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Após Bolsonaro ameaçar ‘meter o dedo’ no setor elétrico, analistas lembram que ‘mão’ de Dilma encareceu conta

Depois de demitir o presidente da Petrobras por considerar “excessivos” os reajustes nos preços de combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro alertou no fim de semana que vai “meter o dedo” no setor elétrico.

“Assim como querem nos derrubar na pandemia pela economia — fechando tudo — agora resolveram atacar na energia. Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema”, afirmou, sem dar detalhes sobre o que pretende fazer.

A declaração reverbera ecos de 2012, quando o governo Dilma Rousseff (PT) tomou uma série de medidas para reduzir artificialmente o preço da energia elétrica e acabou gerando uma fatura de pelo menos R$ 161 bilhões que teve de ser paga pelos consumidores e pelos contribuintes em anos subsequentes.

No início de fevereiro, o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), André Pepitone, alertou que as tarifas de energia elétrica no país estão pressionadas diante do aumento da cotação do dólar (que impacta as tarifas da usina de Itaipu, que é binacional) e da baixa quantidade de chuvas na região das hidrelétricas, que leva ao acionamento de usinas térmicas (ou termoelétrica), que geram energia mais cara.

Nesse cenário, a agência reguladora calculava a necessidade de um reajuste médio de 13% nas contas de luz em 2021.

Para amortecer o impacto, a própria Aneel propôs uma solução: usar cerca de R$ 50 bilhões de Pis/Cofins que, por uma decisão do STF, precisarão ser devolvidos aos consumidores para abater das contas de luz.

Presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes

O crédito tributário é fruto de uma decisão de 2017 do Supremo que retirou o ICMS da base de cálculo do Pis/Cofins — o que foi cobrado a mais, portanto, precisaria ser ressarcido ao contribuinte.

A ideia da Aneel era descontar esse valor das contas progressivamente, pelos próximos 5 anos.

Bolsonaro, contudo, quer ir além. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o governo estuda proposta para destinar ainda R$ 20 bilhões a um fundo do setor, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para acelerar a redução das tarifas nos primeiros anos, de olho na disputa pela reeleição.

“Toda vez que o governo tenta intervir no preço, acaba-se pagando caro mais tarde. Não existe essa possibilidade de segurar a questão de oferta e demanda, o preço do dólar”, diz a economista Elena Landau, ex-diretora do BNDES durante o governo Fernando Henrique Cardoso e uma das vozes contrárias à Medida Provisória 579, aprovada em 2012, que baixou as tarifas no governo Dilma.

Redução das tarifas e crise no setor elétrico

Usina de Itaipu

Os recursos da CDE são usados para diferentes fins, entre eles para subsidiar as contas de energia de famílias de baixa renda ou de quem vive em regiões mais isoladas do país.

A receita do fundo vem principalmente dos consumidores, que pagam um valor embutido nas contas de luz. Aqueles que estão nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste desembolsam proporcionalmente mais, sob a lógica do subsídio cruzado.

Em 2013 e 2014, a cobrança da CDE nas tarifas aos consumidores foi reduzida — o que permitiu a diminuição das contas de luz em média de 20%. Para compensar as perdas, o fundo recebeu aportes de R$ 20,3 bilhões do Tesouro — R$ 8,5 bilhões em 2013 e R$ 11,8 bilhões em 2014, conforme os dados da Aneel.

Em paralelo à redução nas contas de energia, a conjuntura hidrológica do país se deteriorou, reduzindo os níveis dos reservatórios das hidrelétricas e ajudando a elevar os custos de produção. Como resultado, as empresas do setor passaram a ter sérios problemas de caixa.

Em vez de repassar o aumento de custos para as contas de luz naquele momento, entretanto, o governo decidiu acionar novamente o CDE, desta vez para compensar as distribuidoras pelas perdas (decreto 7.945/2013). A fatura chegaria depois para os consumidores, que tiveram de pagar R$ 11,3 bilhões, valor já corrigido pela inflação, por cinco anos a partir de 2015.

Landau avalia que, em termos práticos, o governo assumiu um empréstimo em nome do consumidor sem lhe dar uma alternativa — a opção de reduzir o consumo para contornar o aumento do custo de produção, por exemplo.

Com “uma boa política de demanda”, ela acrescenta, o governo poderia ter bonificado aqueles que consumissem menos. Ao reduzir o preço da energia naquele momento, contudo, o efeito foi o contrário, o que aprofundou a crise.

Fantasmas do passado

A diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV-CERI), Joísa Campanher Dutra, chama atenção para a semelhança entre os aportes feitos pelo Tesouro na CDE em 2013 e 2014 e as medidas que vêm sendo estudadas pelo governo para baixar as contas de luz.

Gráfico que mostra evolução dos subsídios

“A gente tem que olhar com muito cuidado para o que foi a experiência recente, da MP 579. 2012 traz importantes lições para o que a gente está vivendo agora”, diz ela.

Para Dutra, que foi diretora da Aneel entre 2005 e 2009, diante da capacidade restrita do governo de gastar, a prioridade neste momento deveria ser a discussão da extensão do auxílio emergencial.

“A situação fiscal do país é severa, e a gente tem prioridades.”

Seja a devolução do crédito tributário de Pis/Cofins na forma de desconto nas contas de energia ou o aporte ao CDE pra reduzir a tarifa, destaca a especialista, a fonte de recursos é a mesma: o Tesouro Nacional, que financia as demais políticas públicas.

Para ela, o saldo da MP 579 traz uma “lição clara” de que, “sem medidas de ganho de eficiência de caráter sustentável [na geração, transmissão e distribuição de energia], qualquer redução [de preço] pode ser facilmente desfeita”.

“Vai ser uma mera distribuição entre grupos da sociedade, que pode ainda ser regressiva, ou seja, impactar mais quem tem renda mais baixa.”

O saldo da MP 579: R$ 161 bilhões

Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fala em evento

A intervenção da gestão Dilma na área de energia foi além da CDE e mudou uma série de regras do setor que contribuíram para o desajuste que aconteceria nos anos seguintes.

O governo implementou as medidas quando negociava a prorrogação de concessões de geração, transmissão e distribuição de energia que venceriam entre 2012 e 2017. Naquela época, havia um volume grande de concessões próximas ao vencimento, um cenário que não se repete atualmente.

Conforme os cálculos da Aneel apresentados à Comissão de Minas e Energia da Câmara pelo diretor-geral da agência, André Pepitone, em abril de 2019, a MP 579 criou despesas adicionais da ordem de R$ 161 bilhões, sendo R$ 125 bilhões cobrados diretamente dos consumidores e o restante ressarcido pelo Tesouro.

Uma dessas rubricas, que tem reflexo nas contas até hoje, é a questão da indenização das transmissoras pelos ativos que ainda não haviam sido amortizados e depreciados na época da prorrogação.

Como as tarifas passariam a cobrar apenas os custos de produção, algumas empresas tinham de ser ressarcidas pelos investimentos já feitos e que não seriam mais cobertos pelas contas de energia.

A medida provisória — convertida na Lei 12.783 — , entretanto, foi pouco clara em relação a como seriam calculadas essas indenizações e gerou uma instabilidade que só seria sanada em 2017, cinco anos depois, quando a Aneel finalmente definiu a regra para a cobrança.

O valor, já com correção monetária, foi fixado em R$ 62,2 bilhões, que serão pagos pelos consumidores no decorrer de oito anos, até 2025.

Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Eletrobras, acredita que o governo pode intervir para proteger os interesses do consumidor quando este é onerado, mas que é preciso “sentar, refletir e procurar soluções”.

“Cabe ao Estado garantir o suprimento de energia”, afirma.

Elena Landau ressalta a dificuldade de blindar as estatais de interferências políticas com viés eleitoral e lembra que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) chegou a punir a União por conflito de interesses na administração da Eletrobras na esteira da MP 579.

Em 2015, a autarquia entendeu que a União, acionista majoritária da estatal, atuou contra os interesses financeiros da própria empresa ao votar pela adesão à proposta de prorrogação da concessão nos moldes propostos pelo governo, o que lhe traria prejuízos.

A multa de R$ 500 mil não chegou a ser aplicada porque, dois anos depois, em 2017, a decisão foi revertida pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o “conselhinho”.

No pregão de segunda-feira (22/02), na sequência dos comentários feitos por Bolsonaro, as ações das estatais tiveram forte queda na bolsa. A Petrobras, que passa a ser chefiada por um general, perdeu mais de 20% do valor. A Eletrobras, que chegou a ver a cotação cair mais de 10%, fechou o pregão em baixa de 0,69%.

Fonte: BBC

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