A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) causou surpresa ao anunciar que a Copa América será realizada no Brasil entre os meses de junho e julho.
Mas como o torneio, originalmente marcado para ocorrer na Argentina, acabou sendo transferido para o território brasileiro?
A chave é o agravamento da pandemia do novo coronavírus na Argentina.
As sedes originais do campeonato, que começa no dia 13 de junho, eram a Argentina e a Colômbia, onde o número de casos de covid-19 também é preocupante, refletindo o quadro quase geral na América Latina, de acordo com levantamentos internacionais.
Na Argentina, foi concluído no domingo, após nove dias, um novo lockdown que, no entanto, será retomado neste fim de semana, também de forma estrita, durante sábado e domingo.
As medidas durante os nove dias e no próximo fim de semana incluem a exigência de autorização para circular pelas estradas e nos transportes públicos, além do toque de recolher a partir das 18h.
Nesta segunda-feira, as restrições como as das atividades noturnas, incluindo o horário limitado dos bares, cafés e restaurantes de Buenos Aires, continuam, na fase que vem sendo chamado de “quarentena menos rígida”.
Quando anunciou, há dez dias, o lockdown para várias regiões do país, o presidente Alberto Fernández disse que a Argentina vivia “o pior momento da pandemia”. No entanto, a possibilidade de que a Copa América fosse realizada no território argentino continuou sendo debatida e inalterada até a noite de domingo, quando a Conmebol informou que o país não seria mais a sede do campeonato.
O governo federal e o governo da cidade de Buenos Aires, onde partidas seriam jogadas, não tinham deixado claro, até domingo, que avaliavam desistir da realização da Copa América no país.
Na quarta-feira passada, autoridades argentinas se reuniram com a Conmebol para definir se as partidas seriam jogadas de forma integral na Argentina ou se seriam compartilhadas com outro país – chegou-se a falar no Chile, de acordo com a imprensa local.
Críticas internas
Após a reunião de quarta-feira, começaram a ser definidas as exigências de protocolo para os times que participariam do campeonato nos estádios argentinos.
As críticas, porém, eram crescentes, tanto por parte de políticos governistas, como de opositores, com a Copa América tendo sido um dos principais assuntos no país.
No sábado, o jornal La Nación e a emissora TN, de Buenos Aires, divulgaram uma pesquisa da Poliarquia Consultores, mostrando que 70% dos argentinos, incluindo eleitores do governo, rejeitavam que o campeonato fosse jogado no país “em meio à segunda onda” de coronavírus.
Neste ambiente, no domingo, pouco antes do anúncio da Conmebol em suas redes sociais, o ministro do Interior, Eduardo “Wado” de Pedro contou ao canal de televisão C5N que havia preocupação.
“Conversei com o presidente sobre a situação sanitária de todas as jurisdições e, especialmente, das províncias de Buenos Aires, Tucumán, Mendoza, Córdoba e Santa Fe, e, sendo coerentes com o cuidado da saúde, vemos que é muito difícil que a Copa América seja jogada no nosso país”, disse.
“O que mais me preocupava e que foi basicamente o que nos levou a tomar a decisão (de nao realizar a Copa América) foi o fato de que as sedes escolhidas pela Conmebol, como a cidade de Buenos Aires, Córdoba, Mendoza, Mar del Plata e Santa Fé, estão em alerta epidemiológico”, disse na segunda-feira o presidente Fernández a uma rádio local.
“Então, pensei: diante do risco interno que tenho, vou somar o risco externo?”
O vice-secretário da Saúde da Província de Buenos Aires, Nicolás Kreplak, foi outra voz contrária ao evento esportivo diante da gravidade da pandemia na Argentina. “Deveríamos adiar por alguns meses”, disse.
No entanto, no sábado, a própria ministra da Saúde, Carla Vizzotti, não tinha descartado que a Argentina hospedasse o campeonato, apesar da disparada de casos de coronavírus. “Não é arriscado receber duas mil pessoas para a Copa América com os devidos protocolos”, disse.
Na mesma entrevista, ela admitia, porém, que a decisão de realizar o evento “ainda não estava 100% tomada”. As declarações de Vizzotti foram feitas assim que ela desembarcou de Cuba, onde foi ver de perto a produção de vacinas locais contra o coronavírus.
A ministra tem destacado que o país tem recebido, nos últimos dias, uma ampla quantidade de doses de vacinas (Sputnik e AstraZeneca) que, junto com os lockdowns, devem conter a expansão da pandemia nos próximos meses – justamente os mais temidos diante do inverno que, como ela ressalta, leva as pessoas a fecharem suas janelas, não permitindo a ventilação necessária que possa evitar a presença do vírus.
De acordo com fontes do governo, a Argentina vinha trabalhando há cerca de dois anos para abrigar estes jogos. Os que defendiam a realização do evento argumentavam que poderia ser um cartão postal para o país mostrar sua capacidade de organizar um evento destas dimensões em plena pandemia, além dos recursos gerados pelo evento em um país que está em uma severa crise econômica.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e dados oficiais, o PIB argentino encolheu quase 10% em 2020, após dois anos seguidos de recessão. Os críticos de Alberto Fernández apontam para as quarentenas rigorosas realizadas em grande parte do ano passado e que, no entanto, não impediram a atual virulência da segunda onda.
Fernández, por sua vez, tem deixado claro que se não fossem as quarentenas de 2020 o governo não teria tido tempo para ampliar a capacidade da rede hospitalar.
Na semana passada, porém, causou comoção o caso da universitária Lara Arreguiz, de 22 anos, que morreu por falta de atendimento. A mãe da estudante, Claudia Sánchez, contou em suas redes sociais e ao canal América TV, de Buenos Aires, que fez um périplo por hospitais da província de Santa Fé e que Lara, diabética e com resultado positivo de covid, não foi atendida a tempo.
A foto de Lara, de máscara, coberta com uma jaqueta jeans, deitada no chão de um dos hospitais onde esteve se espalhou em redes sociais. Da mesma Província, diretores de hospitais têm dito à imprensa local que faltam leitos para casos de coronavírus. “Às vezes, surgem vagas porque alguém faleceu”, disse um deles.
País com cerca de 45 milhões de habitantes, a Argentina registra mais de 76 mil mortes por covid-19. E mesmo antes da decisão sobre a Copa América, vinha debatendo a oportunidade de manter jogos de futebol, mesmo sem público – caso o campeonato fosse no país a ideia seria também sem público.
Nos últimos dias, jogadores do popular River Plate, entre outros clubes, deram positivo para a doença, gerando polêmica sobre a necessidade de maior rigor para protegê-los, assim como a outros funcionários envolvidos no futebol.
Fonte: BBC News