Medicação para eliminar os quilos extras sem tantos efeitos colaterais anima os especialistas. Mas quando a obesidade deve ser tratada na farmácia?
O Brasil está engordando. Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde, mais da metade da população se encontra acima do peso, sendo que ao redor de 20% já é considerada obesa. A tendência não é de melhora e as frequentes tentativas frustradas de vencer o excesso de peso por aí só tornam o cenário mais preocupante.
Por isso não é de estranhar a euforia de médicos e pacientes com a chegada ao país de um novo remédio para emagrecer — medicamentos são prescritos quando, sozinhas, mudanças no estilo de vida não surtem efeito. A bola da vez é a liraglutida, uma injeção subcutânea aplicada com uma espécie de caneta, criada pela farmacêutica Novo Nordisk e comercializada com o nome Saxenda.
Aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ela imita, dentro do corpo, a ação de um hormônio natural, o GLP-1. A substância, originalmente fabricada no intestino, atua no sistema digestivo e no cérebro induzindo a sensação de saciedade após as refeições.
Só que a versão de laboratório é bem mais potente e prolonga esse efeito por até 24 horas. “A ideia é que a pessoa não sinta tanta fome ao longo do dia e coma porções menores”, informa Rocio Della Coletta, gerente médica da companhia.
A liraglutida, na verdade, é conhecida de longa data dos endocrinologistas. Ela vem sendo estudada desde os anos 1990, mas com outra finalidade: tratar o diabete tipo 2. Tanto é que a Novo Nordisk e outras empresas do setor desenvolveram análogos de GLP-1 dedicados ao controle da glicemia — eles estão disponíveis há alguns anos na farmácia com outras dosagens e nomes comerciais.
Foi justamente durante seu uso entre diabéticos que os cientistas notaram o potencial emagrecedor. A Novo Nordisk recrutou pesquisadores e voluntários pelo mundo afora e decidiu, então, testar novas formulações da liraglutida em obesos sem diabete.
Ela provou seu valor em um estudo com 3 731 pacientes divididos em dois grupos: um tomou o remédio de verdade; o outro, uma versão de mentira. Todo mundo foi instruído a fazer dieta e exercício. Após um ano e dois meses, 63% dos participantes que usaram a liraglutida haviam perdido peso em comparação aos 27% da turma do placebo.
A média de perda chegou a 7,8 quilos, e a redução na circunferência abdominal foi de 8,2 centímetros. “Pelos resultados, temos uma excelente alternativa terapêutica”, avalia o endocrinologista Walmir Coutinho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Mas a promessa que cerca a liraglutida não fica restrita à redução de medidas. As picadinhas também apresentaram poucos efeitos adversos. “Apesar de também agir no cérebro, o medicamento não parece provocar ansiedade, tremores ou insônia, algo que ocorre com outras drogas”, afirma o endocrinologista Marcio Mancini, do Hospital das Clínicas de São Paulo, que participou dos testes clínicos. A reclamação mais comum foi enjoo.
Mas o desconforto pode ser contornado elevando a dose aos poucos, até alcançar os 3 miligramas. Como todo remédio para emagrecer, a nova opção só deve ser receitada a pessoas obesas, com índice de massa corporal (IMC) maior que 30, ou com excesso de peso (IMC maior que 27) e portadoras de problemas como diabete ou hipertensão.
A necessidade de reforços farmacológicos na luta contra a obesidade é antiga. E, até hoje, as maiores promessas deram errado. Em 2008, o rimonabanto, batizado de pílula antibarriga, foi retirado às pressas do mercado após se descobrir sua associação com depressão e suicídio. Em 2011, foi a vez de as anfetaminas serem proibidas.
A partir de 2014, quando começaram a surgir as boas notícias do Saxenda nos Estados Unidos, o ânimo voltou aos consultórios. Antes mesmo da chegada do remédio ao Brasil, a versão da liraglutida para diabéticos passou a ser prescrita para auxiliar no emagrecimento.
Mas, afinal, o produto da Novo Nordisk é mais eficaz que os demais?
Segundo uma revisão publicada no periódico da Associação Médica Americanaem cima de 28 estudos englobando 30 mil obesos, a liraglutida só perde para a fenteramina-topiramato, combinação de anfetamina e antiepiléptico não liberada no Brasil — e que, entre os seus reveses, pode afetar a memória. O trabalho incluiu todas as medicações aprovadas por lá que ajudam a perder pelo menos 5% da massa corporal quando utilizadas durante um ano.
Embora a liraglutida tenha levado medalha em eficácia, curiosamente figurou entre os remédios com mais baixas na adesão. Para o médico Rohan Khera, um dos autores da revisão, é provável que alguns usuários se incomodem com a necessidade das picadas diárias.
Terapia complexa
Seguir à risca o plano terapêutico (que ainda envolve o ajuste de hábitos) é uma das grandes dificuldades que pesam no desfecho da guerra com a balança. Segundo os especialistas, o que mais se vê nos consultórios são pessoas que conseguem emagrecer no início do tratamento, mas que, com o passar do tempo, voltam a engordar.
“Em cinco anos, apenas 5% dos pacientes mantêm a perda de peso. É frustrante”, relata a endocrinologista Tarissa Petry, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Além disso, tem a questão do preço das medicações. A caixa do Saxenda deverá custar entre 750 e mil reais, e o tratamento requer duas por mês — um investimento anual de até 24 mil reais.
O papel de protagonista dos medicamentos frente à obesidade também é alvo de debate. Uma das maiores autoridades em nutrição, o professor David Katz, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, se recusa a enxergar o excesso de peso como doença e acredita que os profissionais deveriam incentivar mais o uso adequado “dos pés e do garfo”. Sob sua óptica, deveríamos apelar menos para fármacos e apostar em programas de alimentação balanceada e atividade física.
No entanto, para a maior parte da comunidade médica, obesidade é, sim, uma doença – e das mais complexas e resistentes. Nos últimos anos, a ciência já mapeou genes e circuitos do corpo que favorecem o acúmulo de gordura e a recuperação dos quilos perdidos.
Parece que apenas uma minoria consegue enxugar a silhueta com a dobradinha dieta e exercício. “É um problema muito complicado e nem sempre só a força de vontade vai resolver”, diz o psiquiatra Adriano Segal, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Diante de uma pandemia de obesidade em ascensão, não estão sendo medidos esforços (e engenhos) para bolar estratégias terapêuticas mais eficientes. E olha que tem muita tecnologia e promessa à vista. Entre os procedimentos mais modernos e já em atuação, está um marcapasso para o estômago que libera estímulos elétricos e, bloqueando nervos ligados ao cérebro, reduz a vontade de comer.
O dispositivo, chamado de Maestro, precisa ser inserido por meio de uma pequena cirurgia e se destina, a princípio, a obesos mórbidos. A própria agência que regula medicamentos e produtos para a saúde em solo americano, a FDA, testou o aparelho em 157 pessoas e constatou que mais da metade delas perdeu pelo menos 20% do seu peso inicial. O Maestro foi aprovado, mas será acompanhado em análises de longo prazo.
Um tanto mais radical é a técnica Aspire, também liberada pela FDA, em que um buraco é literalmente aberto na barriga do sujeito e se insere nele uma sonda que vai do estômago à área externa do abdômen. O indivíduo abre uma válvula conectada à sonda após a refeição e permite que parte da comida ingerida seja eliminada na hora — um terço dos alimentos é jogado fora antes que suas calorias sejam absorvidas.
“As pessoas até ficam assustadas quando a gente descreve esse tratamento, mas ele não deixa de ser menos radical que a cirurgia bariátrica”, diz Coutinho. Cabe lembrar que parte da população obesa hoje é candidata às operações de redução do estômago, e os resultados têm sido satisfatórios.
A terceira promessa é bem menos invasiva e envolve a chamada microbiota intestinal, aquela supercolônia de bactérias situada nos confins do aparelho digestivo. Pesquisadores estão criando cápsulas de fezes congeladas pensando em emagrecer pessoas. É estranho, mas parece funcionar. A ideia é a seguinte: os seres humanos têm populações diferentes de micro-organismos em seus respectivos intestinos.
E essa diferença é ainda mais gritante quando se comparam amostras de um gordo e de um magro. De olho nisso, os obesos poderiam ingerir, por meio de cápsulas, bactérias que liberam o mínimo de calorias no processamento das refeições. “É um campo promissor. Em laboratório, o transplante fecal permite que animais obesos percam bastante peso”, conta Coutinho. Pois é, as cápsulas de fezes serão colocadas à prova em humanos ainda este ano.
De volta para outro futuro
Na seara das soluções, digamos, mais tradicionais, chama atenção um composto brasileiro. Conhecido ainda como BZ043, ele é fruto de um trabalho de pesquisadores da startup carioca Biozeus e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O medicamento em potencial é constituído de proteínas e tem três focos de atuação: diminui a velocidade com que a comida passa pelo estômago, cutuca o sistema nervoso para aumentar a saciedade e, no fígado, estimula a produção de glucagon – com função oposta à da insulina, esse hormônio reduz a sensação de que é preciso encher a pança.
Em experimentos com animais, a substância teve um efeito inesperado e empolgante. “Os ratos que a tomaram preferiram comer depois alimentos menos calóricos. Quer dizer, escolheram comidas mais saudáveis”, revela o endocrinologista Paulo Lacativa, gerente de projetos da Biozeus. O BZ043 ainda deve passar por várias fases de estudo com gente como a gente antes de desembarcar no mercado.
Mesmo com os reforços atuais, caso da liraglutida, e das boas perspectivas, os especialistas ainda acreditam que é preciso conscientizar mais a população sobre os riscos à saúde do excesso de peso. “E tratar a obesidade com remédios tem que deixar de ser um tabu”, defende Mancini. Da mesma forma, cabe esclarecer que, sozinhos, medicamentos não fazem milagre. É uma abordagem maior, que até pode se valer de pílulas ou injeções, que trará resultado e afastará a legião de males ligada aos quilos extras.
Os números da obesidade
O Brasil e o resto do mundo estão em ritmo de engorda
82 milhões de brasileiros estão acima do peso, aponta o último levantamento do Ministério da Saúde.
30 milhões de pessoas no país têm índice de massa corporal (IMC) acima de 30, ou seja, já são obesas.
270 milhões de reais foram gastos pelos brasileiros no último ano com drogas antiobesidade, segundo a Interfarma.
2,4% do PIB do país já é empregado pelo governo para lidar com a obesidade, de acordo com o Instituto McKinsey Global.
O rimonabanto, da Sanofi, despontou em 2006 como a “pílula antibarriga”. Agia no cérebro diminuindo o apetite, mas se descobriu depois que favorecia depressão e até suicídio. Foi retirado do mercado.
Os riscos não compensam
Os anfetamínicos estimulam o sistema nervoso central e até ajudam a emagrecer. Só que podem causar arritmia, irritabilidade e dependência. Daí a Anvisa ter proibido sua venda em 2011.
Pesou para o coração
A sibutramina é um antidepressivo usado para perder peso. No início dos anos 2000, constatou-se que trazia riscos cardíacos. Foi vetado nos EUA e, por aqui, só é vendido com receita especial.
Análogo do hormônio GLP-1, diminui a fome e aumenta a saciedade por meio de picadas com uma caneta. Tem poucos efeitos colaterais – o destaque é a náusea.
Orlistate
Elimina nas fezes 30% da gordura ingerida a cada refeição. A ação do medicamento fica restrita ao intestino, mas a perda de peso é limitada.
Lorcaserina
Age como antidepressivo, diminuindo gatilhos emocionais que levam à compulsão. Porém, pode gerar instabilidade. Não é autorizado no Brasil.
Naltrexona-bupropiona
É um remédio antitabagismo que se provou eficaz na redução de peso por diminuir o hábito de beliscar. Só está liberado lá fora.
Fentermina-topiramato
Agrega um anfetamínico com um antiepiléptico. É bastante eficaz, mas pode afetar a memória. O duo ainda não está aprovado aqui.