Pela primeira vez, um medicamento se mostrou capaz, em experimentos com voluntários, de desacelerar a destruição do cérebro pela doença de Alzheimer.
O sucesso da pesquisa, divulgada no final de novembro na revista científica New England Journal of Medicine, encerra décadas de fracassos em tratamentos experimentais contra o Alzheimer, a forma mais comum de demência.
No entanto, o medicamento, o lecanemab, ainda mostrou algumas limitações: seu efeito foi moderado e trouxe alguns riscos. Exames de imagem mostraram a ocorrência de hemorragias cerebrais em 17% dos participantes e de inchaço cerebral em 13%. Entre os voluntários, 7% tiveram que deixar os testes devido a efeitos colaterais.
O lecanemab ataca a gosma pegajosa que se acumula no cérebro de pessoas com Alzheimer, a chamada beta-amiloide. A droga funciona nos estágios iniciais da doença, então boa parte das pessoas não se beneficiaria com ela, já que é frequente que a condição só seja investigada após a aparição de sinais — muitas vezes, em estágios relativamente avançados.
O centro de pesquisa britânico Alzheimer’s Research UK afirmou que os resultados são “importantes”.
Um dos primeiros pesquisadores do mundo a propor tratamentos que atinjam a amiloide, há mais de 30 anos, o professor John Hardy avaliou que o experimento é “histórico” e mostra que “estamos vendo o início de tratamentos contra o Alzheimer”.
A professora Tara Spires-Jones, da Universidade de Edimburgo, afirmou que os resultados são “importantes porque tivemos uma taxa de falha de 100% por muito tempo”.
Atualmente, pessoas com Alzheimer recebem medicamentos para controlar seus sintomas, mas nenhum muda o curso da doença diretamente.
O lecanemab é um anticorpo — como aqueles que o corpo produz para atacar vírus ou bactérias — projetado para mandar o sistema imunológico limpar a amiloide do cérebro.
A amiloide é uma proteína que se aglomera nos espaços entre os neurônios no cérebro e forma placas bastante características da doença de Alzheimer.
O estudo em larga escala envolveu 1.795 voluntários em estágio inicial da doença de Alzheimer. Infusões de lecanemab foram administradas quinzenalmente.
Os resultados, apresentados na conferência Clinical Trials on Alzheimer’s Disease em São Francisco, Estados Unidos, não revelam uma cura milagrosa. A doença continuou a deteriorar as funções cerebrais das pessoas, mas esse declínio foi retardado em cerca de um quarto ao longo dos 18 meses de tratamento.
Os dados já estão sendo avaliados por órgãos reguladores dos EUA, que em breve decidirão se o lecanemab pode ser aprovado para uso mais amplo. Os desenvolvedores da droga, as empresas farmacêuticas Eisai e Biogen, planejam solicitar essa permissão no próximo ano em outros países.
David Essam, que tem 78 anos e é de Kent, no Reino Unido, participou dos ensaios clínicos.
A doença o obrigou a abrir mão do trabalho como marceneiro — ele não se lembrava mais de como usar suas ferramentas ou construir um armário. Ele agora usa um relógio digital, pois não consegue ver as horas usando um relógio analógico.
“Se alguém puder desacelerar [o Alzheimer] e, eventualmente, pará-lo de uma vez, seria brilhante. É simplesmente uma coisa horrível”, diz David, referindo-se à doença.
Sua esposa, Cheryl, lamenta mudanças já muito perceptíveis no marido, mas afirma que a participação nos ensaios clínicos trouxe esperança à família.
“Ele não é o homem que já foi. Ele precisa ajuda com a maioria das coisas e, em geral, sua memória quase não existe mais”, diz a esposa.
Existem mais de 55 milhões de pessoas no mundo como David e o número de pessoas com a doença de Alzheimer deve passar de 139 milhões até 2050, segundo projeções.
Limitações
Há um debate entre cientistas e médicos sobre o impacto do lecanemab no “mundo real”.
Os melhores resultados foram encontrados nas avaliações individuais de sintomas. Trata-se de uma escala de 18 pontos, variando de normal à demência grave. Aqueles que receberam o medicamento tiveram 0,45 ponto a mais.
A professora Tara Spires-Jones disse que foi observado um “pequeno efeito” da droga na doença, mas “mesmo que não seja algo tão impactante, eu aceitaria”.
Susan Kohlhaas, do Alzheimer’s Research UK, disse que foi um “efeito modesto, mas que nos dá um pouco de chão”. Para ela, a próxima geração de medicamentos contra o Alzheimer deve ser melhor.
Uma questão crucial é o que acontecerá após os 18 meses do experimento, e as respostas ainda são especulações.
A médica Elizabeth Coulthard, que trata pacientes na rede pública de Bristol, diz que as pessoas têm, em média, seis anos de vida independente desde que o comprometimento cognitivo leve começa.
Se o declínio for reduzido em um quarto, como observado nos ensaios clínicos, isso daria mais 19 meses de vida independente — mas, por enquanto, isso é apenas uma suposição, diz ela.
É até cientificamente plausível que a eficácia possa ser maior em ensaios mais longos.
O surgimento de medicamentos que alteram o curso da doença levanta grandes questões sobre se os serviços de saúde estariam prontos para usá-los.
As drogas devem ser administradas no início da doença, antes que ocorram muitos danos ao cérebro, mas um percentual muito pequeno de pessoas faz exames precoces para detectar o Alzheimer.
“Há um enorme abismo entre o atendimento prestado hoje e o que precisamos fazer para oferecer tratamentos que alteram o curso da doença”, diz Coulthard.
Alguns cientistas também enfatizaram que a amiloide é apenas uma peça do complexo quadro da doença de Alzheimer e não deveria ser o único foco das terapias.
O sistema imunológico e processos inflamatórios estão fortemente envolvidos na doença, além de outra proteína tóxica, chamada tau — encontrada onde as células cerebrais estão realmente morrendo.
“É onde eu apostaria meu dinheiro”, opina Spires-Jones. “Estou muito animada por estarmos prestes a entender suficientemente o problema. Devemos ter algo [tratamento] que fará uma diferença maior em uma década ou mais.”
Este texto foi publicado em BBC News