A medicina tem utilizado cada vez mais recursos tecnológicos para atingir seus objetivos: promoção de bem-estar, prevenção e aumentar as chances de cura de doenças. O setor diagnóstico desponta como uma das áreas que mais têm se beneficiado com a nova realidade.
Ferramentas como inteligência artificial (IA) são capazes de, por meio de algoritmos programados, fazer uma varredura rápida e assertiva sobre os melhores exames a serem ofertados em determinadas situações e ler com precisão os resultados. As ferramentas de comunicação remotas também são utilizadas para promover acesso à saúde.
Embasando 70% das decisões médicas, os exames diagnósticos são indispensáveis para a garantia da saúde global e cumprem papel fundamental nas ações de prevenção e detecção precoce de doenças.
Para Ademar Paes Junior, médico radiologista, membro do Conselho de Administração da Abramed, presidente da Associação Catarinense de Medicina e sócio da Clínica Imagem e CEO da LifesHub, o destaque vai para o uso da IA na patologia. “Sistemas como o Paige.AI identificam padrões em amostras de tecido que podem ser indicativos de câncer ou outras doenças”, declara.
Segundo o médico, sensores, wearables e implantes podem monitorar a saúde do paciente em tempo real e fornecer dados valiosos para médicos e pesquisadores e têm o potencial de revolucionar o tratamento de doenças crônicas como diabetes e doenças cardíacas, permitindo um monitoramento personalizado. Predisposição a doenças hereditárias também podem ser identificadas e prevenidas por meio de IA.
Paes Junior ainda traz outra inovação para o debate. “O projeto do Google DeepMind desenvolveu uma IA capaz de diagnosticar doenças oculares com precisão similar a especialistas humanos”, comenta.
No caso de exames por imagem, como ressonância magnética, tomografia computadorizada e radiografias, os benefícios das novas tecnologias também são múltiplos.
“O resultado dessa digitalização vai do auxílio para diagnóstico aos médicos radiologistas e patologistas até a seleção da melhor conduta clínica”, explica Gustavo Meirelles, médico radiologista e líder do Comitê de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Abramed. Atualmente, uma imagem já pode ser lida por um software que consegue detectar padrões e ajuda o médico em diagnósticos.
“Esses avanços estão em implantação principalmente nos grandes centros, com uma tendência de acontecer em seguida em clínicas menores”, avalia Meirelles. A aplicação de tecnologia nos serviços garante, ainda, o acompanhamento da jornada do paciente, por meio de interoperabilidade de dados que, inclusive, mostra situações de saúde para tomada de decisão e aplicação de novas políticas.
Entendendo que alguns recursos ainda são pouco acessíveis financeiramente, Paes Junior avalia que “à medida que a adoção dessas tecnologias aumenta e os custos associados caem, elas se tornam mais acessíveis para hospitais, clínicas e outros estabelecimentos públicos”.
Segundo ele, os governos se beneficiam do uso da IA na medicina diagnóstica, pois tende a diminuir a demanda por tratamentos caros e prolongados, o que pode aliviar a pressão sobre os sistemas.
Meirelles também acredita que o SUS deverá ter mais acesso a tecnologias de última geração: “Novos auxílios levarão a IA para o setor público; não há inovação realmente transformadora e disruptiva que não passe pelo auxílio à esfera pública de saúde”.
Ele comenta, ainda, que os chatbots poderão ser provedores de grandes mudanças no atendimento. Esses dispositivos simulam conversas e podem melhorar o acesso à saúde, além de promover agilidade na interação com o paciente.
Ele ainda exalta, no mesmo contexto, a telessaúde, que tem se tornado cada vez mais popular. “Essa combinação de IA e telemedicina tem o potencial de levar o atendimento médico a áreas remotas e melhorar o acesso aos cuidados de saúde para pessoas em todo o mundo”, comenta.
A telessaúde foi muito usada durante a pandemia e ganhou espaço na oferta de saúde, assim como o uso de tecnologias modernas, que aceleram a tomada de decisão, como em momentos de crise sanitária. Porém, o acesso universal depende da oferta de internet de qualidade, inclusive para acessar prontuários remotamente.
O líder do Comitê de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Abramed defende que a IA trabalhe como aliada do médico, permitindo maior precisão diagnóstica “e evitando que o profissional perca tempo com tarefas repetitivas que podem ser automatizadas, oferecendo mais espaço para a interação com os pacientes”.
Nesse sentido, diferentemente do que se pode imaginar, a IA proporciona mais possibilidades de humanização e menos burocracia para o profissional.
Segundo informações da AllScripts divulgadas pela Health IT & CIO Report, disponibilizadas pelo radiologista, os profissionais de saúde passam metade de seus dias inserindo dados em prontuários eletrônicos e conduzindo trabalhos administrativos, reduzindo o contato com os pacientes a apenas 27% de sua rotina diária.
“Além disso, as atividades exaustivas provocadas pela fusão de trabalho administrativo e médico influenciam no absenteísmo por burnout”, afirma.
Ele ainda destaca outro ponto de atenção: a apreensão dos profissionais quanto aos seus empregos.
“Os médicos não precisam se preocupar quanto à manutenção de suas funções nas clínicas e nos hospitais, uma vez que as tecnologias devem passar pelo crivo de um profissional, sendo elas uma forma de leitura ou revisão para aprimorar o trabalho humano e não extingui-lo.”
Mas ele pondera que serão necessários investimentos para capacitar a prestação de serviços de saúde pública e privada. “Houve um medo muito grande no início, mas a IA está sendo bem aceita, inclusive pela população.”
IA sob ameaça
Em março deste ano, diversas autoridades internacionais no setor de tecnologia, entre outras personalidades, emitiram carta aberta ao mundo alertando sobre o uso da IA.
Segundo o documento, é preciso regular e democratizar a tecnologia para evitar danos como a disseminação de informações equivocadas e o mau uso dos dados coletados. “Estamos em momento de regulamentação, discutindo isso neste momento”, afirma Meirelles.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já falava sobre a temática em 2021. Segundo o relatório Ethics and governance of artificial intelligence for health (Ética e governança da inteligência artificial para a saúde, em tradução livre) da entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), é preciso garantir alguns princípios para a regulamentação e governança da IA: proteger a autonomia humana; promover o bem-estar, a segurança e o interesse público; garantir transparência, explicabilidade e inteligibilidade; promover responsabilidade e prestação de contas; garantir inclusão e equidade e promover inteligência artificial que seja responsiva e sustentável.
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados é usada para garantir a proteção de dados do paciente e a tranquilidade para a exposição de seus diagnósticos. O Projeto de Lei 21/20 cria o marco legal do desenvolvimento e uso da IA pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas.
O texto, em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança para a IA a fim de que se garantam os direitos humanos e os valores democráticos.
Na Abramed, os comitês discutem todas as questões que envolvem a proteção do paciente e as difundem entre seus associados. Resguardados esses princípios, as tecnologias tendem a se consolidar, como está acontecendo na saúde, uma vez que proporcionam benefícios múltiplos.
– Texto publicado originalmente em Medicina S/A