Médicos, pacientes e representantes da sociedade civil defenderam na terça-feira (6) o uso de testes genéticos para o diagnóstico e o tratamento de câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Eles participaram de audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença matou 223,4 mil pessoas no Brasil em 2015 — um crescimento de 31% em relação a 2000.
A chamada medicina personalizada ou de precisão é oferecida por instituições privadas do sistema de saúde complementar.
Por meios de testes de DNA, é possível identificar se uma pessoa tem predisposição para desenvolver algum tipo de câncer.
A análise do genoma permite ainda que o médico escolha drogas específicas e mais eficientes para cada paciente.
Em 2016, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou a realização de testes genéticos para o câncer de mama hereditário.
Mas 70% dos pacientes são usuários do SUS e não tem acesso ao exame ou ao tratamento de precisão na rede privada.
Para a oncogeneticista Edenir Palmero, do Hospital do Câncer de Barretos (SP), o desafio é universalizar a medicina personalizada.
Nada adianta se a nossa população não tiver acesso. Uma grande meta, uma grande luta, é garantir acesso à avaliação do risco genético do câncer e ao manejo clinico para pacientes de alto risco do SUS.
A gente vai necessitar de ações regulatórias junto aos laboratórios, dado que é um teste feito uma única vez na vida do indivíduo e que vai definir toda a conduta de tratamento —argumenta Edenir Palmero.
Tentativa e erro
De acordo com a revista científica britânica Nature, 75% dos pacientes com câncer não respondem ao tratamento.
Para o oncologista Marcelo Cruz, do Hospital Sírio-Libanês, a abordagem com drogas convencionais é “de tentativa e erro” — ao contrário da medicina de precisão. Ele lembrou ainda que o custo para o sequenciamento genético tem caído nos últimos anos.
Em 2003, o mapeamento do primeiro genoma humano foi orçado em US$ 100 milhões. Em 2013, o rastreamento de um tipo de câncer custava em torno de US$ 3 mil. Atualmente, gira em torno de US$ 1 mil.
Felizmente no Brasil, na saúde suplementar, temos terapias-alvo para vários tipos de câncer: pulmão, ginecológico e outros.
Mas a gente precisa ampliar esse acesso à população de uma maneira geral. Nos Estados Unidos, são mais de 100 tipos de medicamentos.
É o paciente certo para o remédio certo. Se a gente continuar esperando, vai perder — afirmou Marcelo Cruz.
Redução de gastos
A jornalista Marlene Oliveira é presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, entidade que promove campanhas de conscientização sobre o câncer.
Ela entende que o uso de informações genéticas de cada paciente pode reduzir os gastos com saúde a longo prazo. Para a jornalista, a prioridade deve ser a identificação correta e precoce da doença.
A confirmação do diagnóstico é ponto crítico para a efetivação do direito à saúde. No Brasil, 20% dos pacientes demoram mais de 60 dias para conseguir a assinatura do laudo da biopsia desde a primeira consulta com um especialista. Mais de 40% chegam à unidade de alta complexidade com exames feitos há mais de 8 meses.
Mais de 60% são diagnosticados em fases avançadas do tumor, quando as chances de cura são menores e os custos do tratamento costumam ser entre 60% e 80% maiores — alertou Marlene Oliveira.
Orçamento
O oncologista André Sasse, professor de pós-graduação Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp), avalia que o Brasil “precisa saber investir melhor” o dinheiro da Saúde.
Ele reconhece que o SUS vive “com orçamento muito limitado”, mas é submetido a um “modelo de pagamento, reembolso e financiamento confuso e ultrapassado”.
De todas as formas de desigualdade, a injustiça no cuidado com a saúde é a mais chocante e desumana. Trabalho com pacientes do sistema suplementar e do SUS. É muito difícil olhar para pessoas com a mesma doença e não conseguir dar a mesma ajuda.
Uma forma de ajudar é tentar disponibilizar tecnologia. Entendo que a gente não tem dinheiro para incorporar tudo. Mas a sociedade precisa custear isso de alguma maneira — disse André Sasse.
O senador Waldemir Moka (MDB-MS), um dos autores do requerimento para a audiência pública, é o relator-geral do Orçamento de 2019.
Ele entende que a medicina personalizada deve ser privilegiada com mais recursos da União no próximo ano. Mas diz que o desafio é saber de onde tirar o dinheiro.
Vamos alocar recursos específicos para a medicina de precisão? Sim. Mas de onde esses recursos vão sair? É essa a discussão, porque o recurso é finito.
Em algum momento será preciso fazer uma opção. Vamos ter que convencer as pessoas. Sei que pode parecer muito duro, mas temos que brigar.
Se não fizermos isso, daqui a dez anos a medicina do Brasil vai estar completamente desatualizada — afirmou Waldemir Moka.
A senadora Ana Amélia (PP-RS) também assinou o requerimento para a audiência pública. Ela cobrou do governo federal a adoção dos testes genéticos na rede pública de saúde.
Quando o Brasil poderá estabelecer essa forma de tratamento personalizado? Se estamos usando medicamentos que não fazem efeito, estamos gastando. Quando optamos por uma medicina de precisão, vamos ter economia.
Com um ajuste melhor, o remédio é mais eficaz e muito mais barato. A gente encurta o gasto superficial. Hoje, o paciente não está melhorando e está gastando dinheiro, seja do plano de saúde ou do SUS — argumentou Ana Amélia.
Medicina de precisão
O coordenador-geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Sandro Martins, reconhece a importância da medicina de precisão e afirma que a abordagem “não é uma coisa nova no SUS”.
A rede pública conta com exames genéticos como o teste do pezinho, além de programas específicos para rastrear casos de doenças raras e hepatite C. Ele lembrou, no entanto, que a expansão da cobertura esbarra na “realidade fiscal” do país.
O tratamento de um subgrupo de pessoas, em vez de um grupo mais amplo, implica elevação do preço do tratamento.
No mundo inteiro tem sido um desafio conviver com o escalonamento das despesas relacionadas ao tratamento do câncer.
Temos que olhar para nossa realidade fiscal e entender que é preciso encontrar previsibilidade orçamentária para esse investimento, necessário à melhoria das condições de vida das pessoas — afirma Sandro Martins.
Acesso ao tratamento
A paciente Maria Amélia Teles convive com o câncer — “entre altos e baixos” — há 8 anos. Durante a audiência pública, defendeu a aplicação da medicina personalizada no âmbito do SUS. Para ela, não se trata apenas de empreender recursos: é uma questão de princípios.
Aqui no Brasil, 70% dos pacientes não têm acesso ao tratamento condizente. Eu sou 30%, mas já fui 70%.
Pagando o plano de saúde, fui surpreendida por não mais poder me tratar. Imagine o que vivemos eu, meus amigos e familiares. Acompanho de perto a situação de pessoas que convivem com a doença e não têm acesso às tecnologias adequadas.
É uma cotidiana peregrinação, ora acompanhados, ora solitários. Pessoas percebidas de maneira totalmente indiferente pelos segmentos púbicos — desabafa Maria Amélia.
Agência Senado