O Brasil é o terceiro lugar mais perigoso do mundo para os defensores da terra e do ambiente, perdendo apenas para a Colômbia e as Filipinas, segundo relatório divulgado nesta quarta-feira (29) pela Organização Não-Governamental (ONG) Global Witness. Em 2019, foram assassinados 24 ativistas, quatro a mais que no ano anterior. Noventa por cento dessas mortes estão concentradas na região amazônica.
“Medo é uma realidade aqui. Mas não nos paralisa porque se a gente deixar o medo tomar conta, ele vence. Essa terra é do povo e vamos continuar a lutar”, afirma a missionária Jane Dwyer, que sucedeu Dorothy Stang, assassinada em 12 de de fevereiro de 2005, em Anapu. O município está localizado no Pará, um dos estados mais violentos do Brasil, com 8 dos 24 assassinatos. Irmã Doti, como era conhecida, foi assassinada por dois pistoleiros e seu corpo atravessado por seis tiros enquanto caminhava por uma estrada de terra do PDS Esperança, Projeto de Desenvolvimento Sustentável que ela criou para assentar famílias pobres da Transamazônica.
A Global Witness registrou 212 defensores assassinados e assim 2019 se tornou o ano com o maior número de mortes desde 2012, ano em que a ONG começou a publicar os dados. Em média, quatro defensores são mortos todas as semanas desde dezembro de 2015, mês em que o acordo climático de Paris foi assinado. As demais mortes no Brasil foram registradas no Amazonas (5), no Maranhão (4) e no Mato Grosso (2). Amapá, Mato Grosso do Sul, Bahia, Pernambuco e Rondônia registraram uma morte cada.
O relatório mostra ainda que mais de dois terços dos assassinatos no mundo ocorreram na América Latina, fazendo do continente o mais afetado no relatório da Global Witness. Somando os países da região amazônica, foram 33 mortes, com quase 90% delas concentradas no Brasil.
“Quem vive na Amazônia corre risco”, afirma Jean Bellini, coordenadora nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) . Segundo ela, os povos indígenas e as comunidades tradicionais da floresta vivem há gerações no meio da mata, na beira dos rios, com outro modelo de vida e de estrutura social. “Todos esses povos compartilham do uso comum do espaço e o agronegócio e os grileiros querem colocar essa terra no mercado. A Amazônia é a última fronteira da expansão do capital, por isso os povos sofrem tanta violência.”
Conflitos da madeira e mineração
A exploração madeireira tem sido a responsável pela aceleração de mortes no mundo. Desde 2018, houve um aumento de 85% nos ataques contra defensores que se opõem à indústria. No Brasil, foram quatro casos, sendo o assassinato do indígena Paulo Paulino Guajajara um dos mais emblemáticos e que chamou a atenção mundial. Paulino foi morto em novembro em um confronto com invasores na Terra Indígena Arariboia, na região de Bom Jesus das Selvas, no Maranhão. Mais quatro líderes comunitários de Guajajara foram mortos desde o assassinato de Paulo Paulino. Entre 2000 e 2018, 42 indígenas Guajajara foram assassinados no conflito em andamento com madeireiros ilegais, segundo o relatório.
Para a Global Witness, “os povos indígenas correm um risco desproporcional de represálias”, tornando-os mais vulneráveis. No ano passado, 40% das vítimas pertenciam a comunidades indígenas e, entre 2015 e 2019, mais de um terço de todos os ataques fatais foram direcionados aos povos originários. A ONG contabiliza dez indígenas assassinados no Brasil no ano passado.
Se a extração ilegal de madeira foi a responsável pelo maior aumento do número de mortes, a mineração representou o setor mais letal do mundo, com 50 defensores assassinados em 2019. Mais da metade dos assassinados pertenciam a comunidades na América Latina afetadas pela mineração. As Filipinas foram o país com mais assassinatos relacionados à mineração, com 16 mortos. No Brasil, foram três mortes, nos estados do Amapá, Bahia e Mato Grosso.
As mulheres assassinadas
Em todo o mundo, 27 dos 212 defensores assassinados em 2019 eram mulheres. De acordo com o relatório, as mulheres assumem os papéis dos cuidados da família, de tentar ganhar seu sustento e de trabalhar como ativistas, tornando-se, “muitas vezes a espinha dorsal de sua comunidade”. Para a Global Witness, “as mulheres que agem e se manifestam também podem enfrentar ameaças específicas de gênero, incluindo violência sexual. Se outros membros de sua família são defensores, eles também podem ser alvo”.
No Brasil, duas mulheres defensoras ambientais foram assassinadas em 2019. Rosane Santiago Silveira, na Bahia, em 29 de janeiro, foi encontrada morta em casa com pés e mãos amarradas, perfurações de facas e balas e um pano enrolado no pescoço, indicando o estrangulamento. Ela resistia à expansão do eucalipto em reserva ambiental na Bahia. A segunda vítima foi Dilma Ferreira da Silva, em 22 de março, no Pará. Coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, ela foi degolada e, assim como Rosane, também foi encontrada morta em sua casa, no assentamento Salvador Allende, zona rural de Baião.
Para Ben Leather, chefe de campanhas da Global Witness, os assassinatos representam o ponto mais nítido dos riscos que os ambientalistas enfrentam no Brasil, como ameaças, criminalização e ataques contra os parentes dos defensores. “As políticas do presidente Bolsonaro parecem priorizar os lucros a curto prazo dos ruralistas e das corporações internacionais, significando que os defensores se tornarão ainda mais importantes e precisarão do nosso apoio mais do que nunca”, afirma Leather.
Fonte: Amazônia Real