Proposta tributária do governo prevê taxação de 12% para o mercado editorial; setores que incentivam a leitura são isentos por lei desde 2004
Mal encampada, a proposta de reforma tributária do governo já tem causado furor. Enquanto se fala em prorrogação de desencargos a entidades religiosas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu acabar com a isenção de tributos para livros. Desde 2004 vigora uma lei que desonera a indústria do livro – mas a imunidade de impostos a materiais para leitura é garantida desde a Constituição de 1946. A proposta de Guedes, no entanto, é extinguir qualquer benefício ao setor em troca da colaboração com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%. Caso isso aconteça, os livros indubitavelmente ficarão mais caros, o que atrapalhará a evolução desse mercado, duramente afetado pela pandemia de coronavírus. Além disso, há outro terrível efeito colateral: a elitização do acessoà leitura no país.
Ao ser questionado sobre a medida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), durante reunião da Comissão Mista que discute a reforma tributária, o ministro foi taxativo: “Vamos dar o livro de graça para o mais frágil, para o mais pobre, e não isentar o deputado Marcelo Freixo, que pode muito bem pagar um livro. Nós não precisamos de isentá-lo para ele comprar o livro dele. Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto”.
A isenção aos materiais para leitura, sobretudo os títulos didáticos, é uma forma de levar educação e cultura a todos os brasileiros, independentemente de sua classe social. Ao falar em “doação” de livros aos mais pobres, Guedes não soube dizer se, de fato, há tal estudo por parte do governo. Hoje, 48 milhões de crianças e jovens estudam com livros didáticos no país.
A declaração fez com que o setor editorial, que viu seu faturamento encolher 20% entre 2006 e 2019, se estruturasse. As entidades Associação Brasileira dos Editores de Livro (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livro, o Snel, redigiram um manifesto a ser entregue para a comissão que avalia a proposta de reforma tributária.
“O nosso pleito é para permitir que mais pessoas tenham o acesso ao livro, que significa conhecimento e educação. Temos de dar condição de acesso à população, não dificultar ainda mais”, diz José Ângelo Xavier de Oliveira, presidente da Abrelivros. “Se a indústria passa a ser tributada em 12%, o livro ficará mais caro, o que significa que menos pessoas terão condições financeiras de comprá-lo”.
Para Alexandre Martins Fontes, proprietário de duas livrarias e da editora WMF Martins Fontes, a proposta de imposto sobre o livro prejudicará, sobretudo, a sobrevivência de livrarias e distribuidoras.
Elas não têm margens para pagar esses 12%”, afirma. “É um imposto nocivo em todos os sentidos. O impacto econômico da pandemia é muito pequeno perto disso”. Acredita-se que, para mitigar o impacto da CBS, as editoras majorem a sugestão de preço dos livros. Para as livrarias, essa possibilidade é mais difícil diante da concorrência predatória, sobretudo, com as ofertas do comércio eletrônico.
Samuel Seibel, dono da rede Livraria da Vila, acredita que o produto-livro teve cerca 25% de seu preço diluído desde a lei de 2004, mostrando que o mercado editorial não se aproveitou da situação para ganhar margem de venda. “O preço do livro subiu muito menos que a inflação nesses últimos 15 anos. Hoje, as livrarias não têm margens para sacrificar e absorver esse novo imposto”, afirma. “O mercado não está pedindo um privilégio. Talvez esteja entendido dessa forma. Mas não é. É por uma necessidade de sobrevivência”.
Relator da reforma tributária no Congresso, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) disse a VEJA que ainda não recebeu o manifesto do setor, mas que cada alteração em relação a contribuição de PIS e Cofins será analisada de forma individual. Difícil é entender a política de “dois pesos e duas medidas” da nova tributação.
Fonte: Veja Abril