formação e trabalhava na minha área. Quando voltei para cá, tinha uma formação muito forte. Até então, nunca tinha tido problema de colocação, mas percebi que ia demorar para me recolocar. O empreendedorismo foi uma forma de voltar ao mercado”, relata.
Para Nagamatsu, o racismo faz com que as pessoas empreendam mais, independentemente da região em que estiver morando. “É óbvio que existem brancos e amarelos empreendendo. Muitas vezes, a pessoa abre uma empresa buscando uma colocação. Esse dado procede porque a discriminação e o preconceito ainda estão no mercado. E o preconceito acaba pesando muito independentemente de região onde a pessoa mora e da classe social”, explica.
Funcionários negros
Além de empreenderem, Maíra e Janete fazem questão de empregar mulheres negras e imigrantes. “Essa ideia foi da minha mãe. A filosofia da empresa é a do respeito. Procuramos trabalhar com pequenos produtores, que pensam na alimentação como componente da vida e que respeita o indivíduo. Queríamos também uma ação mais social”, diz Maíra.
Mas não são só negros os colaboradores preferidos pelas empreendedoras. “Minha mãe sempre quis trabalhar com imigrantes. Achamos que teria problema na parte cultural, mas apareceu uma angolana desempregada e resolvemos dar uma oportunidade. O resultado foi fantástico. Depois dela, encontramos agências sérias que fazem essa ponte entre o empresário e os imigrantes e só obtivemos sucesso. Elas são focadas, dedicadas e têm muita vontade de trabalhar”, acrescenta.
Hoje com oito funcionárias, mãe e filha já pensam em aumentar o espaço. “Estamos conversando com investidor para conseguir ampliar. Ainda estamos nessa fase de negociação, mas em breve cresceremos mais”, diz Maíra.
Quem empreende?
A pesquisa indica que os empreendedores iniciais no País são, predominantemente, mulheres (51,5%), pessoas entre 25 e 34 anos (30,3%), com renda familiar de dois salários mínimos (28,8%), têm segundo grau ou estão cursando o ensino superior (46,4%), são casados (41,7%) e têm pele parda (54,4%).
Por sua vez, os empreendedores estabelecidos, ou seja, quem abre um negócio que dá certo, são homens (57,3%), com idade entre 35 e 44 anos (30,1%), com renda familiar entre três e seis salários mínimos (34,6%), têm segundo grau completo ou estão cursando o ensino superior (38,1%), são casados (45,7%) e têm pele parda (49,8%).
O GEM, responsável pela pesquisa, é um consórcio internacional e a publicação do estudo foi produzida a partir da coleta de dados de 65 países durante o ano de 2016. No Brasil, foram entrevistados 2.000 adultos de 18 a 64 anos, selecionados conforme procedimentos que garantem a representatividade na população brasileira.
R7