Os médicos brasileiros em Portugal estão indignados com as declarações do presidente da Ordem dos Médicos à agência “Lusa”. A reportagem foi reproduzida em meios de comunicação do país, entre eles o diário “Público” e o jornal digital “Observador”.
Ao comentar a notícia que Portugal aprova menos da metade dos estrangeiros candidatos a médicos, Miguel Guimarães tentou explicar a demora para o reconhecimento. E criticou parte da escola brasileira.
— Há cursos de medicina que não têm qualidade e as universidades (portuguesas) têm cuidado com isso. O Brasil é o país do mundo com mais cursos de medicina, tem os piores e os melhores cursos de medicina. Abrir uma escola médica no Brasil é muito fácil, o governo não impede nenhuma escola. A maior parte dos médicos brasileiros não estão inscritos na Ordem dos Médicos brasileira — disse Guimarães à “Lusa”.
A coluna apurou que o Conselho Federal de Medicina (CFM), equivalente no Brasil à Ordem portuguesa, recebeu e-mail de um médico brasileiro. Ele é atuante nos bastidores dos hospitais portugueses como representante dos interesses dos profissionais estrangeiros. Em um grupo privado de médicos, a indignação é geral. E ao menos um conselho regional também recebeu e-mail.
Encaminhada ao Portugal Giro, a mensagem cobra: “Eu, na condição de médico brasileiro emigrado, exijo uma manifestação firme e pública do CFM quanto à reportagem com afirmações por parte do presidente da Ordem dos Médicos de Portugal contra a qualidade do médico brasileiro e sua formação. São acusações graves que atingem direta e moralmente o nome internacional do médico brasileiro e o prestígio do CFM no mundo”.
Laís Vieira é formada pela Universidade Federal de São Paulo. A médica brasileira deu entrada no processo em 2019 e obteve reconhecimento para exercer clínica geral em dezembro de 2021. Ela considerou os comentários de Guimarães imprudentes.
— Mostra seguramente um desconhecimento da formação médica no Brasil. Concordo que haja no Brasil uma heterogeneidade maior entre as faculdades do que em Portugal. Contudo, há diretrizes curriculares mínimas, às quais qualquer faculdade, pública ou privada, deve seguir — disse Vieira.
Médicos brasileiros apontam equívocos nas declarações do presidente. Em outro trecho da entrevista, o texto cita que Guimarães referiu que a formação de um médico no Brasil duraria de um a seis anos.
— Um ano de medicina? Nem técnico de enfermagem forma em um ano — disse um médico que espera pelo reconhecimento de sua especialidade, teme represálias e por isso não se identifica.
Vieira completa a declaração do colega de profissão brasileiro.
— Determinações sobre carga horária impediriam qualquer pessoa de se tornar médico num tempo tão exíguo como um ano. Os cursos também duram seis anos no Brasil. Fique claro que nunca fui contra os brasileiros passarem por algum escrutínio, mas é injusto que duvidem da qualidade da formação de muitos de nós — declarou Vieira.
Outra médica brasileira em Portugal aponta o fato de o presidente indicar que parte dos médicos não está inscrita na “Ordem” brasileira.
— Este senhor não sabe o que fala. Ninguém pode atuar como médico no Brasil sem estar inscrito em um (ou mais) conselho regional. Estou no internato que eles exigem para fazer residência, mesmo eu tendo feito internato médico há 16 anos e atuar como médica com autonomia aqui em Portugal há três anos. O nível do meio português deixa muito a desejar. Só não quero me indispor, porque já basta ser imigrante num país xenófobo — disse ela, que também pediu anonimato para não ser prejudicada.
Nos dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) publicados pela “Lusa”, Portugal aprovou 706 (42%) do total de 1,7 mil pedidos estrangeiros.
“Entre os 74,7% de pedidos apresentados por brasileiros, apenas 42,7% foram aprovados – ainda que estes representem três quartos do total de pedidos aprovados”, informou o texto.
Um médico da União Europeia tem reconhecimento automático e precisa ser aprovado em uma prova de comunicação na Ordem. Quem vem de fora do bloco tem que cumprir mais provas até conquistar a demorada autonomia para exercer clínica geral.
Para se tornar um médico especialista, um brasileiro será avaliado pelos colégios da Ordem. Os brasileiros garantiram que foram discriminados pelos responsáveis dos colégios. O presidente da Ordem admitiu que é “outro campeonato”, ainda mais moroso e “que não depende da direção, mas de cada colégio”.
No último sábado, O GLOBO publicou reportagem sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de Portugal. Em parte dela, a médica brasileira Rachel Vicente contou que não foi reconhecida como especialista após trabalhar dez anos e coordenar a unidade de tratamento intensivo (UTI) neurocirúrgica do Garcia de Orta, em Lisboa.
— Trabalhei como especialista intensivista durante seis anos ganhando como clínica. Usam estrangeiros como mão de obra barata enquanto faltam médicos especialistas de maneira geral — disse Vicente.
Procuradas, a CFM e a Ordem dos Médicos ainda não responderam.
Fonte: O Globo