Para os cientistas, a respiração e a fala de um paciente infectado pelo novo coronavírus foram responsáveis por suspender no ar as partículas do vírus, que acabaram circulando através de um fluxo criado por um aparelho de ar-condicionado. A infecção se deu em uma zona restrita do restaurante onde a máquina de ventilação artificial surtia efeitos.

O episódio estudado aconteceu em 24 de janeiro, durante as comemorações do Ano Novo Chinês, e terminou com dez casos de pessoas infectadas no estabelecimento, todas elas pertencentes a três famílias diferentes. No local, apenas um cliente já tinha sido acometido pelo novo coronavírus naquela data: embora estivesse assintomático, ele havia acabado de retornar de uma viagem à cidade de Wuhan, onde o coronavírus foi registrado pela primeira vez no mundo.

A possibilidade de que a transmissão do vírus tivesse acontecido sem contatos físicos no interior do restaurante já havia sido levantada em outro estudo chinês disponibilizado no início do mês pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. A hipótese, no entanto, ganha mais força com a publicação mais recente, considerando que ela reúne, entre outras evidências, a descrição de uma simulação de contágio realizada no próprio restaurante em que estiveram os membros das três famílias infectadas.

A descoberta reforça também a preocupação com a identificação com partículas do novo coronavírus em suspensão encontradas em dois hospitais de Wuhan e em áreas públicas vizinhas a eles, revelada na segunda-feira em um estudo publicado pela revista Nature.

‘Reconstituição’ da cena do contágio no restaurante

Dispostos a entender o ocorrido durante o Ano Novo Chinês, os pesquisadores estiveram no restaurante em 19 e 20 de março, quase dois mês após o registro das infecções no local, e recriaram a cena do contágio.

Com a ajuda de relatos colhidos por agentes de saúde e munidos de diversas informações (como imagens de câmeras de segurança, plantas arquitetônicas e dados meteorólogicos), eles constataram que as três famílias, distribuídas em mesas enfileiradas umas com as outras, compartilharam a mesma zona de fluxo de ventilação estabelecida por um aparelho de ar-condicionado instalado no terceiro andar do restaurante em que elas estavam.

Isso só foi possível com a utilização de um gás marcador com características de propagação no ar semelhantes às do Sars-CoV-2. Ele foi emitido no ambiente como se fossem as partículas do coronavírus contidas nos aerossóis da fala e respiração do “paciente número zero”.

Na ocasião do contágio, a pessoa afetada pela Covid-19, infectada em Wuhan, sentou-se, reunida com quatro parentes, diante de uma mesa disposta entre outras duas, onde estavam as famílias também observadas no estudo. Ao lado de uma das mesas com pessoas ainda não infectadas pelo vírus, havia uma parede onde estava o ar condicionado observado pelos pesquisadores.

Na família do paciente infectado, as quatro pessoas presentes junto com ele no restaurante testaram positivo para o vírus nas semanas seguintes. Em outra família, houve três membros infectados entre os quatro que estiveram no local. Na terceira família, cuja mesa estava disposta abaixo do ar-condicionado, dois dos sete membros foram acometidos pelo coronavírus.

As outras pessoas presentes nos cinco andares do restaurante — onde havia 193 clientes e 57 trabalhadores no momento do contágio — não foram infectadas naquela ocasião. Não houve desdobramentos nem mesmo para os 73 fregueses e oito funcionários que, assim como as famílias infectadas, estavam no terceiro andar. O contágio se restringiu à área das três mesas ventiladas pelo mesmo aparelho de ar-condicionado, o que ficou claro na simulação.

O gás marcador, cujo comportamento no ar se parece com o do novo coronavírus, foi identificado principalmente nas mesas ocupadas pelas famílias infectadas. Ele até se propagou para outras áreas, onde havia fluxo de ar promovido por outros aparelhos de ar condicionado, mas em menor escala. A circulação das partículas virais se deram significativamente naquela área do terceiro andar, onde havia a aglomeração das famílias, uma mesma circulação de ar e um paciente com a Covid-19.

Falta de ventilação natural

No entendimento dos pesquisadores, não foi somente o fluxo de ventilação criado pelo ar-condicionado em torno de uma aglomeração que levou ao contágio das famílias pelo novo coronavírus. Um outro componente também foi definitivo para que isso tenha ocorrido: a ausência de ventilação natural no restaurante.

Embora as três mesas estudadas estivessem enfileiradas diante de uma janela, ela estava fechada. Havia ventiladores com a função de exaustores nas paredes do estabelecimento, mas eles não estavam em funcionamento. As únicas injeções externas de ar no local provinham de um exaustor instalado no banheiro e pela abertura da porta de entrada, o que não foi suficiente para impedir que as partículas do coronavírus se espalhassem, diminuindo a chance de contágio.

O alerta dos cientistas chineses, portanto, direciona para os riscos de contágio em locais fechados, com má ventilação e aglomeração de pessoas. No estudo, os pesquisadores afirmam que os resultados obtidos “não mostram que a transmissão de aerossóis do Sars-CoV-2 pode ocorrer em qualquer espaço fechado, mas que essa transmissão pode sim ocorrer em locais espaços fechados e mal ventilados”.

A recomendação deles é para que as medidas que restringem aglomerações sejam mantidas e para que locais com características semelhantes à do restaurante em Guangzhou redobrem os cuidados com a ventilação dos ambientes.