Em 2022, o Brasil registrou 1.933 casos de câncer de pênis e 459 amputações. Esses números alarmantes foram divulgados no início do mês de fevereiro pela Sociedade Brasileira de Urologia e o Ministério da Saúde — e chamam atenção para a saúde do homem que, muitas vezes, é negligenciada.
“É um dos únicos cânceres que podem ser evitados. O homem deve fazer a limpeza da glande duas vezes ao dia com água e sabão e usar preservativo”, destaca José de Ribamar Rodrigues Calixto, supervisor da disciplina de Câncer de Pênis do Departamento de Uro-oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia.
Considerado um tumor raro, esse tipo de câncer poderia ser facilmente combatido com medidas efetivas de higiene e políticas públicas eficientes. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil, o que mais chama atenção é que a doença está acometendo cada vez mais homens jovens.
“A idade do aparecimento dessas lesões no nosso país são em homens jovens, com 28 a 35 anos, principalmente no Norte e Nordeste. Na década de 80 eram homens com 60 anos ou mais”, alerta o profissional da SBU.
E não é somente o câncer. Outras enfermidades inflamatórias e infecciosas podem atingir o pênis e merecem atenção. Muitas delas podem ser evitadas com uso frequente de preservativo, além de visitas e exames de rotinas com um médico especialista. Abaixo explicamos cada uma delas.
Câncer de pênis
A doença ocorre, principalmente, pela falta de higiene e contaminação pelo vírus HPV. Segundo dados do Ministério da Saúde, no país, o câncer de pênis é mais comum nas regiões Norte e Nordeste, o que representa 2% de todos os tipos de câncer que atingem o público masculino.
Homens que não fizeram a circuncisão, cirurgia para remoção do prepúcio que cobre a glande do pênis, têm maior chance de desenvolver o problema, pois a secreção chamada esmegma, parecida com uma cera branca, não é retirada de forma adequada elevando o risco de contaminação.
O tumor pode aparecer por meio de ferimentos ou nódulos e é acompanhado de uma inflamação persistente, que pode vir junto ou não de uma necrose tecidual, com pus, sangramento e cheiro fétido. Inicia-se com um simples vermelhidão ou pequeno ferimento, semelhante a uma cabeça de alfinete.
O diagnóstico precoce ajuda no combate à doença e proporciona maior chance de cura. Além disso, evita amputações parciais e totais do órgão genital, já que em estágio avançado a doença compromete todo o pênis e ainda pode evoluir para metástase.
No início da doença, onde há pequenas lesões, é possível realizar a retirada por meio de cauterização, laser e cremes sem comprometer o membro. Esse tipo de câncer também pode gerar linfonodos e proporcionar gânglios na virilha, que são semelhantes a caroços. Nesse caso, é preciso retirar um terço ou todo o pênis.
Quando o quadro evolui para mais grave e o órgão genital já está todo contaminado, os especialistas optam pela amputação total do membro. Após o procedimento, o paciente não terá uma vida sexual e urinária normais. Para fazer xixi, os médicos criam uma abertura da uretra no períneo e o homem passa a urinar sentado.
De acordo com Calixto, o grande problema e que impede a prevenção dessa enfermidade é a falta de acesso à educação. “A saúde pública fica aquém. Você consegue ter consulta só daqui um ano e o governo estimula pouquíssimo a vacinação contra o HPV. Além disso, centros de referências de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) são contados no dedo. O Estado tem que assumir. São faltas de políticas públicas”, alerta Calixto.
Para prevenir a doença, o ideal é que o paciente retire a fimose, realize uma boa higienização do pênis e quando criança vacine-se contra o HPV.
Balanopostite
Balanopostite é uma inflamação da pele do prepúcio. Geralmente, é provocada pelo fungo Candida albicans, que é o mesmo responsável pela candidíase nas mulheres.
Homens que não realizaram a cirurgia para retirar a fimose podem sofrer mais com o problema, pois essa parte do pênis acaba ficando mais úmida e quente, favorecendo o surgimento de fungos.
Para evitar a doença, o ideal é que a região íntima fique bem seca e sempre fresca. “Indicamos até usar o secador de cabelo. Tira-se o excesso com a toalha de banho e utiliza-se o ar frio”, diz Fernando Meyer, urologista e professor da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Pode ser causada também por um processo irritativo da região por meio do látex do preservativo ou outros componentes. O recomendado é que o homem use camisinhas que são hipoalergênicas.
O tratamento inclui uso de pomadas, cremes antifúngicos, deixar a região bem limpa e seca. Recomenda-se ainda evitar roupas apertadas e o consumo de doces em excesso, já que o açúcar pode ser eliminado na urina, facilitando ainda mais o surgimento de fungos.
Doença de Peyronie
A doença de Peyronie, que pode surgir a partir dos 50 anos de idade, se apresenta como uma calcificação do pênis, que causa uma curvatura no pênis durante a ereção.
“É uma placa de fibrose que ocorre nos corpos cavernosos (tecido esponjoso interno) do pênis responsáveis pela ereção, que pode causar dor e dificultar a penetração”, explica Meyer, que também é membro da Associação Americana de Urologia (AUA),
A doença de Peyronie, também conhecida como curvatura peniana, não tem uma causa aparente e pode deixar o pênis com microtraumas. Em alguns casos, o órgão pode até ficar em curvatura de até 90 graus.
Geralmente, os médicos esperam de 12 a 18 meses até que a curva desapareça sozinha e, quando isso não ocorre, optam pela cirurgia e até prótese peniana.
Fimose
Caracteriza-se pelo excesso de pele que recobre o pênis fazendo com que a cabeça, também conhecida como glande, não seja exposta.
Quando aparece ainda na infância, o pediatra passa a observar a condição e indicar tratamentos como pomadas à base de corticoide, facilitando com que a pele deslize sobre a glande. Também podem ser indicados exercícios de retração para meninos com mais de cinco anos.
Quando essas medidas não funcionam, os especialistas podem recomendar a postectomia, que é uma intervenção cirúrgica para retirada do prepúcio.
Mesmo sendo comum quando se é bebê, a condição pode se desenvolver também na fase adulta, provocada por um quadro de infecção ou traumatismo no local.
Parafimose
É uma doença inflamatória e ocorre quando o homem puxa a pele do pênis para baixo e esta não consegue voltar para o lugar. Quando isso ocorre, a região tende a inchar de forma exagerada, gerando o risco de necrose.
É um quadro doloroso e, em alguns casos, é possível por meio de movimentos manuais voltar a pele para o lugar. “Tem que fazer um pouco de força e uma manobra para voltar ao lugar com o dedão empurrando para fora”, diz Mark Neumaier, urologista do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).
No entanto, quando não é possível fazer a reversão com as mãos, é necessário realizar uma cirurgia de emergência.
Priapismo
É uma ereção prolongada, que pode durar mais de quatro horas. Em casos extremos, pode chegar a 36 horas. O problema gera dor, desconforto e é involuntário.
A causa pode ser multifatorial. O priapismo pode ocorrer pelo uso de alguns medicamentos como antidepressivos e estimulantes sexuais como Viagra. Outras causas são traumas na região pélvica, alguns tipos de câncer, como leucemia, e alterações hematológicas, como a provocada pela anemia falciforme.
Anemia falciforme é uma mutação genética que leva a alteração dos glóbulos vermelhos que, ao invés de ficarem no formato normal, ficam no formato de foice (daí o nome “falciforme”). Com isso aumenta a coagulação do sangue, provocando eventos tromboembólicos e o priapismo.
Pacientes que têm disfunção erétil e não respondem bem a medicações orais como Viagra e outras, muitas vezes precisam ser tratados com injeções no próprio pênis (chamadas intracavernosas) de medicações vasodilatadoras. Elas servem para dilatar os corpos cavernosos, facilitando a entrada do sangue e, posteriormente, a ereção.
Erros na dosagem ou na administração podem causar priapismo a ponto de o pênis precisar ser drenado cirurgicamente. A cirurgia é realizada por meio de uma “ligação” entre os corpos cavernosos do pênis e o corpo esponjoso para drenar esse sangue.
“Essas injeções e doses incorretas podem causar traumas”, destaca o urologista da PUCPR.
Em casos menos graves, o tratamento de priapismo consiste em injetar substâncias como adrenalina no pênis e colocação de gelo no local.
HPV
Essa IST ocorre por meio do vírus papiloma humano (do inglês human papiloma virus). O HPV provoca verrugas na região genital, oral e anal. O principal meio de contágio ocorre pelo sexo, que pode ser pelo contato oral-genital, genital-genital ou até manual-genital.
Para evitar a contaminação, deve-se usar preservativos e também a vacinação contra HPV, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas e meninos de até 14 anos.
Herpes
É uma infecção sexualmente transmissível provocada por um vírus que existe nos tipos 1 e 2.
No primeiro caso, o surgimento de “bolhas” é mais comum na região oral. Já no tipo 2, os sintomas podem aparecer na região genital.
O tratamento inclui o uso de pomadas, comprimidos e não compartilhar objetos
Sífilis
A infecção é causada pela bactéria Treponema pallidum, que pode comprometer as genitais, garganta e boca. Ela pode ser transmitida tanto no sexo oral quanto na penetração. Não é exclusiva do pênis, mas pode se manifestar no órgão genital e aparecer na boca. Essa IST tem suas principais apresentações na forma primária, secundária e terciária.
Por contato sexual é possível causar lesões no pênis, que é chamada de “cancro duro”. Por ser indolor, o paciente pode não tratar, deixando o agente bacteriano incubado e a doença pode evoluir para uma uma forma mais grave, que é sífilis secundária. Esta é caracterizada por sintomas mais sistêmicos e ocorre algumas semanas após a contaminação do primeiro tipo. O indivíduo pode apresentar manchas na pele e prostrações.
Depois de alguns anos, pode ainda evoluir para o formato terciário, que provoca alterações neurológicas e cardíacas.
O tratamento ocorre com antibióticos e para evitar a contaminação deve-se usar preservativos.
Este texto foi publicado originalmente em BBC News