Médico explica como funciona o crescimento do músculo em pessoas que sempre treinaram, pararam por um tempo e retomaram o treinamento.
Você se matricula em uma academia ou em um grupo de corrida, passa por avaliação física inicial e o professor te pergunta: “Já treinou antes”? Você responde que sim e, ele diz: “Que bom! Já tem memória muscular”. Mas, afinal de contas, a memória muscular existe? Até hoje acreditava-se que a memória muscular estaria ligada ao fato de as células musculares possuírem em seu interior uma série de núcleos, estruturas que estão diretamente envolvidas no processo de síntese de proteínas. O primeiro efeito que o treinamento resistido com peso teria sobre a musculatura, não seria o de fazer o músculo crescer, mas sim formar mais núcleos celulares que, por sua vez, estimulariam a produção de mais fibras musculares.
Se essas células tivessem apenas um núcleo, como ocorre com a quase totalidade das células do corpo humano, as fibras poderiam sintetizar apenas uma pequena quantidade de proteínas. Logo, para hipertrofiar, uma célula muscular precisaria de uma boa quantidade de núcleos, característica que pessoas que treinaram durante anos possuem e, mesmo que parem os treinos por um período, não perderiam.
Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Keele mostrou pela primeira vez que os músculos humanos possuem sim uma memória de crescimento muscular anterior não só pela maior quantidade de núcleos, mas sim a nível do DNA. Segundo o estudo publicado este ano, períodos de crescimento do músculo esquelético seriam lembrados pelos genes, ajudando-os a crescer mais tarde na vida.
Os autores estudaram mais de 850 mil sites de DNA humano e descobriram que os genes são marcados e desmarcados com tags químicos especiais quando o músculo cresce após o exercício, volta ao normal e volta a crescer após o exercício mais tarde. Conhecidos como modificações epigenéticas, esses marcadores dizem ao gene se ele deve ser ativo ou inativo, fornecendo instruções para o gene ligar ou desligar sem alterar o próprio DNA.
A pesquisa publicada na Scientific Reports tem implicações importantes na forma como os atletas treinam e se recuperam de lesões. Na população geral, mostra também que indivíduos que já treinaram e estão atualmente destreinados e sedentários teriam um ganho muscular mais rápido quando voltam a treinar do que indivíduos do mesmo sexo e idade que foram sedentários a vida toda.
Um impacto importante do estudo estaria no doping, pois teria implicações de longo alcance para os atletas pegos usando drogas de fortalecimento muscular para melhorar o desempenho (como os esteróides anabolizantes, por exemplo). As drogas poderiam estar criando mudanças duradouras, tornando as proibições de curto prazo inadequadas. Segundo os autores, se um atleta de elite usar drogas que melhorem o seu desempenho para aumentar a massa muscular, seu músculo pode manter uma memória desse crescimento muscular prévio. Se o atleta for pego no exame antidoping e for afastado, eles continuariam a ter vantagem sobre seus concorrentes, mesmo que nunca mais voltassem a fazer uso da droga.
Apesar desta nova descoberta, é importantíssimo lembrar que uma pessoa que permaneceu muito tempo sedentária e deseja retornar ao esporte, deve sempre procurar um médico do esporte para uma avaliação pré-participativa para que fatores de risco cardiovasculares sejam investigados e que o retorno seja gradual e bem periodizado a fim de se prevenir lesões.
Referência bibliográfica
Robert A. Seaborne, Juliette Strauss, Matthew Cocks, Sam Shepherd, Thomas D. O’Brien, Ken A. van Someren, Phillip G. Bell, Christopher Murgatroyd, James P. Morton, Claire E. Stewart, Adam P. Sharples. Human Skeletal Muscle Possesses an Epigenetic Memory of Hypertrophy. Scientific Reports, 2018; 8 (1) DOI: 10.1038/s41598-018-20287-3.
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