As febres hemorrágicas virais (FHV) são um grupo de doenças febris que constituem um desafio em termos de saúde pública.
São doenças endêmicas, frequentemente associadas à alta morbimortalidade e surgem em surtos irregulares e difíceis de prever, o que dificulta a realização de estudos clínicos.
Assim, visando fornecer uma ampla visão das febres hemorrágicas virais, uma revisão sistemática recente levantou informações sobre número de casos, mortalidade e tratamentos disponíveis para uma série de doenças que compõem esse heterogêneo grupo.
A busca foi realizada em janeiro de 2020 nos sites da OMS e do CDC e publicações em três bancos de dados internacionais (MEDLINE, Embase e CENTRAL). Seguindo o processo de seleção do estudo, dados qualitativos e quantitativos foram extraídos de cada artigo incluído.
Foi utilizada uma abordagem de síntese narrativa para cada FHV e estatísticas descritivas foram realizadas, incluindo mapas mundiais do número de casos e taxas de letalidade, tabelas de resumo por doença, país, período de tempo e estudos de tratamento.
Foram identificados 141 relatórios da OMS/CDC e 126 artigos que atendiam aos critérios de inclusão. A maioria dos estudos foi publicada após 2010 (97 relatórios da OMS/CDC e 93 publicações).
Os resultados variaram muito dependendo do surto e entre os países acometidos e um total de 90 estudos foi sobre a doença pelo vírus Ebola, principalmente sobre o surto entre 2014-2016 ocorrido na África Ocidental.
Em relação aos 38 estudos que relataram resultados sobre tratamentos, a maioria deles eram não randomizados (principalmente estudos retrospectivos ou comparativos não randomizados) e apenas 10 eram ensaios controlados randomizados.
Para vários FHV, nenhuma opção terapêutica específica com forte comprovação de eficácia na mortalidade foi identificada.
Foram identificados estudos relatando surtos de pelo menos uma FHV em 55 países e vamos detalhar as principais a seguir:
Febre hemorrágica da Crimeia-Congo
Casos foram relatados na África, Ásia e Europa nos seguintes países: Afeganistão, Bulgária, Geórgia, Irã, Iraque, Cazaquistão, Kosovo, Mauritânia, Omã, Paquistão, África do Sul, Tadjiquistão, Turquia e Uzbequistão. Os primeiros casos foram documentados em 1948–1969 no Cazaquistão (89 casos, letalidade = 25%). Na data da revisão, o país com o maior número de casos era a Turquia com um total de 6.538 casos.
Ebola
Surtos foram relatados na África subsaariana nos seguintes países: República Democrática do Congo, Gabão, República da Guiné, Libéria, Mali, Nigéria, Serra Leoa, Sudão e Uganda.
O primeiro surto relatado ocorreu em 1976 na República Democrática do Congo (318 casos, letalidade = 88%) e no Sudão (284 casos, letalidade = 53%). Na data da revisão, os países com o maior número de casos relatados eram Serra Leoa com um total de 14.124 casos (letalidade = 28%) e Libéria com 10.678 casos (letalidade = 45%).
A taxa de letalidade relatada desde 2010 variou muito entre os países. No total, 28% em Serra Leoa em 2014–2016 (14.124 casos), 40% na Nigéria em 2014 (20 casos), 41% em Uganda em 2012 (17 casos), 45% na Libéria (10.678 casos), 66% na República Democrática do Congo em 2018 (3.470 casos), 67% na Guiné em 2014–2016 (3.811 casos) e 75% no Mali em 2014 (8 casos).
Síndrome pulmonar por hantavírus
Casos foram relatados na América nos seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Panamá, Paraguai e EUA. Os primeiros casos documentados foram em 1993 nos EUA (48 casos, letalidade = 56%) e no Brasil (884 casos de 1993 a 2006, letalidade = 39%).
Na data da revisão, os países com o maior número de casos documentados eram o Brasil com 2.370 casos (letalidade = 39%) e os últimos casos documentados foram relatados em 2018 nos EUA (3 casos, letalidade = 67%).
Febre hemorrágica com síndrome renal
Casos foram relatados na Ásia e na Europa nos seguintes países: China, Croácia, Finlândia, Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Luxemburgo, Coreia do Sul, Montenegro e Rússia. Os primeiros casos documentados foram relatados em 1931-1941 na China (10.000 casos, letalidade = 30%).
Na data da revisão, o país com o maior número de casos relatados era a China com 1.306.812 casos (letalidade = 3%) e os últimos casos documentados relatados em 2000–2017 na Rússia (131.590 casos, letalidade = 0,4%).
Resumindo, descobriu-se que o número de casos e mortalidade variaram muito entre os surtos e países acometidos. Além disso, o número de ensaios que investigaram tratamentos foi limitado, com poucos estudos apresentando metodologia forte e para várias doenças não havia opção terapêutica específica com comprovação de eficácia em reduzir mortalidade. Percebe-se, então, que esse é um campo de estudo com muita necessidade de investimento.
Texto publicado originalmente em: Portal PEBMED