O homem que faz o presidente Jair Bolsonaro querer “encher de porrada a boca” de um repórter, Fabrício Queiroz, está no centro de uma investigação que envolve a família Bolsonaro em possíveis irregularidades.
O presidente Bolsonaro, seu filho Flávio e o ex-assessor Queiroz negam quaisquer ilícitos.
Queiroz, de 54 anos, é ex-policial militar e amigo pessoal de Bolsonaro. Trabalhou dentro do gabinete do filho mais velho do presidente, quando o hoje senador Flávio Bolsonaro era deputado na Assembleia Legislativa do Rio.
Ficou lá até ser exonerado do gabinete em outubro de 2018. Além de Queiroz, sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar, e as filhas Nathalia e Evelyn de Queiroz já trabalharam para Flávio.
As suspeitas envolvendo o filho de Bolsonaro, que também já chegaram a sua esposa, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, começaram depois de que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, hoje UIF, ou Unidade de Inteligência Financeira), órgão que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, identificar diversas transações suspeitas feitas por Queiroz no período em que atuou como assessor de Flávio.
Queiroz recebe R$ 2 milhões em possível esquema de ‘rachadinha‘
Por meio da quebra de sigilo de Queiroz, o Ministério Público do Rio identificou que o ex-funcionário recebeu R$ 2 milhões por meio de 483 depósitos de dinheiro em espécie feitos por 13 assessores ligados ao gabinete do filho do presidente da República.
Com isso, Queiroz e Flávio passaram a ser suspeitos de organizar um esquema de “rachadinha” no gabinete do parlamentar no Rio. Uma rachadinha é uma maneira de receber parte do salário de seus próprios servidores públicos ou prestadores de serviços, pago com dinheiro público.
A identificação do repasse de R$ 2 milhões é uma forte evidência do esquema da “rachadinha”, e a presença de parentes de Queiroz no gabinete reforça a suspeita. Queiroz seria o operador do esquema para Flávio Bolsonaro.
Além disso, identificou-se um intenso tráfego de dinheiro vivo nas transações de Flávio Bolsonaro, o que pode ser ligado a esse esquema.
Queiroz deposita R$ 24 mil para a primeira-dama Michelle Bolsonaro
Em 2018, o Coaf apontou que Queiroz depositou um cheque de R$ 24 mil na conta da hoje primeira-dama Michelle Bolsonaro, em um relatório referente aos anos de 2016 e 2017. Antes de tomar posse, o presidente Bolsonaro respondeu: disse que se tratava de parte do pagamento de um empréstimo que havia feito ao ex-assessor do filho que totalizava R$ 40 mil, não R$ 24 mil.
Embora tenha dito que emprestou dinheiro a Queiroz, a quebra de sigilo do ex-funcionário não mostrou nenhuma transferência em nome do presidente em sua conta bancária.
Casal Queiroz e Márcia depositou total de R$ 89 mil para Michelle
Apesar de Bolsonaro dizer que havia emprestado R$ 40 mil a Queiroz e que os depósitos na conta da atual primeira-dama seria uma devolução dessa quantia, agora se descobre que os depósitos para Michelle Bolsonaro somam, na verdade, mais que o dobro disso.
Segundo apuração da Revista Crusoé, a quebra de sigilo bancário de Queiroz mostrou que ele depositou R$ 72 mil em 21 cheques descontados pela primeira-dama entre 2011 e 2016. Sua esposa, Márcia Aguiar, depositou mais R$ 17 mil, em seis cheques, em 2011 (cinco de R$ 3 mil e um de R$ 2 mil) – segundo informação obtida pelo jornal Folha de S.Paulo. No total, R$ 89 mil.
Tudo isso sem que haja, ainda, registro de qualquer transferência de Bolsonaro a Queiroz, ou seja, sem indícios de que pudesse ter sido de fato um empréstimo.
É essa a origem da pergunta “presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz e Márcia de Aguiar?”, que Bolsonaro não quis responder e retrucou com uma ameaça ao repórter que a fez: “Vontade de encher tua boca com uma porrada, tá? Seu safado”.
Bolsonaro, portanto, ainda não respondeu à pergunta ou explicou a diferença de valores (entre os R$ 40 mil que dizia ter emprestado ao ex-assessor e os R$ 89 mil encontrados agora).
O Ministério Público disse em nota que a primeira-dama Michelle Bolsonaro não faz parte do escopo das investigações sobre a prática de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro entre 2007 e 2018, “que seguem normalmente, sob sigilo, a cargo do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC/MPRJ), por designação do procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem”.
Flávio recebe 48 depósitos de R$ 2 mil em um mês
Segundo apuração da TV Globo, outro relatório da Coaf identificou, em um período de um mês, depósitos em dinheiro que somam R$ 96 mil na conta de Flávio Bolsonaro.
Foram 48 depósitos em espécie na conta de Flávio entre junho e julho de 2017, somando cerca de R$ 96 mil – todos concentrados em um caixa eletrônico dentro da Assembleia Legislativa do Rio. O relatório foi pedido pelo Ministério Público do Rio.
Segundo o relatório, depósitos em valores idênticos na conta de Flávio, em um intervalo de poucos minutos, foram identificados em diversas datas distintas. Em uma das datas analisadas, teriam sido 10 depósitos de R$ 2 mil em um intervalo de cinco minutos.
O órgão disse não ser possível identificar o autores ou autores dos depósitos, mas a forma fracionada como foram feitos poderiam significar a intenção de ocultar origem dos recursos.
Queiroz pagava planos de saúde e escolade filhas de Flávio
A decisão judicial que resultou na prisão de Queiroz, em meados de junho, incluiu alguns detalhes da investigação em torno dele. Sua prisão preventiva foi decretada por suspeita de participação no esquema de “rachadinha”.
Alguns veículos de imprensa tiveram acesso a essa decisão, que mostra que o cruzamento de vídeos com outras evidências – datas, valores e horários – comprovavam que Queiroz realizou pagamentos no banco para Flávio Bolsonaro.
Segundo a GloboNews, os boletos bancários dos planos de saúde do senador e de sua mulher foram pagos em espécie, mas o dinheiro não saiu da conta deles.
Além disso, a decisão judicial diz que foi demonstrado pelo MPRJ que Queiroz pagou, em dinheiro, dois títulos de R$ 3.382 e R$ 3.560 em 1° de outubro de 2018 para o pagamento das mensalidades escolares das filhas do de Flávio Bolsonaro.
A suspeita era de que funcionários de Flávio devolviam parte de seu salário, e esse dinheiro era lavado por meio de uma loja de chocolate do então deputado e através do investimento em imóveis.
Flávio admite que Queiroz pagava suas contas pessoais
Em agosto, em entrevista ao jornal O Globo, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) admitiu que Queiroz pagava suas contas pessoais.
“Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”, afirmou.
Segundo ele, a origem do dinheiro era lícita, sem ligação com os possíveis desvios investigados pelo Ministério Público do Rio.
Depósitos em espécie em loja de chocolates
Documentos do Ministério Público do Rio, obtidos pelo Jornal Nacional e veiculadas na segunda (24/08), mostram que coincidências entre datas e depósitos feitos de maneira fracionada e em espécie na conta da loja de chocolates do qual Flávio Bolsonaro é sócio e as retiradas feitas pelo próprio parlamentar.
Ou seja, o que parece é que a loja na zona oeste do Rio era usada como uma “passagem” para camuflar a origem dos recursos: os salários dos funcionários do gabinete de Flávio. Seria parte importante da suspeita de “rachadinha”.
Segundo o Jornal Nacional, os documentos do MP-RJ mostram que, ao menos três vezes, as transferências feitas por Flávio para sua conta pessoal envolveram valores redondos semelhantes ao valor que havia sido depositado na conta da loja na mesma data ou poucos dias antes.
Exemplo: segundo o Jornal Nacional, a conta da loja recebeu 12 depósitos totalizando R$ 25.559 em 25 e 26 de janeiro de 2016. No dia 27, Flávio movimentou R$ 25.555 para a própria conta. Esse é apenas um dos exemplos encontrados pelo MP-RJ.
Fonte: BBC News