Descoberta foi feita a partir de um microscópio 3D e revela o que estava escondido há mais de 300 anos: espermatozóides ‘perfuram’ o fluido, como parafusos.
A forma com que a ciência pensou, por mais de três séculos, o nado dos espermatozoides estava errada. É o que diz um estudo publicado pela revista “Science Advances”, a partir de imagens coletadas por um microscópio 3D que revelou um deslocamento em espiral.
O primeiro cientista a descrever o movimento dos espermatozoides foi o holandês Antonie van Leeuwenhoek. Com seu microscópio, ele avistou em 1678 uma “cauda, que, quando nadava, se mexia como uma serpente, como enguias na água”.
A constatação de Leeuwenhoek foi pouco questionada, porque justamente era isso que se podia ver com um microscópio comum. Mas em 2020, com a tecnologia de microscopia tridimensional, pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e da Universidade Autônoma do México viram algo mais: um movimento espiralado e giratório em todas as direções.
“O flagelo bate de uma maneira assimétrica somente para um lado, mas ele vai rotacionando gradualmente e faz com que o espermatozoide anule sua assimetria”, explicou ao G1 o brasileiro Hermes Gadêlha, professor da Universidade de Bristol e primeiro autor do estudo. “Com isso, se consegue criar uma simetria através da assimetria.”
Para explicar, o matemático deu como exemplo o movimento de um pião em que ele gira ao redor de si mesmo e também ao redor de seu eixo. Segundo ele, é como se o gameta estivesse “perfurando o fluido”.
“É um movimento de precessão, um termo emprestado da física”, comentou o pesquisador. “A terra tem um movimento de precessão, e é isso que dá diferença do equinócio, solstício. Com o espermatozoide é quase como se você tivesse dois movimentos rotatórios perfurando o fluido de uma maneira muito bonita, muito elegante porque é aparentemente simétrico.”
55 mil fotos
Para enxergar como o gameta menor que a espessura da metade de um fio de cabelo se move, os pesquisadores usaram uma potente câmera capaz de tirar 55 mil fotos a cada um segundo. Com isso, eles conseguiram escanear os espermatozoides e identificar este movimento giratório.
“Ele é muito pequeno, tem 50 micrômetros”, disse Gadêlha. “Além disso, ele é muito rápido, ele nada em uma frequência entre 20 e 30 batimentos por segundo e quando for escanear, tem que ser em uma velocidade tão rápida que parece que o espermatozoide não está se movendo, ou como se estivesse em slow motion.”
Pode até parecer simples, mas os pesquisadores ficaram quatro anos calibrando os equipamentos e registrando as imagens coletadas para poder provar que o movimento identificado não era um erro na captação.
“Uma vez que você consegue fazer a observação em três dimensões, a pergunta principal se torna como é que a cauda bate realmente”, contou o brasileiro. “Para responder a essa pergunta, tem que ir para o referencial do espermatozoide, é quase como se você pegasse uma ‘Go Pro’ e colasse na cabeça do gameta.”
“Essa pesquisa é um casamento de várias áreas do conhecimento”, explicou o matemático. “Somos biólogos, engenheiros, matemáticos trabalhando juntos. Só a observação no microscópio não é suficiente, precisamos combinar com a modelagem matemática, mas ela sozinha não vai dar as respostas.”
A descoberta dos pesquisadores abre caminho para entender melhor os mecanismos da origem de todos nós: “Eu não estaria aqui se não tivesse um espermatozoide chegado a um óvulo”, reforçou o cientista e professor de matemática aplicada.
A próxima pergunta que eles fazem é justamente qual a relevância deste movimento para a infertilidade. Gadêlha explicou que muitos testes de fertilidade humana levam em conta a forma com que os gametas masculinos conseguem nadar.
“A única coisa que eu posso dizer, é que isso é menos de 10% do que a gente ainda estuda”, disse o pesquisador. “Vendo no microscópio, o futuro parece muito mágico.”
Fonte: G1