País parece ter disseminação limitada da Covid-19, apesar da proximidade com a China, grande densidade demográfica e alto número de idosos. A experiência japonesa pode servir de lição ao resto do mundo.
“Hanami, o contemplar das flores, é a coisa mais importante no ano para nós, japoneses”, diz um animado funcionário do parque Ueno, em Tóquio.
O contraste com a Europa não poderia ser maior. O Japão tem apenas dez focos de Covid-19, registrando nesta terça-feira (24) 42 mortos e 1.166 infecções confirmadas. Apenas algumas dezenas de novos contágios são adicionados diariamente às estatísticas.
Na verdade, esses números tinham tudo para explodir. Afinal, o país tem alta densidade demográfica, possui a maior proporção de idosos do mundo e um contato muito próximo com a vizinha China. Em janeiro, 925 mil chineses chegaram ao Japão, e em fevereiro, 89 mil.
No entanto, o governo demorou a tomar medidas mais rígidas. O primeiro-ministro Shinzo Abe fechou as escolas duas semanas antes das férias, e todos os eventos foram cancelados. Mas lojas e restaurantes permaneceram abertos, e não foram muitos os japoneses que começaram a trabalhar de casa.
Desconfiança do governo?
As estatísticas sobre a disseminação da Covid-19 inicialmente levantaram suspeitas de que a verdade estava sendo varrida para debaixo do tapete.
“Na época do desastre nuclear em Fukushima, o governo primeiramente não quis admitir o derretimento dos reatores. Isso fez com que haja atualmente muita desconfiança em relação às declarações oficiais”, diz a socióloga Barbara Holthus, do Instituto Alemão de Estudos Japoneses, em Tóquio.
Apesar de ter capacidade para 6 mil testes por dia, o Japão fez apenas 14 mil exames, 20 vezes menos do que na Coreia do Sul, que foi duramente atingida pela pandemia.
“Apenas os pacientes com os sintomas mais severos são testados”, informa o virologista Masahiro Kami, do Medical Governance Research Institute. “O número de casos não registrados é, portanto, muito alto“, avalia. O cientista político Koichi Nakano acusa o governo japonês. “O primeiro-ministro Shinzo Abe quer retratar o Japão como um país seguro”, diz.
Tais críticas são rejeitadas pela equipe de especialistas que assessora o Ministério da Saúde japonês. Em vez de realizar testes em âmbito nacional, a tática consiste em buscar onde existe acúmulo de infecções. Por exemplo, quando a doença foi detectada em uma escola primária, a ilha de Hokkaido, no norte do país, fechou todas as escolas e declarou estado de emergência. Após três semanas, o vírus parou de se espalhar.
“O pequeno número de testes deve garantir que os recursos sanitários permaneçam disponíveis para casos mais graves”, analisa o cientista político alemão Sebastian Maslow, da Universidade de Tóquio.
Sem apertos de mão
Especialistas em Japão destacam outras características especiais: por um lado, o hábito de curvar-se para cumprimentar pessoas reduz o risco de infecção. Não há apertos de mão nem beijos no rosto. Por outro, desde a primeira infância, a população se atém, de maneira disciplinada, a regras básicas de higiene.
“Lavar as mãos, fazer gargarejos com solução desinfetante e usar máscaras fazem parte de nossa vida cotidiana. Para isso, não precisamos de coronavírus”, relata uma japonesa, mãe de duas crianças.
Por isso que foi fácil para a sociedade se adaptar à nova realidade a partir de fevereiro. Desde então, desinfetantes para as mãos estão disponíveis em todas as lojas e entradas de empresas. Usar máscaras tornou-se uma obrigação civil.
Mesmo antes do novo coronavírus, os japoneses consumiam 5,5 bilhões de máscaras por ano, uma média de 43 por pessoa. Essa cifra saltou tanto durante a pandemia que as lojas ficaram sem estoque de máscaras. Novas remessas passaram a ser vendidas de forma racionada. Antes da abertura do comércio, as pessoas já esperavam pacientemente formando fila na porta das lojas. Muitos estabelecimentos passaram a oferecer pedaços de tecido e filtros de café com instruções para que os clientes fizessem suas próprias máscaras.
“Os japoneses aparentemente entenderam rapidamente que é uma infecção pode permanecer sem sintomas”, afirma o executivo alemão Michael Paume, radicado no Japão. “Então, colocam a máscara para proteger os outros, a fim de não transmitir vírus.”
“Máscara reduz risco de contágio”
O uso em massa parece desacelerar os vírus. É o que indica a queda acentuada no número de pacientes com gripe nas sete semanas posteriores ao surgimento do vírus Sars-CoV-2.
“As máscaras reduzem a transmissão de gotículas com material viral pelos seus portadores”, constatam agora também cinco médicos ocidentais em um estudo, entre eles, Fabian Svara, do instituto de pesquisa Caesar, de Bonn, na Alemanha, e Matthias Samwald, da Universidade de Medicina de Viena.
Além do distanciamento social e da lavagem das mãos, o protetor para a boca pode desempenhar um papel importante na redução do contágio, segundo os cinco especialistas. Eles avaliam que o baixo número de infecções em países como o Japão comprova isso.
Em razão desse sucesso, o primeiro-ministro Abe Shinzo optou há uma semana por não declarar estado de emergência nacional. Desde então, os japoneses estão voltando lentamente à vida cotidiana normal. As escolas de reforço pedagógico voltaram a funcionar, as crianças sentam-se a uma determinada distância umas das outras em salas ventiladas. Os primeiros parques de diversões abrem, mas quem apresenta febre tem que ficar do lado de fora.
O governo, porém, teme uma segunda onda de infecções. Por isso, no início do novo ano escolar, em abril, só as escolas em áreas sem registro de casos devem reabrir. Eventos maiores continuam proibidos.
No entanto, a preocupação principal está no perigo apresentado por visitantes estrangeiros. Depois dos sul-coreanos, desde sábado são os cidadãos da União Europeia (UE) que estão impedidos de entrar no país. Só aqueles residentes no Japão podem entrar, mas todos os que chegam da Europa devem ficar em quarentena por 14 dias. Segundo informações não oficiais, as medidas devem vigorar inicialmente até o final de abril.
Fonte: G1