Apenas 5,5% dos ugandenses são sedentários, o menor índice do mundo; mudanças na alimentação e no estilo de vida podem colocar isso em risco
Alguns ugandenses se organizam para praticar atividades físicas – mas muitos a fazem sem perceber BBC NEWS BRASIL
Jennifer Namulembwa passa uma hora e meia caminhando até o trabalho, cinco vezes por semana. Às 7h e pouco da manhã, ela atravessa o sudeste da capital de Uganda, Campala, cruza linhas de trem e até uma perigosa avenida de oito pistas para subir o morro que a leva ao subúrbio de Kamwokya, onde chega por volta das 9h.
E, durante o trabalho, Jennifer, de 34 anos, passa mais duas horas de pé, fazendo a faxina de um edifício de três andares. O restante da jornada é usado para atender às demandas de seu chefe. E, às 17h, ela faz a mesma caminhada de volta para casa.
“Estou acostumada, então, não sinto tanto a distância. Nunca uso sapatos chiques para ir trabalhar. Eu até gostaria de aproveitar mais, poder ir de carro ou de moto”, diz ela, mostrando seus pés empoeirados nas sandálias pretas.
Seu esforço físico é ditado não pela preocupação com sua saúde, mas sim pela questão financeira: Jennifer ganha apenas o equivalente a US$ 100 (R$ 420 na cotação atual). Com as despesas domésticas e os custos da educação dos dois filhos, não sobra dinheiro para o transporte.
Pela mesma rota usada por Jennifer passa Oprus Aduba, funcionário de um hotel e pai de três crianças. Secando o suor de sua testa, ele conta à BBC que também tem dificuldades para fazer o salário chegar ao fim do mês.
Um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado na revista científica Lancet apontou Uganda, no leste da África, como a nação mais fisicamente ativa do mundo entre 2001 e 2016, e em parte isso se deve ao esforço diário de pessoas como Jennifer e Oprus.
O país tem a menor porcentagem (5,5%) de pessoas que fazem quantidade insuficiente de atividades físicas por dia.
Para efeitos comparativos, no Brasil esse índice é de cerca de 47%, o maior da América Latina. No mundo, estima-se que um quarto da população não se exercite o suficiente para reduzir o risco de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes. O sedentarismo também tem impacto negativo na saúde mental e na qualidade de vida, diz a OMS.
O estudo mostra que, em geral, pessoas em países de baixa renda parecem incorporar uma quantidade suficiente de atividades físicas ao seu estilo de vida, ao contrário do que ocorre em países com renda mais elevada.
Quanto mais pobres as pessoas, maior sua probabilidade de usar modos de transporte – ou de ter uma ocupação – que envolva mais esforço físico.
Exercício na cidade e no campo
O estudo, feito com base em dados fornecidos pelos próprios países, não explica, no entanto, por que a população de Uganda é mais ativa do que a de países com renda equivalente.
E é bom lembrar que, mesmo em países de baixa renda, cresce a quantidade de trabalhadores que passam longas horas no trabalho sentados atrás de uma mesa e comendo mais fast food.
De volta a Campala, Jennifer e Oprus sequer conhecem as recomendações da OMS, que sugere que cada pessoa pratique, semanalmente, ao menos 150 minutos de atividade física moderada ou intensa (ou 75 minutos de atividade bem intensa).
E eles, sem saber, superam essa recomendação com facilidade.
A explicação para o alto nível de atividade física em Uganda talvez esteja, além da rotina de pessoas como Jennifer e Oprus, no interior do país, onde estima-se que 70% da população trabalhe na agricultura.
Abiasali Nsereko, um agricultor de 68 anos de Luweero, a duas horas de Campala, começa seu dia às 5h, ordenhando vacas e fazendo serviços pela fazenda – por exemplo, limpando o estábulo e cuidando dos pés de café e banana da plantação. Ele trabalha sozinho, exceto pelas poucas vezes em que contrata ajudantes temporários.
“Passo cerca de oito horas de pé, seis dias por semana. Planto toda a comida que comemos. Se eu parar de trabalhar, provavelmente vou ficar doente. Mesmo na minha idade, não tenho nenhuma dor no corpo”, ele diz.
Mas, à medida que os estilos de vida mudam, alguns ugandenses encontram dificuldades para se manter em forma.
Campala, assim como muitas cidades brasileiras, tem uma quantidade insuficiente de parques; muitas ruas não têm calçadas adequadas e a poluição dos carros cresce.
Caminhar ou correr na rua exige coragem. Se você tiver a sorte de encontrar boas calçadas no caminho, terá de ficar atento aos enormes buracos e aos mototáxis que constantemente empurram os pedestres.
A despeito disso, nos últimos anos, cresceu o número de praticantes de corrida pelas ruas, a maior parte deles da elite urbana do país.
Também há uma tendência crescente de “grupos fitness” por Campala. Em uma ensolarada manhã de domingo, três diferentes grupos de pessoas – reunindo desde idosos até crianças – se exercitavam no estacionamento do Estádio Nacional Mandela, na capital ugandense.
Uma das participantes, Diana Nakabugo, diz que o exercício em grupo a motiva, tanto que ela vai ao estádio praticá-lo três vezes por semana, às 6h30 da manhã.
Nem sempre é fácil. “Já acordo pensando no trânsito”, diz ela. “Tenho de deixar as crianças na escola, chegar no horário ao trabalho. É um desafio (se exercitar). Muitos pais não conseguem priorizar as atividades físicas.”
Também participam do grupo fitness o educador físico Sabiti Matovu e sua filha de nove anos. Para ela, as atividades são mais do que uma chance de estar na companhia do pai.
“A educação física costumava fazer parte do currículo de todas as escolas. Mas, aqui na cidade, as escolas agora colocam ênfase apenas no lado acadêmico”, diz Sabiti, preocupado com a possibilidade de as crianças ugandenses não conseguirem manter a boa forma de seus pais.
“Muitas escolas não têm playgrounds. E, nas escolas rurais onde há espaços abertos, não há professores de educação física.”
Sabiti Matovu e sua filha; ele acha que atividades físicas deixaram de ser prioridade nas escolas locais BBC NEWS BRASIL
A primeira ciclovia de Uganda
Em julho deste ano, o presidente Yoweri Museveni lançou o Dia Nacional das Atividades Físicas, que deverá ser comemorado anualmente. Mas parece que será necessário mais do que um decreto presidencial para manter o país com altos níveis de prática de exercício.
Amanda Ngabirano, palestrante de planejamento urbano na Escola de Engenharia e Tecnologia da Universidade Makerere, em Campala, é um exemplo das dificuldades: ela enfrenta uma pequena odisseia para conseguir pedalar sua bicicleta até o trabalho, em uma cidade que há menos de um mês inaugurou sua primeira ciclovia.
A jornada de Amanda começa com a bicicleta dobrada dentro do carro, que ela estaciona na metade do caminho. Então, ela pedala os 7 km restantes em estradas e ruas de trânsito pesado e caótico, disputando espaço com carros acostumados a trocar rapidamente de faixas e com motos velozes – situação enfrentada também por muitos ciclistas brasileiros.
Mas ela acredita que tem havido “mais ordem no caos”. “Os motoristas têm andado mais devagar e conseguem me ver. É mais seguro (nas vias movimentadas) do que nas vias com poucos carros, onde todos vão em alta velocidade”, explica.
E, embora Uganda tenha comemorado o resultado do estudo da OMS, o país está se urbanizando rapidamente.
Nas próximas décadas, é provável que haja menos pessoas de 68 anos como Abiasali Nsereko trabalhando na agricultura, e mais pessoas com empregos de escritórios e se deslocando em automóveis.
Roy William Mayega, da Escola de Saúde Pública da Universidade Makerere, fez um estudo sobre áreas urbanas periféricas no leste de Campala em 2013. E percebeu que o estilo de vida ugandense está mudando.
“Descobrimos que 85% dos participantes eram fisicamente ativos. Também medimos seu peso e índice de açúcar no sangue. Os 15% que não eram suficientemente ativos tinham o dobro de probabilidade ter diabetes e pressão alta”, afirma.
Um desafio, diz Mayega, é que está caindo o número de ugandenses interessados em empregos fisicamente exigentes – como na agricultura -, sobretudo entre a população mais jovem.
Mudanças alimentares
O médico também notou mudanças na dieta da população – algo que pode ser observado nas margens das estradas locais, onde pessoas fazem e vendem alimentos altamente calóricos e processados.
“A atividade física está se tornando menos um estilo de vida, e estamos comendo coisas que não comíamos no passado. Ao mesmo tempo, a percepção das pessoas sobre atividades (físicas) recreativas ainda é negativa. Um homem me disse durante o estudo: ‘fazer isso (exercício) é coisa de criança'”, relata.
Tudo isso acende um sinal de alerta quanto a um possível crescimento futuro de doenças cardiovasculares e diabetes, por exemplo.
Por enquanto, a maioria dos ugandenses se mantém em boa forma sem tratar isso como se fosse ginástica. Para reter o posto de país mais ativo do mundo, porém, talvez seja necessária ali uma conscientização nacional, além de uma infraestrutura adequada.
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