O Fundo Mundial para a Natureza (WWF, da sigla em inglês), ONG de defesa do meio ambiente, acaba de divulgar a versão 2018 do seu relatório Planeta Vivo. E as conclusões não são nada boas, principalmente para o Brasil.
A análise, feita por 50 pesquisadores em todo o mundo com base em pesquisas de 19 organizações, apontou para um desmatamento intenso, que reduziu, de 1970 para cá, 20% da Floresta Amazônica e 50% do Cerrado, biomas bastante representativos do país.
A redução das áreas verdes acaba trazendo uma implicação direta na vida de espécies, aumentando ainda mais a lista daquelas que estão ameaçadas de extinção.
O relatório atual, que traz um cenário desolador, confirma uma curva de desgaste ambiental que vem se acentuando nos últimos anos.
A WWF divulga o relatório a cada dois anos. Nesta edição, o levantamento cita animais brasileiros entre os ameaçados em função dessa perda de ambiente natural. Na lista estão a jandaia-amarela (Aratinga solstitialis), o tatu-bola (Tolipeutes tricinctus), o uacari (Cacajao hosomi), o boto (Inia geoffrensis) e o muriqui-do sul (Brachyteles aracnoides).
No caso dos botos, a exploração é tida como involuntária: os animais acabam sendo presos em redes de pesca, mesmo não sendo alvo de pesca predatória.
De acordo com a WWF, que monitora, desde 1970, 16.704 populações animais, declínio de populações de vertebrados no período em todo o mundo é de 60% – mamíferos, peixes, aves, répteis e anfíbios. De lá para cá, houve um declínio de 83% das populações de água doce. No caso dos mamíferos, a redução total foi de 22%.
Para efeitos comparativos, entre 1970 e 2010, esse declínio foi de 52%. Ou seja: não estamos conseguindo conter o estrago, quanto menos recuperá-lo. Um dos exemplos mais críticos trazidos pelo relatório é a população de elefantes na Tanzânia, que reduziu em 86% desde os anos 1970.
Para se recuperar sozinha do estrago causado pela humanidade, a natureza precisaria de 6 milhões de anos, diz o documento.
Nos trópicos, principalmente nas Américas Central e do Sul, a deterioração do ecossistema é ainda mais grave – com redução de 89% dessas populações.
A região entre os trópicos é onde está a maior parte da vida do planeta, justamente por conta da questão climática. Ao mesmo tempo, é nesta faixa onde estão também as maiores áreas de uso de solo e dos recursos naturais – as áreas cultivadas para a produção de alimentos.
O desmatamento para o uso intenso da terra tem afetado drasticamente os ecossistemas do planeta.
Segundo a WWF, a taxa de extinção das espécies hoje – número que indica o risco de desaparecimento das mesmas – é de 100 a 1.000 vezes maior do que era antes de as atividades humanas começarem a alterar a biologia e a química do planeta.
Isso significa que a Terra vive seu sexto processo de extinção em massa nos últimos 500 milhões de anos. Desta vez, o culpado é uma espécie que habita o planeta – nós, os humanos.
“Preservar a natureza não é apenas proteger os tigres, pandas, baleias e animais que apreciamos. É muito mais: não pode haver um futuro saudável e próspero para os homens em um planeta com o clima desestabilizado, os oceanos sujos, os solos degradados e as matas vazias, um planeta despojado de sua biodiversidade”, declarou o diretor-geral da WWF, Marco Lambertini.
Ambientes brasileiros
Em junho, dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente indicavam que a devastação do Cerrado, a savana brasileira, era 60% a mais do que a perda na Amazônia nos últimos sete anos.
No total, foram 80 mil km² de terras devastadas, contra 50 mil km² da Amazônia.
A região do Cerrado é onde mais se expande o agronegócio brasileiro. Em coletiva de imprensa realizada em junho, o pesquisador Claudio Almeida, responsável por divulgar os dados, ressaltou que na parte mais ao norte do bioma, em especial nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, foi observada a maior incidência do desmatamento nos últimos anos – os Estados respondem por 62% do total perdido.
E é justamente essa região apontada como a nova fronteira do agronegócio brasileiro – dedicada sobretudo à produção de soja, óleo de palma e criação de gado.
Os números são do monitoramento chamado Prodes do Cerrado, feito por satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Quando os dados foram divulgados, o Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia divulgou nota afirmando que a “savana consolida-se como o bioma mais ameaçado do Brasil atualmente”.
O desmatamento ocorrido no Brasil tem afetado, de acordo com o WWF, não só a vida dos animais. Mas também a oferta de água doce – o que ajuda a explicar as recorrentes crises hídricas que têm ocorrido, como a que deixou em risco o abastecimento da região Sudeste nos últimos anos.
Isto porque as regiões mais afetadas, onde estão Cerrado e Amazônia, são justamente as que abrigam os principais mananciais da malha hidrográfica brasileira.
De acordo com as metas da convenção da Organização das Nações Unidas para a biodiversidade, pelo menos 17% dos ecossistemas de cada país precisariam estar em áreas protegidas para a conservação.
O Brasil, país que tem a maior biodiversidade do planeta, está distante desse número. Apenas 8% do cerrado está protegido. No Pantanal, apenas 2% das áreas estão protegidas.
Planeta
O relatório mostra que três quartos do planeta já foi impactado pela ação humana. Há uma projeção que, em 2050, apenas 10% da Terra esteja livre da interferência humana.
O WWF aponta que os seres humanos já ultrapassaram os limites de segurança quanto às mudanças climáticas e níveis de interferência no sistema terrestre. Integridade da biosfera e fluxos biogeoquímicos de fósforo e nitrogênio também já sofreram interferências humanas tidas como irreversíveis – sobretudo por conta do uso de fertilizantes na agricultura e do manejo da pecuária intensiva.
Segundo o texto, isto representa um declínio acentuado da “saúde da planetária”, da “natureza” e da “biodiversidade”. “Prejudicando a saúde o bem-estar das pessoas, espécies, sociedades e economias em todos os lugares”, ressalta.
A organização emitiu um alerta vermelho para a degradação do solo e ressaltou que está perto de fazer o mesmo em relação à acidificação das reservas de água doce e dos oceanos.
Uma possível solução apontada para tentar reduzir esses estragos seria o emprego mais eficiente de tecnologias já disponíveis para a produção de alimentos. Embora tenha havido avanços por conta dos equipamentos e técnicas mais modernas, a WWF acredita que as melhorias cresceram de forma menor do que o potencial de dano.
A pegada ecológica do homem, conclui o relatório, está hoje três vezes mais degradante do que era em 1970.
Um exemplo está no desperdício. Atualmente, cerca de 40% do que é produzido acaba sendo descartado por conta de falhas no processo de produção, transporte e mesmo dentro das residências.
O relatório frisa que é preciso “elevar o nível de alerta” para provocar um amplo e consciente movimento, chamando a atenção “suficiente dos líderes mundiais”.
Segundo a ONG, é preciso uma ação consistente antes de 2020, porque, ao contrário, “uma porta sem precedentes se fechará rapidamente”.
“Somos a primeira geração que tem uma visão clara do valor da natureza e do nosso impacto nela. Poderemos também ser a última capaz de inverter esta tendência”, adverte o relatório.
Fonte: BBC News