Seminário Mulheres Negras Movem o Brasil. Na mesa, da esq. para a dir.: Vera Araújo, Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno; Daldice Santana, Conselheira do Conselho Nacional de Justiça; Benedita da Silva, deputada federal e membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher; Deise Benedito, especialista em direitos humanos; Charlene Borges, Coordenadora do GT mulheres e membro do GT de políticas etnorraciais da Defensoria Pública da União; e Givânia Silva, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombola – CONAQ.FOTO: Najara Araujo/Câmara dos Deputados
“A abolição da escravatura ainda é uma história inacabada. Não há dúvida de que, se tivéssemos tido cuidado ao tornar os escravos livres, oferecido educação e um teto, nossa história teria sido diferente”, afirmou presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conselheira Daldice Santana, durante seminário “Mulheres Negras Movem o Brasil: visibilidade e oportunidade”.
O evento ocorreu na Câmara dos Deputados, para lembrar o Dia da Consciência Negra, comemorado na terça-feira (20/11).
A partir de análise histórica do contexto, a conselheira apontou erros no processo da abolição da escravatura, que culminou – entre outras questões – com a criminalização da cultura negra.
“Entre os crimes previstos no texto do Código Penal de 1890 estavam a capoeiragem, o curandeirismo e a vadiagem.
Como seria possível um escravo – ao se tornar livre –, de uma hora para outra adquirir um domicílio? Seria possível para ele, de um dia para o outro, virar a página de sua condição social? Evidentemente que não”, afirmou a conselheira.
Durante a apresentação, Daldice Santana elogiou a Constituição Federal como um guia de orientação que apregoa a igualdade entre os cidadãos, mas ressaltou que é preciso boa vontade (e não mais leis) para que a igualdade de fato seja alcançada.
A conselheira citou o resultado de duas pesquisas sobre o Judiciário brasileiro, apontando a presença de apenas 1,5% de juízas negras (60) em 2013 e de 1,6% (178) em 2018, contradizendo o censo demográfico de 2010, que trazia o índice de 7,6% de negros e 43,1% pardos.
“Já quem tiver acesso ao nosso banco nacional de presos verá o perfil dos nossos presos. Infelizmente, estamos longe de alcançar a igualdade”, afirmou.
O debate foi promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados e faz parte da campanha internacional denominada “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres”, que acontece entre 25 de novembro e 10 de dezembro.
Direitos básicos
O seminário abordou, entre outras questões, as dificuldades que as mulheres negras têm para acessar direitos básicos como saúde, educação, justiça e renda.
São 55,6 milhões de mulheres negras no Brasil, que chefiam 41,1% das famílias e recebem, em média, 58,2% da renda das mulheres brancas.
Em contrapartida, no quadro diretivo das maiores empresas no Brasil, as negras são apenas 0,4% das executivas – apenas duas em um total de 548 executivos e executivas.
Os dados apresentados no seminário foram extraídos do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça de 2015.
Especialista em direitos humanos, Deise Benedito reforçou a dificuldade do acesso aos direitos básicos. Para ela, o cerceamento de liberdade ganhou novas metodologias e os negros passaram do “ferro das senzalas aos ferros das grades das prisões”.
“Basta ter a pele escura para ser preso. Basta estar com um guarda-chuva, em dia de chuva, para que você seja morto por confundirem um guarda-chuva com uma metralhadora”, disse.
As violências doméstica e obstétrica também foram lembradas pelas demais palestrantes como exemplo de penalização sofrida pelas mulheres negras por estarem nas camadas menos favorecidas e dependerem mais dos serviços públicos de saúde e, portanto, serem mais afetadas pela falta de políticas públicas de qualidade nessa área.
“Entre 2003 e 2013, o índice de feminicídio entre mulheres negras cresceu 54% enquanto o número de vítimas brancas caiu 10% no mesmo período”, afirmou a deputada Erika Kokay (PT-DF), com base em dados do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Segundo a parlamentar, as mulheres negras também são as mais afetadas pela mortalidade materna (56%) e pela violência obstétrica (65%).
Por Agência CNJ de Notícias