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Governo federal já validou quase 12 mil diplomas de médicos formados no exterior

Dados obtidos via LAI mostram que mais de 24 mil pessoas já fizeram o Revalida ao menos uma vez, mas foram reprovadas. Inscrições para a segunda etapa da edição 2023 terminam nesta sexta.

Desde 2011, quase 12 mil médicos formados em faculdades do exterior conseguiram validar o seu diploma para exercer a profissão no Brasil após serem aprovados na segunda fase do Revalida.

Os dados sobre o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira foram obtidos pela produção da TV Globo via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Sem o Revalida, brasileiros ou estrangeiros graduados em medicina em outros países não podem solicitar o registro nos conselhos regionais de medicina. É o chamado “CRM” que autoriza o médico a trabalhar no país.

As inscrições para a segunda fase da avaliação, aplicada pelo governo federal, terminam nesta sexta-feira (19). (Veja mais ao final desta reportagem.)

🥼 O que dizem os números sobre o Revalida:

Os 11.988 aprovados representam um terço das mais de 36 mil pessoas que já participaram de qualquer fase em pelo menos uma edição do Revalida, criado há 12 anos para centralizar a validação de diplomas estrangeiros de medicina. Antes, isso era feito diretamente em universidades públicas brasileiras, mas cada uma adotava métodos próprios.

Isso significa que 24.334 já tentaram realizar pelo menos uma vez o Revalida, mas não conseguiram as notas mínimas para serem aprovados.

Desses, 19.786 ainda não passaram nem da primeira fase do exame, que é teórica e tem 100 questões objetivas, além de cinco questões discursivas.

📊 Dos quase 12 mil candidatos que já conseguiram a aprovação:

8.894 foram aprovados na segunda fase na primeira tentativa;

2.750 precisaram fazer a prova duas vezes; e

344 fizeram três ou mais vezes a segunda fase.

Ainda de acordo com o Inep, nesse período, 6.708 ações judiciais foram movidas por participantes do Revalida. O motivo da maior parte delas é o direito de realizar as provas sem apresentar o diploma médico.

O órgão afirma que, desde 2020, ou seja, nas últimas três edições já encerradas do Revalida, 87 participantes que haviam sido reprovados no exame, mesmo após a fase de recursos, conseguiram “em decorrência de decisões judiciais que alteraram sumariamente as notas” deles.

fonte: Inepe

 

🎯 Primeira fase faz ‘peneira’ de candidatos

Oficialmente, o Inep considera como taxa de aprovação a quantidade de aprovados em relação à quantidade de participantes de cada etapa, separadamente.

Nesse caso, considerando todos os mais de 36.322 candidatos que fizeram a primeira fase pelo menos uma vez, 16.536 conseguiram ser aprovados e passar para a segunda fase. Eles representam 45,5% do total.

Já a segunda fase já foi feita por 14.892 candidatos, e 11.988 deles tiraram a nota mínima para a aprovação. Uma taxa de 80,5% de aproveitamento.

Segundo Milton de Arruda Martins, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e especialista em formação médica, a diferença entre as duas taxas reflete o objetivo proposto pelo Revalida.

É mais fácil você avaliar conhecimentos médicos com testes bem feitos, com prova escrita. Mas com essa prova você não consegue saber se a pessoa é médica mesmo. Tem que olhar o médico atuando, conversando com o paciente. A segunda fase serve para isso.

— Milton de Arruda Martins, professor de medicina

📋 Como é o Revalida?

O Revalida tem duas etapas: a primeira é uma prova escrita (com questões objetivas e discursivas); e a segunda, prática, para testar as habilidades clínicas do médico.

A fase prática é dividida por estações que simulam atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) com a participação de atores. No total, são 10 estações, que abrangem cinco grandes áreas da medicina: clínica médica, medicina da família, pediatria, cirurgia e ginecologia e obstetrícia.

🎓 Brasileiros são dois terços dos participantes

De acordo com o Inep, médicos de 88 nacionalidades diferentes já participaram desde 2011, mas os brasileiros representam quase dois terços tanto dos que fizeram as provas quanto dos aprovados na primeira e na segunda fase.

Dos quase 12 mil que fizeram as duas fases e foram aprovados em ambas, 7.471 são brasileiros que médicos a graduação fora do país.

Outros 15.341 brasileiros fizeram pelo menos uma vez alguma das provas do Revalida (independentemente de terem passado ou não para a segunda fase), mas não conseguiram chegar até o final.

Considerando o total de participantes de alguma etapa do exame, e o total de pessoas que acabaram aprovadas no fim das provas, a taxa de aprovação entre os brasileiros é de 33%.

A segunda nacionalidade com mais aprovados em quantidade absoluta é a cubana: 2.054 conseguiram passar no Revalida, e outros 3.118 fizeram alguma vez pelo menos uma das fases do exame e foram reprovados.

🩺 De candidato a professor de cursinho

Daniel Furini, do Interior de São Paulo, tem 36 anos e é um dos brasileiros que deixaram o país para estudar medicina, retornaram, fizeram o Revalida e hoje têm o CRM, o registro necessário para exercer a profissão por aqui.

Daniel Furini, do Interior de SP, se formou em medicina na Universidad Nacional de Rosario, na Argentina, e passou no Revalida na primeira tentativa — Foto: Arquivo pessoal

 

Em seu caso, a medicina foi a segunda carreira, na qual ele decidiu apostar aos 29 anos. “A área de programação em que eu atuava estava bem saturada”, contou ele, que tem formação em tecnologia da informação e desenvolvimento de jogos.

Ele chegou a trabalhar em agência de publicidade e disse que a quantidade de horas trabalhadas acabou consumindo todo o seu tempo.

Furini então decidiu buscar uma área com empregos garantidos e um salário inicial razoável.

Mas, como “parar e estudar todas as questões de cursinho ia custar muito tempo”, ele decidiu buscar uma faculdade no exterior. Acabou encontrando um serviço oferecido na Argentina para encontrar uma universidade pública do país vizinho e cuidar dos trâmites burocráticos.

A faculdade era pública, a gente faz um processo de ingresso. Mas é um processo não reprovatório, é de nivelamento. Na Argentina, eles têm uma lei que diz que a educação tem que ser pra todos. Você chega na faculdade pública e fala que vai estudar medicina, e você tem o direito.

— Daniel Furini, que iniciou o curso em 2015 na Universidad Nacional de Rosario

A facilidade na entrada, porém, não garante a conclusão do curso. “Cada vez que você vai passando de ano, vai tendo uma peneira interna, mas é uma questão de estudar ou não. E todas as provas são orais.”

Ele diz, ainda, que muitos brasileiros candidatos do Revalida com quem ele tem contato acabam escolhendo faculdades na Bolívia e no Paraguai situadas perto da fronteira com o Brasil e, muitas delas, com aulas em português, reduzindo o impacto cultural da mudança.

📉 Preparação para o Revalida

Milton de Arruda Martins, professor da USP, ressalta que parte das instituições que têm recebido muitos brasileiros acabam oferecendo uma formação de baixa qualidade, o que explica a alta taxa de reprovação do Revalida.

Os candidatos, por sua vez, reclamam de injustiça nos exames, e acabam lançando mão de cursinhos preparatórios, alguns com preços de até R$ 5 mil por dois dias de aulas, para tentar a aprovação.

Furini conta que escolheu a universidade também pela grande quantidade de brasileiros ali, e acabou inclusive conhecendo e se casando com uma mulher de São Paulo, que tinha o mesmo plano que ele. Nesta semana, o casal viajou à Argentina para buscar o diploma da esposa, que já se prepara para o Revalida.

Uma das plataformas que ela vai usar foi justamente desenhada pelo marido entre janeiro e fevereiro deste ano, depois que ele fez a segunda fase da edição 2022.2 do Revalida, e antes de saber se tinha sido aprovado ou não.

“Eu vi que a principal dificuldade não era na primeira fase, porque ela é universalizada. É basicamente estudar a base teórica. Então, já tem muitos cursinhos nessa etapa”, explicou ele. “O problema todo é como estudar para a segunda fase. Você precisa de outra pessoa, não é um método que estuda sozinho.”

Sua plataforma, batizada de Pense Revalida, traz simulados sobre as estações práticas às quais os candidatos serão submetidos na segunda fase, tendo que atender pacientes fictícios, interpretados por atores contratados pelo Inep.

O site ainda permite que um candidato encontre outro, em tempo real, para se unirem e praticarem juntos, revezando os papéis e avaliando o desempenho de cada um.

“Se a pessoa não tem um parceiro a gente adiciona num grupo, e eles se organizam para treinar. A gente tem 1,4 mil treinamentos diários”, contou o médico, que diz que o serviço já faturou R$ 180 mil desde o lançamento, no fim de fevereiro.

Em abril, ele descobriu que foi aprovado no Revalida em sua primeira tentativa. Seu registro médico do CRM chegou nesta semana, mas Furini decidiu manter a plataforma no ar e conciliar as duas profissões.

“Tentei uma vaga no hospital [da cidade], levei o currículo. Quero tentar ficar no hospital e na plataforma.”

 

Neste ano, o Revalida teve 10.066 inscritos, sendo que 9.236 participaram da primeira fase e 1.216 foram aprovados.

A segunda fase será realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 24 e 25 de junho.

As inscrições para a segunda etapa terminam nesta sexta (19).

O prazo para pagar a taxa de R$ 4.106,09 vai até a próxima terça (23).

Poderão participar os 1.216 aprovados na primeira fase da edição 2023, além de 805 candidatos das duas edições de 2022 que passaram na primeira fase, mas reprovaram na segunda.

 

 

 

Texto originalmente publicado em G1

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