A queimada acima foi vista durante um sobrevoo particular, realizado pela agência Amazônia Real, nos limites da Floresta Nacional do Jacundá, em Rondônia
Manaus (AM) e Rio Branco (AC) – No dia 19 de agosto completará um ano em que o Brasil viu, assustado, uma enorme fumaça das queimadas da Floresta Amazônica pairar pela atmosfera de São Paulo. Em 2019, o monitoramento por satélite realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 89.176 focos ativos de calor no bioma. Cobrado internacionalmente para impedir o avanço da destruição da floresta, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), autorizou o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Os militares combateram 1.835 focos de incêndios na Amazônia numa operação que custou aos cofres públicos R$ 123,3 milhões. A GLO foi prorrogada por Bolsonaro até 6 de novembro de 2020, mas os principais responsáveis pelo fogo – os fazendeiros do agronegócio, os grileiros, os garimpeiros e madeireiros ilegais -, continuam impunes, queimando a floresta sob o aval do Ministério do Meio Ambiente, chefiado pelo ministro Ricardo Salles.
Coincidentemente, o aumento das queimadas na Amazônia neste ano, aconteceu na mesma semana em que Bolsonaro decretou a proibição da queima de floresta para a agropecuária por 120 dias. A medida não fala em punição para quem desobedecer a ordem. O decreto 10.420 foi publicado no dia 16 de julho de 2020 no Diário Oficial da União.
A chamada “temporada do fogo” ou “temporada de queimadas” começa a ficar mais intensa no mês de agosto, que é quando a região amazônica está na estação da seca e acontece a vazante dos rios ou descida das águas. São os meses com diminuição de chuva na região ou estiagem, potencializando as queimadas e os incêndios florestais, a maioria deles provocado por produtores rurais e invasores de terras públicas.
De 1º de janeiro a 8 de agosto deste ano, o Inpe detectou 34.393 focos de queimadas na Amazônia, um aumento de 1% em relação ao mesmo período de 2019, que foi de 33.999 focos neste período. Mas quando são comparados os índices de queimadas nestes períodos por estados da região, é possível identificar a dimensão do alcance das queimadas. O Pará teve alta de 73%; o Amazonas, de 48% e o Mato Grosso e o Maranhão, de 8%, cada.
Frente a um cenário que aponta um crescimento das queimadas em agosto e no próximo mês de setembro, o coordenador de monitoramento de queimadas do Inpe, pesquisador Alberto Setzer, alerta que o período de queimadas na Amazônia está apenas começando. Para ele, pode ocorrer um evolução dos focos se as autoridades públicas não tomarem medidas de diminuição do fogo.
“O maior número de detecções de queimadas ocorre em agosto, setembro e outubro. Estamos ainda numa situação muito antes do que se possa vir a acontecer. De 70% a 80% de tudo que vai queimar está pela frente. Ainda não sabemos o que pode acontecer. Não sabemos como a situação vai evoluir”, disse o especialista à Amazônia Real.
No início da semana passada, o Inpe identificou nuvens de até 100 quilômetros de extensão em áreas dos municípios de Altamira e Jacareacanga, no Pará, ao longo da BR-163. “Para se gerar uma nuvem de fumaça tão densa, não é apenas uma queimada de pastagem ou uma roça. Tem que ser de muita matéria orgânica e floresta”, explicou Setzer.
Outro município do Pará crítico durante o período das queimadas – Novo Progresso – já apresenta grandes focos neste período. No temporada do fogo de 2019, a região ficou conhecida internacionalmente quando fazendeiros e madeireiros organizaram, em dia 10 de agosto, o Dia do Fogo. Um ano depois, ninguém foi preso por atear combustível nas florestas.
“Está ocorrendo uma extensa queimada e um grande desmate no sul do Pará, na região de Novo Progresso. Os números são grandes e vistos por satélites que estão muito distantes, que só pegam situações mais intensas. Isso mostra que é um evento muito grande”, destacou Alberto Setzer sobre o que acontece neste mês de agosto na região.
Na última sexta-feira (7), a agência Amazônia Real realizou, pela primeira vez em sete anos de atividades, um sobrevoo particular em áreas de desmatamentos em queimadas na região amazônica. Em Rondônia, nos limites da Floresta Nacional do Jacundá, a meia hora de voo de Porto Velho, o fotógrafo Bruno Kelly registrou o fogo em áreas de desmates. Em 2019, o Exército montou a base da Operação Verde Brasil junto a uma estrutura da empresa Madeflona que tem a concessão florestal na Flona de Jacundá. Veja o vídeo:
Alerta no desmatamento
O aumento das queimadas na Amazônia este ano tem como resultado a alta de 33% nos níveis do desmatamento da floresta no acumulado de 12 meses entre agosto de 2019 a julho de 2020 – é o pior índice em cinco anos, segundo os dados do Prodes, projeto de monitoramento do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal do Inpe.
As chances de o fogo colocado em áreas agrícolas ou recém-desmatadas sair do controle e entrar na floresta são altas por conta dos dias prolongados sem chuvas, das temperaturas elevadas e da baixa umidade relativa do ar.
Levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aponta que no ano passado, o fogo na vegetação derrubada havia pouco tempo representou 34% do total de focos registrados. O número é próximo do detectado para fins de agricultura e pecuária: 36%.
Em 2019, Roraima foi o estado com a maior quantidade de floresta recém-desmatada que queimou e também de floresta nativa incendiada.
Segundo Ane Alencar, pesquisadora do Ipam e especialista na dinâmica do fogo, ainda não é possível medir o quanto das queimadas de 2020 ocorreram em áreas de novos desmatamentos. Ela diz que, a maioria das queimas este ano é em áreas abertas, usadas para agricultura ou criação de animais. Uma das constatações do estudo coordenado por ela é a incidência de fogo em médias e grandes propriedades.
“Este ano temos uma proporção de queimadas mais em áreas abertas porque ainda não começou a temporada do fogo. O que nos surpreendeu é que grande parte, 70% de todo o fogo que ocorreu [até junho] em imóveis rurais, e neste montante a grande maioria em imóveis rurais acima de quatro módulos fiscais. Isso significa que a maior parte do fogo registrado nos seis primeiros meses do ano foi em médias e grandes propriedades”, diz Ane Alencar.
A partir de agosto, diz a especialistas, a tendência é de se observar o aumento nos casos de queimadas em florestas recentemente desmatadas. “O desmatamento que vai alimentar a estação do fogo esse ano ele já aconteceu. Se o governo conseguiu reduzir alguma coisa conseguiu reduzir muito tarde. Essa redução tinha de ocorrer desde o fim do ano passado”, afirma Ane Alencar.
A resistência de Salles
Para frear os desmatamentos e as queimadas, o governo Bolsonaro anunciou um investimento da segunda fase da Operação Verde Brasil 2 de R$ 130 milhões. O esforço vai de encontro na resistência do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em realizar ações que aumentem os investimentos em órgãos essenciais de fiscalização como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O jornal O Estado de S. Paulo divulgou um documento em que Salles sugeriu ao Ministério da Economia acabar com a meta de redução de 90% do desmatamento e incêndios ilegais em todo o país entre 2020 e 2023, conforme o estabelecido no Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios nos Biomas no Plano Plurianual (PPSA) da União entre os anos 2020 a 2023 no país. O ministro questiona que a meta foi incluída no PPA por emenda parlamentar. “Não se definiu indicador para o Programa, sendo os campos referentes ao indicar e demais atributos no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal (SIOP) continuam sem preenchimento”, diz o documento, que a agência Amazônia Real também teve acesso.
Na proposta, o ministro sugeriu “conservar 390 mil hectares de floresta nativa no bioma amazônica por meio do Projeto FLORESTA + Amazônia”, diz o documento. No entanto, a brecha encontrada por Salles foi rejeitada pela área técnica do Ministério da Economia (ME). Em Nota Técnica, o ME alegou que “a proposta encaminhada (pelo MMA) não está adequada ao que almeja para as metas do PPA, tendo em vista que, ao nosso ver, não enfrenta, com a abrangência e grau de efetividade necessários, a causa do problema”.
“Considerando que a Amazônia brasileira tem cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, e que o Programa Floresta+ é um Projeto Piloto para pagamentos de serviços florestais, tem-se que a meta proposta para o combate ao desmatamento e incêndio florestal no país objetiva proteger 0,07% da cobertura florestal amazônica com um projeto piloto de pagamento de serviços ambientais da floresta. Dessa maneira, acreditamos que o Programa Floresta+ é relevante, porém insuficiente”, diz outro trecho da Nota Técnica do ME.
“A despeito disso [da nova meta], recomenda-se aguardar o momento de revisão dos atributos da Lei do PPA, que está previsto para ocorrer a partir de meados de agosto de 2020”, concluiu o Ministério da Economia.
Em vez de investir nos equipamentos de fiscalização do Ibama e do ICMBio, o governo Bolsonaro repassou às Forças Armadas este ano R$ 7,5 milhões para a segunda fase da Operação Verde Brasil 2, conforme informações da da assessoria de imprensa do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, também coordenador do Conselho da Amazônia e da operação.
A ostensiva presença de militares na Amazônia é questionada por ambientalistas e fiscais ambientais. À reportagem, um servidor do Ibama, que pediu sigilo no nome, disse que o pior está por vir. “A fiscalização como está sendo feita, sob comando militar, não vai funcionar. Não acredito num formato em que o menos qualificado não gosta de receber orientações do mais qualificado para lidar com delitos ambientais”, disse.
Carlos Durigan, diretor da ong conservacionista WCS Brasil (sigla de Wildlife Conservation Society), duvida da eficiência da operação de combate às queimadas e desmatamento coordenada pelo Exército e aponta a fragilização de órgãos ambientais, como Ibama, ICMBio, além da Fundação Nacional do Índio (Funai), no caso das terras indígenas. Para Durigan, o que vem acontecendo é uma inversão de papeis na qual as Forças Armadas exercem uma função de combate a ilícitos ambientais para a qual não têm expertise ou experiência.
“Isso é meio ideológico. Perde-se a qualidade e isso acaba refletindo nesse aumento exacerbado das queimadas. Tem essa inversão de papéis que está causando uma série de empecilhos na hora de implementar as ações na região”, afirmou Durigan. (Colaborou Luciana Oliveira, de Rondônia)
Elaíze Farias e Fábio Pontes, da Amazônia Real
Fonte: Amazonia Real