O próprio nome do Transtorno do Espectro Autista (TEA) mostra o quão variadas podem ser as caraterísticas e os graus de alteração em algumas habilidades em pessoas assim diagnosticadas.
Acredita-se também que as causas do TEA sejam multifatoriais, envolvendo desde a genética ao contexto social.
Por toda esta complexidade, qualquer pista sobre o autismo vindo da ciência representa um passo que pode ajudar no diagnóstico e nos cuidados precoces de pessoas com autismo.
Em novembro de 2021, uma equipe da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, apresentou uma pesquisa inédita no congresso anual da Sociedade de Radiologia da América do Norte (Radiological Society of North America) demonstrando alterações significativas em uma parte do cérebro fundamental para suas conexões, o corpo caloso, em adolescentes e jovens adultos com esse diagnóstico.
O estudo analisou exames de ressonância magnética de 583 pessoas, cujas informações médicas fazem parte de um grande banco de dados para a pesquisa em autismo dos EUA, o National Database of Autism Research. Os autores defendem que uma das conquistas do estudo é considerar pessoas de diferentes faixas etárias — de seis meses de idade a 50 anos —, enquanto muitas pesquisas sobre o autismo focam apenas nas crianças.
Embora os mais jovens tenham sido incluídos na análise, as alterações no corpo caloso do cérebro foram observadas conforme as idades aumentaram, a partir da adolescência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) trabalha com a estimativa de que, na média mundial, cerca de uma em 160 crianças têm algum Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“Uma vez que o TEA se torna aparente e é normalmente diagnosticado no início da idade escolar, nossos resultados sugerem que alterações comportamentais aparecem mais cedo do que mudanças na substância branca do cérebro”, explicou por e-mail à BBC News Brasil a médica Clara Weber, pesquisadora na Universidade de Yale e líder do estudo.
O corpo caloso é composto da substância branca — Weber esclarece que enquanto a substância cinzenta do cérebro é como o computador, a branca é como os cabos. E o corpo caloso, particularmente, é responsável pela conexão dos dois hemisférios cerebrais.
“Não conseguimos detectar alterações significativas nas crianças mais novas, o que dá pistas de que mudanças microestruturais (no cérebro) começam mais tarde”, diz a pesquisadora.
Ela fala em uma microestrutura porque sua equipe analisou um mecanismo muito particular: o deslocamento de moléculas de água dentro do corpo caloso, a chamada anisotropia fracionada. As ressonâncias magnéticas mostraram que, em adolescentes e jovens adultos com TEA, este deslocamento era menor em comparação com um grupo controle.
“Uma redução na anisotropia fracionada significa uma alteração nas conexões (cerebrais)”, resume Clara Weber.
“Diferentes teorias sobre o TEA consideram que muitos fatores contribuem para a condição e têm como hipóteses que tanto a pouca conectividade como a hiperconectividade das conexões funcionais desempenham um papel.”
“Nosso estudo basicamente adicionou outro aspecto a isso, confirmando que não só as conexões funcionais são alteradas, mas também a microestrutura do cérebro.”
Os resultados foram apresentados no congresso da Sociedade de Radiologia da América do Norte mas ainda não foram publicados em uma revista científica com a chamada revisão do pares — quando especialistas não envolvidos naquele trabalho analisam o conteúdo de um artigo candidato a publicação. Weber disse que ela e a equipe enviarão o trabalho para publicação em alguma revista científica nas próximas semanas.
Potencial para diagnóstico e tratamento
Weber diz esperar que sinais no cérebro como os observados possam ajudar no diagnóstico precoce do TEA e no acompanhamento de tratamentos.
Não envolvida na pesquisa, a neuropediatra brasileira Liubiana Arantes de Araújo analisou o trabalho apresentado no congresso e também apontou, à BBC News Brasil, o potencial que ele tem para contribuir com os cuidados de pessoas com autismo.
A médica explica que, hoje, o diagnóstico de TEA vem com a combinação de várias análises, como o exame médico, a aplicação de questionários e, em alguns casos, exames de imagem (como a ressonância magnética e o eletroencefalograma).
“Cada vez mais, temos também estudos que ajudam a observar que alterações genéticas têm relação com o autismo. Se há também exames de imagem mostrando que quanto mais alterações no corpo caloso, maior o comprometimento, é muito interessante para o diagnóstico e para a reabilitação” diz a neuropediatra, também presidente do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
“Quanto mais forem descobertas alterações que sejam evidências do autismo, melhor.”
A médica destaca, porém, quem nem todas pessoas com TEA apresentarão alterações no cérebro ou no corpo caloso — quando elas existem, costumam estar associados a quadros mais severos de TEA.
“Se você tem alteração no corpo caloso, há um quadro com sintomas mais evidentes do autismo, relacionados a habilidades cognitivas, de linguagem e de teoria da mente, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro.”
Araújo ressalva também que este não é o primeiro estudo a associar o TEA a alterações no cérebro, no corpo caloso e na difusão da água, mas afirma que ele aprofunda o conhecimento sobre esses pontos e revela como as alterações ocorrem ao longo do crescimento.
“Nas pessoas sem autismo, o corpo caloso vai se desenvolver até por volta de 12 anos. Se você detecta que no autismo esse corpo caloso vai ter um desenvolvimento alterado e principalmente depois dessa idade, isso justifica diferenças em relação a tratamento, às modificações de comportamento ao longo do crescimento do paciente com autismo.”
Fonte: BBC News