Operação inédita no Distrito Federal separou irmãs siamesas em 27 de abril do ano passado. Camila Vieira fala sobre ‘gratidão’ pela mudança de vida das meninas.
Lis e Mel um ano depois da cirurgia que separou as gêmeas siamesas — Foto: Acervo pessoal
Nesta segunda-feira (27), a família das gêmeas Lis e Mel tem motivos para comemorar: é quando completa um ano da cirurgia que separou as irmãs siamesas, que nasceram unidas pela cabeça. A operação, inédita no Distrito Federal, foi feita em um hospital público e durou cerca de 20 horas.
Ao G1 a mãe das meninas, Camila Vieira, de 26 anos, contou que os meses após a cirurgia foram “muito gratificantes e de aprendizados”. “Ainda ficamos seis meses, no pós-operatório, indo com frequência ao hospital. Mas elas receberam alta em praticamente todos os acompanhamentos que faziam, graças a Deus”, disse.
Perto do aniversário de dois anos das filhas – comemorado no próximo dia 1º de junho – Camila conta que “Lis e Mel estão se desenvolvendo super bem dentro da idade delas”.
“Estão ótimas, não têm nenhuma sequela e seguem com uma saúde maravilhosa.”
Camila diz ainda que, no início do ano, as filhas começaram a frequentar a escola. “Fazem natação duas vezes na semana e escola precoce também duas vezes na semana.”
Mel e Lis nasceram com parte do cabeça ligada. Bebês passaram por cirurgia inédita no DF — Foto: Acervo Pessoal
Segundo a mãe das gêmeas, Mel sempre foi mais alegre, risonha, simpática e também “arisca”, brinca. “Essas são características marcantes nela. Ainda sim ela é muito reservada, nervosa e agitada”.
A irmã, Lis, é delicada, carinhosa, amorosa e meiga, segundo a mãe. “Às vezes mais fechada. De início ela é mais tímida, mas é mais fácil de ser conquistada. Porém, mesmo assim, tem traços marcantes quando está nervosa ou chateada”, afirma Camila.
“Ao mesmo tempo que elas são opostas, se completam sendo muito parecidas em algumas características. Tudo depende muito do dia e do humor delas.”
Quando perguntada sobre o que a deixa mais feliz ao ver o desenvolvimento das filhas depois da cirurgia, Camila diz que é “ver a liberdade” que cada uma tem agora que estão separadas. “Pois quando unidas, às vezes, uma queria brincar e a outra dormir”, afirma a mãe.
A cirurgia
Cirurgia de separação das gêmeas no Hospital da Criança — Foto: Humberto Sousa/Divulgação
Mais de 50 profissionais participaram da cirurgia no Hospital da Criança de Brasília José de Alencar. Foi o primeiro procedimento do tipo no Distrito Federal, o terceiro no Brasil e o décimo no mundo.
A operação foi feita quando as gêmeas completaram 10 meses de vida, depois de uma “longa e detalhada” programação da equipe médica. O procedimento foi dividido em 36 etapas, e começou às 6h30 do dia 27 de abril e só terminou às 2h30 do dia seguinte.
A separação das gêmeas emocionou os médicos e a equipe. Parte do grupo acompanhava Lis e Mel desde a gestação.
Segundo o neurocirurgião pediátrico, Benício Oton de Lima, a cirurgia das gêmeas foi emocionante e todo trabalho começou muito antes do dia 27 de abril de 2019.
“Começou ainda na gravidez da Camila, e nessa época eu pensava muito na parte técnica da coisa. Mas tudo foi se construindo de um jeito muito especial. Tudo que a gente precisou para essa cirurgia foi acontecendo. Todas as pessoas com quem eu conversei, ajudaram”, disse o médico.
O neurocirurgião conseguiu ajuda de outros hospitais e “em especial” do médico norte-americano James Goodrich, que orientou a cirurgia de separação de Mel e Lis (veja mais abaixo). Ele era neurocirurgião e fazia parte de uma equipe especializada em cirurgias para separar siameses, sobretudo, craniópagos – unidos pela cabeça.
De acordo com o médico, a equipe de saúde ficou tão envolvida com a história das meninas, que mesmo depois que a cirurgia tinha acabado ninguém queria ir embora. “Estava todo mundo tão feliz, tinha sido um processo tão emocionante, que queríamos ficar lá ainda, vendo as meninas na UTI”, afirma.
“O momento mais emocionante foi quando fomos falar com os pais da Lis e da Mel com um sorrisão, de ver que deu certo.”
James Goodrich
Neurocirurgião James Goodrich ao lado do coordenador da cirugia das gêmeas, Benício Oton — Foto: Benício Oton/Arquivo Pessoal
O médico norte-americano, que orientou a cirurgia de separação das gêmeas Lis e Mel, foi vítima do novo coronavírus e morreu no dia 29 de março por Covid-19. Ele estava internado em um hospital em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Segundo o médico Benício Oton, James estava em “estado grave” e sedado no hospital. Ele passou os últimos dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e respirava por aparelhos.
“De todo esse processo da cirurgia das gêmeas, essa foi a única parte que me entristece. A morte dele é uma perda para a medicina”, contou Benício Oton.
Segundo Camila Vieira, James Goodrich era “um ser humano incrível”. “Hoje e sempre meu coração é só gratidão e amor a todo conhecimento repassado por ele para a separação das minhas meninas.”