Entre as pessoas que participaram do estudo, uma mulher parecer ter se curado sem tratamento com remédios ou transplante de medula. Segundo o jornal The New York Times, a paciente seria Loreen Willenberg, de 66 anos. Ela já era famosa entre os pesquisadores porque seu corpo suprimiu o vírus por décadas após ela ter sido infectada.
A maioria dos soropositivos precisa ingerir diariamente um coquetel de medicamentos antirretrovirais para controlar o vírus. Esse tratamento precisa ser mantido continuamente por causa da natureza do HIV e de como ele se replica.
Quando entra no corpo, o HIV insere cópias de seu material genético no DNA das células, penetrando de forma eficaz no organismo do infectado.
Estes reservatórios de HIV permanecem incrustados mesmo com a ingestão antirretrovirais e, se o paciente interromper o tratamento, cópias inteiras do vírus – denominadas genomas virais intactos – podem proliferar, trazendo a doença de volta.
Mas em uma pequena parte de soropositivos — menos de 0,5% — que consegue controlar o vírus sem antirretrovirais, estes chamados reservatórios de HIV não parecem se comportar da mesma forma.
Para explicar este fenômeno, uma equipe de cientistas sequenciou bilhões de células tiradas de 64 “controladores de elite” que vivem com o vírus sem tratamento, e 41 soropositivos que usam antirretrovirais.
Eles encontraram um número menor de cópias do genoma do HIV nos “controladores de elite”, mas uma proporção maior das cópias eram da forma geneticamente intacta, sujeita a proliferar.
“Desertos de genes”
Mas o que parece importar não é a presença dos genomas virais intactos, mas sua localização, explicou Xu Yu, professora associada de medicina da Escola Médica de Harvard, que conduziu o estudo.
“Nós descobrimos que em controladores de elite, o HIV é frequentemente encontrado em áreas do genoma humano que os cientistas chamam de ‘desertos de genes'”, disse ela à AFP.
“Nestas partes inativas do genoma humano, o DNA humano nunca é ativado e portanto o HIV permanece em um estado ‘bloqueado'”, acrescentou.
As descobertas podem mudar o pensamento a respeito da abordagem na busca de uma cura para o HIV, com o qual estima-se que 38 milhões de pessoas viviam em 2019.
No passado, presumia-se que se genomas intactos de HIV estivessem presentes, então um paciente ainda poderia adoecer.
Mas o sequenciamento revelou que mesmo com os genomas intactos, os “controladores de elite” permanecem saudáveis porque o vírus está situado longe de áreas onde o vírus é mais propenso a se tornar ativo e replicar.
A descoberta “nos oferece um esquema de como se parece a cura funcional do HIV”, disse Yu.
“Nós não precisamos nos livrar de todas as sequências intactas do HIV em seus genomas, só precisamos mirar naqueles vírus que estão situados em partes ativas do genoma humano”, acrescentou.
“As sequências remanescentes não parecem provocar doenças e parece que podem ser amplamente ignoradas”.
Cura natural do HIV?
O estudo também revelou uma surpresa: um “controlador de elite” parece não ter nenhum HIV intacto.
Os cientistas sequenciaram 1,5 bilhão de células deste indivíduo, buscando cuidadosamente por refúgios escondidos, mas não encontraram nenhum.
A equipe sugere, com cautela, que isto pode significar que o paciente de fato se curou.
Yu admitiu que a sugestão é “provocativa”, em vista da compreensão atual sobre o vírus.
Apenas dois pacientes, que tinham sido submetidos a transplantes de medula para tratar um câncer que aparentemente os livrou do vírus, são considerados curados.
No mês passado, cientistas reportaram o caso de um brasileiro soropositivo que, depois de um fazer um tratamento pesado com medicamentos antirretrovirais, passou mais de um ano sem ingerir remédios contra o HIV e se manteve soronegativo, sem fazer trasplante de médula óssea.
Também são conhecidas várias remissões prolongadas no mundo, mas não são consideradas curas.
Yu disse que sua equipe agora vai buscar mais “controladores de elite” que podem ter conseguido se curar sem tratamento.
Se forem encontrados, estes indivíduos podem levar a um entendimento do HIV “como uma doença que pode ser naturalmente curada em raras ocasiões”.