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Covid-19: atraso em vacinação de bebês e crianças preocupa pais em meio a temor de alta de casos

A descoberta de uma variante da ômicron no Brasil, a nova onda de casos de covid na Europa e a alta de testes positivos em laboratórios particulares e farmácias no país elevam a preocupação sobre uma faixa que ainda não foi atendida pela vacinação: a de bebês e crianças pequenas.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em 16 de setembro um imunizante da Pfizer que poderia atender crianças entre 6 meses e 2 anos e 11 meses de idade — que, até o momento, não foram incluídas na cobertura vacinal. A farmacêutica já entregou 1 milhão de doses ao governo.

O Ministério da Saúde, no entanto, limitou a vacinação nessa faixa etária apenas para casos de pessoas com comorbidades. E mesmo para esse grupo ainda não foi divulgado um calendário.

A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), diz que “não há justificativa para essa delimitação”.

Ela cita um estudo brasileiro publicado na revista científica Lancet que analisou 11.613 casos de covid em crianças e adolescentes. Em 8.352 (71,9%) das ocorrências não havia comorbidade prévia. A mesma situação foi registrada em metade das mortes nessa faixa etária.

“Já são quase dois meses desde que a Anvisa aprovou a vacina e nem mesmo as crianças com comorbidades receberam a vacina no braço. E há que se pensar nos casos de covid longa em que a gente sabe que a vacina tem eficácia para diminuir o desenvolvimento. A situação é ruim e o atraso do ministério, irresponsável”, afirma a epidemiologista.

Nota técnica elaborada pelo governo sobre a Pfizer (que tem aplicação liberada para uma faixa mais estendida, até os 4 anos) afirma que “de maneira geral não foram observadas preocupações significativas do ponto de vista da segurança”.

O Ministério da Saúde disse que “recebeu na última semana 1 milhão de doses da vacina destinadas para crianças de seis meses a menores de 3 anos com comorbidades. O início do processo de distribuição aos estados está previsto para os próximos dias”.

“Com o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), a possibilidade de ampliação das doses para as crianças nessa faixa etária sem comorbidades será avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).”

“Nós temos famílias preocupadíssimas com a aproximação da nova onda, com a presença da variante BQ.1 no Brasil. Então as crianças não vacinadas estão sob maior risco. É urgente a vacinação desse grupo”, diz Maciel.

O advogado Gabriel Camorim, de São Paulo, pai de uma menina de 2 anos, tem seguido o noticiário sobre a vacinação e diz que “acompanha com bastante preocupação inclusive por ouvir sobre o aumento de casos de covid, especialmente porque a Anvisa já liberou para a faixa etária da minha filha. A covid não passou totalmente. Assim que a vacina estiver disponível, eu quero levá-la ao posto”.

Gabriel Camorim, pai de uma menina de 2 anos, demonstra preocupação sobre a indefinição no esquema de vacinação para essa faixa etária
Gabriel Camorim, pai de uma menina de 2 anos, demonstra preocupação sobre a indefinição no esquema de vacinação para essa faixa etária

Camorim afirma que fez um isolamento bem rigoroso e, diante das notícias de novos casos de covid, tem procurado evitar aglomerações e aumentar a frequência do uso de máscaras.

O tatuador Uli Terra Reis, da Bahia, é pai de uma criança de 11 meses com comorbidade e reclama da falta de definições claras mesmo tendo sido anunciada a vacinação para o grupo.

“Meu neném tem apenas um rim, então ele entra na lista de comorbidades. Mas mesmo assim ainda permanecemos no escuro sobre quando a vacina vai chegar. Para mim o que mais me revolta é sermos um dos países com mais mortalidade infantil e fazerem pouco caso de preservar a vida das nossas crianças.”

A advogada Stefanie Ferraz, mãe de um bebê de 6 meses, conta que teve uma “relação bastante difícil com a covid” durante a quarentena. “Fiquei muito ansiosa e com insônia vendo as notícias.”

Ela diz que o atraso na campanha para vacina para bebês tem sido frustrante: “Foi um alívio saber da aprovação da vacina de covid para bebês e crianças há alguns meses… Mas meu bebê chegou na idade mínima e a vacina ainda não está disponível”.

A angústia aumentou quando ela e o marido se infectaram com a doença na semana passada e veio a preocupação sobre uma criança tão nova.

“Foi a nossa primeira vez. Não fizemos o teste no bebê porque ele é muito pequeno, mas, mesmo tomando todos os cuidados (máscara o tempo todo, lavar as mãos e utensílios dele com muita frequência, deixar mais tempo com a avó etc), ele teve 2 dias de febre (e foi a primeira vez na vida que ele teve febre) e estava bem abatido. Teve um pouco de tosse e espirros também.”

Nas redes sociais, outros pais e mães têm reclamado sobre a indefinição para distribuir os imunizantes para as crianças menores, inclusive em cobranças diretas ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

No mês passado, em meio à campanha do segundo turno em que foi derrotado, o presidente Jair Bolsonaro voltou a minimizar as mortes de crianças por covid e, sem apresentar nenhuma prova, declarou que óbitos nessa faixa etária eram inflados.

“Alguém viu alguma criança morrer de covid? É coisa rara. O que acontecia nesse caso é que chegava uma criança no hospital com traumatismo craniano que caiu da bicicleta e alguns hospitais, maldosamente, botavam na UTI de covid.”

Nota conjunta das Sociedades Brasileiras de Pediatria (SBP) e de Imunizações (SBIm) disse que a carga da doença na população brasileira de crianças até 5 anos é relevante. Cita que, apenas em 2022, foram registradas 12.634 hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave decorrente de covid com 463 mortes confirmadas.

“Atualmente, com a circulação predominante da variante ômicron e suas diversas sublinhagens em nosso país, esse quadro se mantém, com maior risco de hospitalizações, complicações e mortes em pessoas não vacinadas ou com esquemas incompletos. Da mesma forma, observamos também entre as crianças um aumento no risco de ocorrência de formas graves da doença”, afirmam as entidades.

Esquema vacinal infantil

O esquema da vacina da Pfizer inclui três doses de 0,2 ml (o que é equivalente a 3 microgramas). A segunda dose será administrada três semanas depois. A terceira, ao menos oito semanas após a segunda dose. Terá tampa de cor vinho porque tem dosagem e composição diferentes.

Os Estados aguardam uma definição do governo federal. A Secretaria de Saúde de São Paulo, por exemplo, disse ter requisitado 615 mil doses do imunizante ao governo e aguarda envio para dar início à sua campanha.

No momento, o esquema vacinal está da seguinte forma:

  • Bebês e crianças entre 6 meses e 2 anos e 11 meses de idade têm previsão de receber a vacina da Pfizer. Só casos de comorbidade serão contemplados na leva inicial. Ainda não há um calendário definido
  • Crianças de 3 e 4 anos estão recebendo Coronavac, mas há queixas sobre a falta do imunizante em algumas localidades (veja a seguir)
  • A faixa acima de 5 anos pode tomar qualquer um dos dois imunizantes, Pfizer ou Coronavac

O prefeito de Recife, João Campos (PSB), escreveu nesta segunda (7/11) no Twitter que precisou suspender a aplicação para a faixa de 3 e 4 anos por falta de Coronavac e cobrou o Ministério da Saúde.

O Ministério da Saúde diz que, em relação à vacinação para a faixa de 3 e 4 anos de idade, “já disponibilizou 1 milhão de doses a todos os estados. A pasta está em tratativas com o laboratório para aquisição de mais doses. A aquisição leva em consideração o ritmo de vacinação deste público e o avanço do número de doses aplicadas. Vale reforçar que as doses são enviadas de acordo com a solicitação de cada estado, considerando o público-alvo planejado e a capacidade de armazenamento. Cabe aos estados o planejamento e gerência de distribuição entre os municípios”.

Motivos de preocupação

Levantamento do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) mostra que a taxa de exames positivos para covid em laboratórios particulares passou de 3% para 17% em menos de um mês — um salto de 566%.

Nas farmácias, das 14.970 testagens realizadas de 17 a 23 de outubro, 2.320 (15,5%) apresentaram diagnóstico positivo. Na semana anterior, a taxa havia sido de 9,36%, segundo a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), que reúne 26 redes responsáveis por cerca de 45% das vendas de medicamentos no país.

A nova variante do coronavírus, chamada de BQ.1, foi identificada no Rio e já havia sido encontrada no Amazonas em 20 de outubro, o que fortalece a suposição de que ela circula em diferentes locais do país.

Não há mudanças em relação aos sintomas, que continuam sendo, para a maioria dos pacientes, dor de cabeça, tosse, febre, dor de garganta, cansaço, perda de olfato e paladar. A característica principal que a difere de outras cepas é um escape maior da proteção das vacinas.

Sobre a nova onda na Europa, pesquisadores temem que as novas infecções ocorridas no outono europeu possam ter reflexos no Brasil entre dezembro e janeiro, provocando um novo aumento nos casos e nas mortes por covid. Esse fenômeno, aliás, aconteceu em períodos anteriores.

 

 

 

 

Este texto foi publicado originalmente em BBC News

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