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segunda-feira, novembro 25, 2024

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Desmatamento na Amazônia: supermercados britânicos ameaçam parar de vender produtos do Brasil caso nova lei seja aprovada

Cerca de 40 empresas do setor alimentício do Reino Unido ameaçaram parar de comprar produtos do Brasil caso seja aprovada uma mudança na lei brasileira que abre o caminho para que parte de áreas públicas desmatadas ilegalmente passe para as mãos dos desmatadores.

Em carta aberta, o grupo de companhias britânicas, que inclui as grandes redes de supermercados Sainsbury’s, Aldi e Co-Op e a BRC (associação de varejistas do país), pediu aos congressistas brasileiros que rejeitem a proposta de mudança na lei em tramitação no Senado.

O projeto de lei 510/2021, apoiado pelo governo federal, pode ser votado na Casa ainda na primeira semana de maio, poucas semanas depois de o presidente Jair Bolsonaro se comprometer na Cúpula do Clima a acabar com o desmatamento ilegal no país até 2030. O grupo empresarial critica essa discrepância.

‘Parte vital do sistema terrestre’

No documento enviado aos congressistas brasileiros, as empresas britânicas afirmam que “consideram a Amazônia como parte vital do sistema terrestre que é essencial para a segurança do nosso planeta, e também como parte central para o futuro próspero dos brasileiros e de toda a sociedade”.

Florestas tropicais são fundamentais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, por serem capazes de armazenar quantidades enormes de gás carbônico.

Sob a liderança do presidente Jair Bolsonaro, o nível de desmatamento na Amazônia é o maior desde 2008.

Só neste ano, cerca de 430 mil acres (cerca de 1.700 km², pouco maior que a cidade de São Paulo) foram derrubados ou queimados, segundo levantamento do Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (Maap).

Medidas semelhantes que flexibilizariam as regras de propriedade no Brasil chegaram a entrar em vigor no ano passado após medida provisória do governo Bolsonaro, mas a pressão, incluindo a de importadoras britânicas, levou o Congresso a deixar o texto caducar.

Normalmente, mudanças na lei de regularização fundiária buscam postergar o chamado marco temporal das ocupações. Marco temporal é o prazo até o qual áreas públicas ocupadas podem ser privatizadas. Ou seja, postergando-se o marco temporal, amplia-se a quantidade de pessoas capazes de regularizar suas ocupações.

Em abril, 40 parlamentares alemães enviaram aos presidentes da Câmara e do Senado brasileiros uma carta pedindo a rejeição do PL 510/2001 e outros projetos de lei que, segundo o grupo, elevariam o desmatamento e a violência contra povos indígenas no Brasil.

‘Sem escolha’

Em sua carta aberta, o grupo de empresas britânicas afirma que os mecanismos legais vigentes têm sido “fundamentais” para que suas organizações tenham “confiança” nos produtores brasileiros. E diz que “continua aberta a porta para trabalhar com parceiros brasileiros” para desenvolver práticas de manejo sustentável da terra no Brasil.

No entanto, se entrarem em vigor este projeto de lei ou outras medidas que consideram prejudicar as proteções existentes, eles “não terão escolha a não ser reconsiderar o apoio e uso da cadeia de suprimentos de commodities agrícolas brasileiras”.

Em 2018, os britânicos importaram quase 240 milhões de libras em soja (ou R$ 1,2 bilhão) do Brasil. Isso equivale a quase 30% — 761 mil das 2,5 milhões de toneladas — da importação média anual de soja do país, a maioria voltada à pecuária. Apenas 14% desse total têm certificação de “desmatamento zero”, segundo a Iniciativa de Comércio Sustentável (STI, na sigla em inglês), uma das menores taxas da União Europeia.

Mike Barrett, diretor-executivo de ciência e conservação da organização World Wildlife Fund no Reino Unido (WWF-UK), disse: “Não podemos combater a crise climática sem a Amazônia, mas seu futuro está em jogo enquanto o desmatamento a empurra para mais perto do ponto de colapso”.

Para ele, se aprovado no Congresso brasileiro, o projeto de lei vai “alimentar ainda mais destruição e gerar um risco maior para as vidas das pessoas e da vida selvagem que a chamam de lar”.

Cathryn Higgs, chefe de políticas públicas da rede de supermercados Co-op, disse que era “imperativo” que a legislação proposta não recebesse apoio do governo brasileiro.

Os defensores do projeto dizem que ele ajudaria os pequenos agricultores a regularizar os títulos de propriedade da terra. Mas grandes desmatadores também seriam beneficiados com a aprovação da proposta.

Procurado pela BBC, o governo brasileiro ainda não comentou a carta aberta das companhias britânicas.

Foto aérea mostra clarão no meio da floresta, com área incendiada

CRÉDITO,GETTY IMAGES. Área desmatada dentro da Terra Indígena Menkragnoti, no Pará; Estado foi responsável por quase metade do desmatamento no país em 2019

O que diz o projeto de lei?

O PL 510/2021, caso seja aprovado na forma em que está, possibilitará que terras públicas desmatadas ilegalmente se tornem propriedade de quem as ocupou.

A iniciativa de autoria do senador Irajá Abreu (PSD-TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PSD-TO), ex-ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff, busca, segundo seus defensores, corrigir injustiças históricas e atender agricultores que não têm títulos das áreas onde operam.

O governo e a bancada ruralista dizem que a proposta promoveria a “regularização fundiária” em terras da União, o que impulsionaria a produção de alimentos e até mesmo facilitaria o controle do desmatamento.

Já críticos dizem que a iniciativa premiaria a grilagem (apropriação ilegal de terras públicas) e estimularia a destruição de novas áreas de floresta.

Em artigo recente na revista acadêmica digital Amazônia Latitude, o analista ambiental Hugo Loss diz que dados do Prodes, o sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram que a grilagem é a causa de 60% do desmatamento na Amazônia.

Segundo ele, quando autoridades defendem flexibilizar os critérios para a regularização fundiária, há tendência de aumento no desmatamento.

Imagme aérea de toras de madeira que foram extraídas ilegalmente

CRÉDITO,REUTERS/UESLEI MARCELINO. Imagem aérea de madeira extraída ilegalmente da floresta tropical brasileira

Pela lei atual, só podem ser privatizadas sem licitação áreas públicas desmatadas até 22 de dezembro de 2011. Pela proposta de Irajá, o prazo seria prorrogado em três anos, até dezembro de 2014.

O texto trata dos critérios para a privatização de terras públicas federais não destinadas. A expressão significa que essas terras pertencem à União mas não tiveram uma destinação definida, como virar parques nacionais ou assentamentos para reforma agrária, por exemplo.

Terras públicas não destinadas são alvos preferenciais de grileiros, que as invadem apostando que um dia elas acabarão se tornando sua propriedade e que eles poderão lucrar com a venda dos lotes.

A proposta teria validade em todo o território nacional, mas seu impacto seria maior na Amazônia, que concentra a maior parte das terras públicas não destinadas no país.

Segundo o Ministério da Agricultura, na Amazônia, essas áreas somam cerca de 57 milhões de hectares, ou pouco mais do que o território da França.

Qual é a situação do desmatamento e da fiscalização ambiental hoje no Brasil?

Os dois primeiros anos de governo Bolsonaro foram marcados por sucessivas altas no desmatamento. A taxa de perda florestal saltou de 7,5 mil km², em 2018, para 10,1 mil km² e 11,1 mil km² em 2019 e 2020, sucessivamente. Foram os maiores valores desde 2008.

O levantamento preliminar, a ser confirmado na consolidação de dados em 2021, mostra também que o desmatamento entre agosto de 2019 e julho de 2020 deve ser 9,5% maior do que o período anterior equivalente — de agosto de 2018 a julho de 2019, quando foram desmatados 10.129 km².

No período mais recente, fechado em julho de 2020, quatro Estados concentraram quase 90% da área desmatada: Pará aparece na liderança com 46,8%, seguido de Mato Grosso (15,9%), Amazonas (13,7%) e Rondônia (11,4%).

Desmatamento atinge maior nível em uma década na Amazônia. Taxa anual em quilômetros quadrados.  Obs.: Dados de 2019 foram atualizados em jun.2020.

De janeiro a dezembro de 2019, o Brasil correspondeu a um terço do que foi perdido de floresta tropical virgem em todo o planeta, segundo um relatório do Global Forest Watch, organização que mantém uma plataforma online de monitoramento de florestas.

As florestas primárias, ou virgens, são aquelas que se encontram em seu estado original — não afetadas, ou afetadas o mínimo possível, pela ação humana. Por serem mais antigas, elas têm mais diversidade de espécies, armazenam mais carbono e são consideradas essenciais no combate à mudança climática. Especialmente as tropicais.

O Brasil tem 33% das florestas primárias tropicais do mundo, e o estágio atual da Amazônia é de cerca de 20% de desmatamento.

A estimativa do climatologista brasileiro Carlos Nobre é que, se Amazônia atingir 25% de desmatamento, o bioma vai atingir um ponto de não-retorno em que será impossível para a floresta se regenerar.

Segundo pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil, a gestão Bolsonaro não apenas teve sucesso em fazer com que diversas áreas do governo criassem normas e portarias que diminuíram o controle ambiental como conseguiu colocar aliados em órgãos ambientais na Câmara dos Deputados — o que pode levar a mudanças legislativas, mais difíceis de reverter do que despachos e decisões ministeriais.

“Existe um sistema de governança ambiental: instituições, procedimentos administrativos, agências de fiscalização e controle, etc. A boiada passou aí — vários dos regramentos que sustentam o aparato de proteção foram modificados”, afirmou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (entidade que reúne 43 organizações ambientalistas), em entrevista à BBC News Brasil em abril. “Houve um desmonte total de todos os mecanismos de proteção ambiental.

Nos últimos 12 meses, desde que o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) sugeriu aproveitar a pandemia para “ir passando a boiada” de desregulamentações, o governo modificou centenas de normas e portarias em diversas instâncias — do Ministério do Meio Ambiente a decretos da Presidência — para eliminar regulamentação na área, aponta Astrini.

Um levantamento do jornal Folha de S.Paulo com a entidade Monitor de Política Ambiental detectou pelo menos 606 normas com impacto ambiental entre abril e dezembro de 2020.

Órgãos como o ICMBio, o próprio Ibama e outras entidades de manejo, fiscalização e controle foram os principais alvos de mudanças pelo governo — de cortes de orçamento a diminuição da autonomia e perda de pessoal.

*com informações da BBC News Brasil

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