Toxina testada para o combate de tumores também demonstrou eficácia na queima de calorias sem exercício em pesquisa da Unifesp
Meio século depois das pesquisas com veneno de jararaca que deram origem ao captopril, um dos medicamentos contra hipertensão mais usados no mundo até hoje, cientistas brasileiros estão descobrindo possíveis usos terapêuticos para toxinas de uma outra serpente brasileira: a cascavel.
Vários estudos nos últimos anos já demonstraram atividades antitumorais e antibióticas para diversas toxinas do veneno da serpente, famosa pelo chocalho que tem na ponta da cauda para afugentar ameaças. A descoberta mais recente, publicada na revista Scientific Reports, é também uma das mais curiosas e inesperadas.
A pesquisadora Mirian Hayashi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), testava os efeitos terapêuticos de uma dessas toxinas sobre tumores de pele quando percebeu que os camundongos tratados com a substância, além de melhorarem do câncer, estavam ganhando menos peso do que o esperado. Resolveu, então, testar os efeitos da tal molécula, a crotamina, sobre o metabolismo dos animais, e os resultados foram surpreendentes.
Os camundongos tratados com crotamina ganharam 10% menos peso do que os outros animais alimentados com a mesma dieta. Associado a isso, foi observada uma redução de gordura branca (que armazena calorias) e aumento da quantidade de gordura marrom (que queima calorias), resultando em um aumento da termogênese, que é a conversão de lipídios em energia calórica. Trocando em miúdos: os animais que receberam crotamina passaram a queimar mais calorias e por isso engordaram menos, mesmo sem fazer exercícios.
“Não só funciona como um antitumoral como altera o metabolismo do animal”, explica Mirian, professora associada ao Departamento de Farmacologia da Unifesp. “O efeito é maior ainda se o animal não tiver câncer.” A taxa de 10% a menos de ganho de peso pode não parecer muito, diz, mas faz grande diferença na saúde dos animais, já naturalmente magros. “Mais do que isso não seria saudável”, afirma a pesquisadora. “É o conceito que importa.” O próximo passo é testar a molécula em animais obesos.
Invasora de tumores
Isolada do veneno da serpente Crotalus durissus terrificus – uma das seis subespécies de cascavel que ocorrem no Brasil – a crotamina é uma pequena proteína (peptídeo) com duas características que interessam muito ao desenvolvimento de fármacos: a capacidade de penetrar nas células de mamíferos e uma seletividade para células em processo de divisão, como é o caso das células tumorais. Ou seja, ela invade tumores, mas não tecidos saudáveis. Daí o interesse de testá-la como um agente marcador e inibidor de células cancerígenas.
Experimentos publicados pelo grupo de Mirian em 2017 mostraram redução de 80% no crescimento de tumores de pele (melanoma) em camundongos tratados com crotamina; sem qualquer efeito adverso e com a vantagem – enorme, do ponto de vista farmacêutico – de funcionar por via oral, sem a necessidade de injeções.
A redução no ganho de peso dos animais foi um efeito inesperado, que acabou virando uma nova linha de pesquisa. “É uma descoberta muito interessante”, diz a pesquisadora Irina Kerkis, do Instituto Butantã, que também estuda a crotamina e outros peptídeos isolados de animais peçonhentos. “Os venenos estão cheios de toxinas, que podem ter várias funções.” Os efeitos podem variar segundo o tecido ao qual a toxina é exposta.
As cientistas ressaltam que os resultados são ainda preliminares e não há garantia de que os efeitos vistos nos camundongos serão reproduzidos em humanos. Mas são promissores e já atraíram a atenção de empresas estrangeiras, interessadas em levar as pesquisas adiante.
R7