“Campo Grande virou uma bomba-covid” e este será o reflexo de escolhas claramente incorretas e que resultarão em cada vez mais mortes de pessoas que, simplesmente, poderiam ser preservadas. O alerta foi feito pelo médico Ronaldo Costa, que atua no Hospital Universitário da (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), ao analisar a resistência das autoridades em decretar lockdown.
O município ainda não se manifestou sobre o pedido da Defensoria Pública para o decreto de lockdown. Amanhã, no período vespertino, o juiz José Henrique Neiva de Carvalho e Silva, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, vai tentar o impossível na atual conjuntura, um acordo sobre a saída a ser adotada para evitar a tragédia em Campo Grande. Ele vai se reunir com representantes da Defensoria, Ministério Pública, prefeitura e da Junta Comercial.
Ronaldo Costa aponta que, sem o lockdown “os riscos para a população em geral crescem, também, com a hiper exposição dos profissionais de saúde ao vírus. “Nem município e nem o Estado têm pessoal suficiente para este momento. A taxa e a incidência dos profissionais de saúde que adoecem é grande. Ninguém vai aguentar trabalhar mais de 40 horas. Ninguém consegue. Desde o início, esses profissionais não foram testados, isolados e identificados”, lamenta.
O médico aponta, ainda, que a quantidade de infectados e mortos por covid-19 em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul resulta de escolhas na política de saúde. Hoje, a taxa de letalidade no Estado é de 1,6%, uma das mais baixas do País.
No entanto, mesmo com índice considerado baixo, Campo Grande, com 895,9 mil habitantes, conta com 152 mortes, enquanto o Paraguai, com 7,1 milhões de habitantes, 63 mortes. A Capital já contabiliza o dobro de infectados no país vizinho, 11.458 contra 5,8 mil.
“Existe uma grande diferença para o tratamento para uma mesma doença e ela só pode ser explicada pela postura e as escolhas das autoridades sanitárias. Em países mais ou menos desenvolvidos, a estratégia abrangia pessoas. Por aqui, mesmo com tempo para preparo, preferiu-se ignorar o risco e expor pessoas. Agora, essa exposição está virando morte”.
Ronaldo Costa aponta que o esgotamento dos recursos para tratamento intensivo, fundamentais na gestão da covid-19 demonstra que não existe mais estrutura de atendimento. E o que ele classifica como escolha, contudo, não é uma novidade na forma de lidar com emergências em saúde no Estado e em Campo Grande. “Usaram a mesma estratégia contra a dengue hemorrágica. Não testam. Fazem isso porque, depois, não existe prova científica de que a pessoa está contaminada”, explicou.
Mesmo após sucessivas epidemias de dengue e do alerta de abrangência mundial revelado pela H1N1, nenhuma estrutura foi montada para os cidadãos locais. “Permaneceram com a mesma estrutura da H1N1 até março deste ano. Já são 11 anos e nem município, Estado ou União se prepararam para um novo surto. Isso é um crime. As pessoas estão sendo assassinadas, não há nenhuma responsabilidade sanitária. Até agora não há definição para lockdown, não foram tomadas medidas de distanciamento físico para conter um vírus que é altamente patogênico. E quem não tem acesso à saúde está claramente em desvantagem. Há fazendeiros em isolamento há anos e, de lá, defendem que as pessoas saiam”.
Na avaliação do médico o pior está por vir. As mortes serão ainda mais comuns em decorrência da falta de leitos. “As pessoas estão morrendo sem ter chance de serem entubadas. Ainda assim, privatizaram os hospitais de Ponta Porã e Dourados. Também queriam privatizar o Hospital Regional em Campo Grande, mas isso não ocorreu por ser em plena pandemia”, adiantou.
O alerta reforça o aviso dado na semana passada pelo infectologista da UFMS e pesquisador da Fundação Osvaldo Cruz, Júlio Croda. Ele também avisou para o risco de colapso no sistema de saúde, que poderá causar mortes por covid-19 por falta de leitos em UTI para todos os pacientes.
O prefeito da Capital, Marquinhos Trad (PSD), rebate as teses alarmistas. “Se baseando na mesma planilha (de dados divulgados pela saúde), nós entendemos que estamos achatando a curva, inclusive com diminuição do número de óbitos, o que nos leva a entender que não é necessário o lockdown”, afirmou, em entrevista ao Correio do Estado na terça-feira.
Hoje, Marquinhos voltou a descartar a hipótese e justificou que o isolamento total só é eficiente se durar dois meses e quebraria a economia do município. “Especialistas falam que precisa de pelo menos 60 dias. Pelo que já foi visto no mundo, 14 dias não resolve, teria que ser 60 dias para achatar a curva, mas aí quebraria todo mundo”, destacou.
Em meio a pandemia, a maior da história em 100 anos e já considerada uma catástrofe humanitária, o campo-grandense revive o mesmo dilema enfrentado em outros lugares do mundo e do Brasil: o que é mais importante, a vida ou economia? Qual deve ser a nossa escolha?