Desde o século 19 o tabagismo obteve forte expansão na cultura mundial e somente três décadas após, em 1964, foi comprovada sua relação com doenças respiratórias. O surgimento dos cigarros eletrônicos vem conquistando o público mais jovem, e suas ações no organismos ainda carecem de tempo para avaliação e novas evidências de causalidade.
Os cigarros eletrônicos usam uma bobina de resistência de metal para aquecer e aerossolizar misturas de glicerina vegetal, propilenoglicol, nicotina e agentes aromatizantes.
Desde sua introdução há 15 anos, os cigarros eletrônicos passaram por grandes mudanças no design que permitem ao usuário maior controle sobre a composição do líquido eletrônico, a concentração de nicotina e como o líquido é aerossolizado ou vaporizado.
Os efeitos sobre a saúde da exposição aos vapes, especialmente da exposição crônica, são incertos. Nos EUA, 34,3 milhões (14%) dos adultos (≥18 anos de idade) eram fumantes em 2017 e cerca 6,9 milhões (2,8%) eram usuários de vapes.
As taxas de uso de vapes são mais altas em jovens e seguem em crescimento. Entre os alunos do 8º, 10º e 12º anos, as taxas de prevalência de vaping em 2018 foram de 9,7%, 20% e 25%, respectivamente.
O dispositivo Juul, que domina o mercado, se assemelha a um cartão de memória USB com cartuchos (pods) que podem ser trocados pelo usuário e preenchidos com os e-líquidos favoritos. Estes contêm nicotina em sua forma de sal.
Os usuários percebem os aerossóis produzidos a partir de líquidos contendo sal de nicotina como menos irritantes, permitindo a entrega de maiores quantidades de nicotina do que em aerossóis de e-líquidos tradicionais que contêm nicotina de base livre.
Poucos estudos relataram a presença de sintomas crônicos em usuários de vapes. A maioria dos usuários apresenta sintomas compatíveis com bronquite, como tosse crônica e expectoração. Há também descrição da associação entre piora do controle da asma e do DPOC nos fumantes atuais.
Além disso, em 2019 houve uma série de relatos da doença pulmonar aguda pelo vape, o EVALI, em que os pacientes apresentaram sintomas gastrointestinais, febre, hipoxemia e achados tomográficos compatíveis com dano alveolar difuso e pneumonia em organização em sua maioria, alguns evoluindo com insuficiência respiratória e óbito.
Estudos
Estudos envolvendo espirometria mostram que pacientes com doença pré-existente estão mais sujeitos a obstrução aguda das vias aéreas. Poucos estudos de longo prazo sobre o uso de vapes e espirometria após um período de abstinência foram realizados. Concentrações aumentadas da enzima protease parecem estar relacionadas ao dano pulmonar em pacientes fumantes de tabaco e vaping.
Um número cada vez maior de relatos de casos relaciona o uso de cigarros eletrônicos a doenças inflamatórias graves que afetam as pequenas vias aéreas e os alvéolos: pneumonia lipoídica, pneumonia eosinofílica, hemorragia alveolar, pneumonia em organização, bronquiolite respiratória associada à doença pulmonar intersticial e pneumonite de hipersensibilidade.
O relato de sintomas respiratórios por usuários de cigarros eletrônicos sugere maior suscetibilidade e/ou retardo na recuperação de infecções respiratórias. Um estudo com 30 não-fumantes saudáveis expostos ao aerossol do cigarro eletrônico encontrou diminuição da sensibilidade à tosse, que pode predispor os usuários ao aumento das taxas de pneumonia.
Estudos animais demonstraram que as exposições crônicas ao cigarro eletrônico induzem a inflamação das vias aéreas, neutrofilia, remodelação das vias aéreas e enfisema. O microbioma pulmonar também parece ser alterado, com maior predisposição a infecções pelo S. aureus.
O efeito da nicotina no endotélio vascular leva ao endurecimento de artérias e veias, o que pode aumentar o risco cardiovascular. Os e-líquidos contêm muitos aromas, incluindo aldeídos, álcool benzílico, terpenos, pirazinas, mentol, mentona e outros compostos mentolados e sabores doces, que podem ser irritantes nas vias aéreas superiores e inferiores.
Outro fator preocupante é que indivíduos que começam a usar o cigarro eletrônico possuem maior chance de fumar cigarros convencionais. As evidências de estudos randomizados de que os cigarros eletrônicos são eficazes para a cessação do tabagismo são limitadas e mistas.
A incerteza sobre os riscos à saúde dos cigarros eletrônicos e sua eficácia como agentes de cessação do tabagismo representa um desafio para os médicos, pois os fumantes estão usando cigarros eletrônicos na tentativa de parar de fumar e procuram seus médicos para orientação.
O uso de farmacoterapia baseada em evidências e adesivos de nicotina que são seguros e eficazes na redução da dependência de nicotina, combinados com aconselhamento, são a única abordagem para a qual existe pouca incerteza terapêutica indicada para o tratamento do tabagismo.
Mensagens práticas
Os cigarros eletrônicos possuem maior chance de causar dependência à nicotina quando comparados com o cigarro convencional e, atualmente, faltam evidências para indicar seu uso no tratamento do tabagismo.
Diversos efeitos pulmonares dos e-cigs estão sendo relatados como o EVALI, piora de doenças pré-existentes como asma e DPOC, tosse crônica, sintomas bronquíticos, redução do clearance mucociliar, pneumonite de hipersensibilidade, entre outros.
No Brasil, a venda dos e-cigs é proibida pela ANVISA.
Fonte: PEBMED