Para a pesquisadora Camila Holpert, um dos caminhos para construir um mundo mais humano é repensar a conduta das lideranças, sejam elas mulheres ou homens
O mundo ideal já está em gestação. Pelo menos no desejo dos brasileiros. E a boa notícia é que ele será muito melhor do que este em que vivemos hoje. É o que mostra uma pesquisa realizada por Molico, marca de produtos lácteos da Nestlé, em parceria com a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois de entrevistar mil pessoas em todo o território nacional, o levantamento concluiu que a maioria gostaria de viver em um ambiente repleto de valores que foram associados ao feminino: mais gregário, empático, baseado em relações inclusivas e menos bélicas. Seis em cada dez respondentes, por exemplo, afirmaram desejar uma realidade mais honesta. E metade marcou felicidade e solidariedade como outros atributos esperados. Trata-se de um cenário bem diferente daquele que vivemos hoje, em que prevalece a violência, a desonestidade, a agressividade ou a competição, traços considerados masculinos.
O trabalho faz parte de um grande projeto intitulado O Valor do Feminino, que inclui ainda séries de minidocumentários sobre a humanidade que todos, homens e mulheres, carregamos dentro de nós. A seguir, confira o depoimento da pesquisadora Camila Holpert, do Studio Ideias, que coordenou todo o trabalho.
“O mundo corporativo e as relações de trabalho foram construídas por homens. Todos os espelhos são masculinos, principalmente entre as pioneiras. As primeiras a avançar nesses espaços se masculinizaram para sobreviver. E, até hoje, o mercado de trabalho legitima essas posturas.
No estudo que realizamos em parceria com Molico, identificamos que valores como empatia, acolhimento, solidariedade e cuidado, por exemplo, são associados ao feminino. E, portanto, estão afastados das relações de trabalho. O pior em torno dessa visão é que isso traz uma carga extra para as mulheres, como se elas fossem as únicas capazes de cuidar do outro – o que aumenta a sua jornada diária – e confina estes valores ao ambiente doméstico, lugar que durante muito tempo foi o único espaço por onde nós, mulheres, pudemos circular.
Mas hoje já não precisa ser assim. É a hora de levar esse e outros valores da porta para fora para que seja possível se comportar de maneira mais humana, mais sensível, mais acolhedora, mais compassiva. Quando montei minha empresa, estipulei que a flexibilidade de horários seria um princípio, afinal a vida tem imprevistos e existem coisas importantes acontecendo fora do ambiente de trabalho também. Nem sempre podemos estar presentes, atuantes no trabalho das 9 às 18 horas. A maternidade só torna isso mais evidente. Mas como dizer, sem culpa: preciso sair mais cedo para pegar meu filho na casa de um amigo?
Ter mergulhado no projeto O Valor do Feminino foi libertador. Hoje, se estou em um compromisso de trabalho que dura mais do que o esperado, digo, sem constrangimento algum, que preciso sair para buscar minha filha na escola. Afinal, sou uma profissional, mas também sou mãe. E estar com ela é importante para mim. Atualmente, tento não marcar reuniões pela manhã, porque é o período em que ela está em casa e trabalho de lá, sem culpa.
Um dos caminhos para construir o mundo que desejamos é repensar as lideranças, sejam elas femininas ou masculinas, e propor que venham acompanhadas de posturas com ênfase nesses valores que foram e ainda são associados ao feminino, mas, na verdade, são valores humanos.
Queremos mulheres em cargos de decisão? Queremos muito, sem dúvida. Mas queremos também que o acolhimento, a sensibilidade, a capacidade de ouvir o outro, cuidar do outro possam ser praticados por qualquer um, dentro e fora de casa. Queremos, enfim, modelos de ambientes menos hostis, mais saudáveis, mais harmônicos.”
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