No dia 15 de fevereiro, foi celebrado o dia internacional de combate ao câncer infantil, uma campanha global para conscientização da enfermidade que acomete milhares de crianças ao redor do mundo e, consequentemente, suas famílias. Hoje, em torno de 80% das crianças e adolescentes acometidos por essas doenças podem ser curados, se diagnosticados precocemente.
A estimativa de novos casos de câncer infantojuvenil no Brasil para cada ano do triênio, de 2023 a 2025, é de 7.930, sendo 4.230 meninos, e 3.700 meninas. A região sudeste aparece no ranking como a mais atingida, respondendo por 3.310 de casos estimados, e a Norte com o menor índice de diagnósticos, um total de 650. Os dados são do Instituto Nacional do Câncer (Inca) .
Em solo brasileiro, assim como nos países desenvolvidos, o câncer já representa a primeira causa de morte por doença entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos.
Frente a esta situação, Sima Ferman, chefe da pediatria do Inca, ressalta a importância do diagnóstico precoce. “A verdade é que o câncer, quando está numa fase muito avançada, é mais fácil de detectar e mais difícil de tratar. Já na fase inicial, ele é mais difícil de detectar, porque eles são semelhantes as doenças comuns que as crianças têm, mas são mais fáceis de tratar, inclusive, com menos tempo de tratamento e efeitos a longo prazo”, explica a especialista.
No entanto, os centros especializados, diz ela, costumam receber pacientes com tumores grandes, ou seja, doenças em estágios avançados. Isso significa que, muitas vezes, há uma demora no diagnóstico e atraso no início do tratamento.
“Uma parte depende de os pais levarem a criança ao médico, quando ela apresenta sintomas recorrentes, mas, a outra, depende dos postos de saúde, onde, inicialmente, ela é atendida na atenção primária, e há suspeição da doença”, comenta Ferman.
Em suma: o médico das Unidades Básicas de Saúde (UBS) é o responsável, a princípio, por suspeitar do resultado inconclusivo de um exame, por exemplo.
Por isso, quando uma criança começa a ir a uma UBS ou um posto de saúde com certa frequência, e não há um diagnóstico fechado, o pediatra deve investir em uma investigação rigorosa, e não mandá-la de volta para casa sem diagnosticar o problema, tampouco subestimá-lo.
Em 2020, segundo o Atlas da Mortalidade do Inca mais recente, foram registradas 2.289 mortes pela doença infantojuvenil no país.
“Trata-se de um problema social muito grande. É preciso treinar melhor os médicos que atuam nas periferias para que eles consigam detectar algo suspeito e encaminhe essas crianças para um hospital especializado, onde elas terão um diagnóstico precoce”, indica André Brunetto, médico oncologista e responsável pelas pesquisas científicas do Instituto do Câncer Infantil (ICI) do Rio Grande do Sul.
Na maioria das vezes, os sintomas estão relacionados a problemas comuns da infância, como dores, febre, falta de apetite, gânglios (caroço) causado por alguma inflamação. Mas isso não é motivo para descartar a visita ao médico. O importante é não menosprezar queixas recorrentes.
“Todos os tumores pediátricos são muito difíceis de diagnosticar, porque eles são diagnósticos de exclusão”, lembra Brunetto.
O diagnóstico precoce, contudo, não impede a progressão da doença, até mesmo com metástase, já que normalmente são tumores que se disseminam rapidamente.
“Mas tem algumas doenças em que o diagnóstico precoce faz uma diferença muito grande, como, por exemplo, um retinoblastoma (que afeta a retina, fundo do olho) ou um tumor de Wilms (tipo de tumor renal)”, diz Ferman.
Como tumores na infância costumam se apresentar
- Nas leucemias, a criança se torna mais sujeita a infecções, pode ficar pálida, ter sangramentos e sentir dores nos ossos;
- No retinoblastoma, um sinal importante é o chamado “reflexo do olho do gato”, embranquecimento da pupila quando exposta à luz. Pode se apresentar, também, por meio de fotofobia (sensibilidade exagerada à luz) ou estrabismo (olhar vesgo). Geralmente acomete crianças antes dos três anos;
- Aumento do volume ou surgimento de massa no abdômen podem ser sintomas de tumor de Wilms (que afeta os rins) ou neuroblastoma;
- Tumores sólidos podem se manifestar pela formação de massa, visível ou não, e causar dor nos membros. Esse sintoma é frequente, por exemplo, no osteossarcoma (tumor no osso em crescimento), mais comum em adolescentes;
- Tumor de sistema nervoso central tem como sintomas dores de cabeça, vômitos, alterações motoras, alterações de comportamento e paralisia de nervos.
Quais as principais diferenças do câncer adulto para o câncer infantil?
Ao contrário do câncer no adulto, o câncer infantojuvenil, normalmente, afeta as células do sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação.
Eles também são de natureza embrionária, isto é, não tem relação com fatores externos, como, por exemplo, alcoolismo, tabagismo, sedentarismo, estilo de vida em geral ou até mesmo com o envelhecimento celular.
Raramente uma criança apresenta alterações genéticas que a torne propensa a ter um certo tipo de câncer. Por isso é muito difícil falar em prevenção.
O câncer, tanto em crianças como em adultos, ocorre quando há uma alteração genética/mutação em determinada célula, que começa a crescer, se desenvolver e depois a se proliferar.
“E ela não obedece mais aos comandos normais do organismo. Então, ela adquire, ao longo do tempo, independência, autonomia e uma capacidade de se espalhar para outras partes do corpo”, descreve Brunetto, médico oncologista do Instituto do Câncer Infantil do Rio Grande do Sul.
Os tumores mais frequentes na infância e na adolescência são as leucemias (que afetam os glóbulos brancos), os que atingem o sistema nervoso central e os linfomas (sistema linfático).
Também acometem muitas crianças e adolescentes o neuroblastoma (tumor de células do sistema nervoso periférico, frequentemente localizado na região abdominal), tumor de Wilms (tipo de tumor renal), retinoblastoma (afeta a retina, fundo do olho), tumor germinativo (das células que originam os ovários e os testículos), osteossarcoma (tumor ósseo) e sarcomas (tumores de partes moles).
Como é feito o tratamento?
Juntos ou combinados, a quimioterapia, radioterapia e cirurgia seguem sendo o carro-chefe do tratamento de câncer infantil. Ele é planejado de acordo com o diagnóstico do tumor, suas características biológicas e a presença ou não de metástase.
O tratamento oncológico é feito por uma equipe multidisciplinar, ou seja, envolvendo várias especialidades, como oncologistas pediatras, cirurgiões pediatras, radioterapeutas, patologistas, radiologistas, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas e afins.
Além disso, os cuidados psicológicos são fundamentais, tendo em vista que a luta contra qualquer tipo de câncer nunca é fácil, e a recuperação não deve ser baseada apenas na cura biológica, mas também no bem-estar e na qualidade de vida da criança ou do adolescente.
Pesquisas científicas ainda são escassas
Estudos mostram que ainda não há investimentos suficientes em pesquisas para o câncer infantil. O Brasil segue estagnado há anos.
E novos medicamentos, como a imunoterapia e a droga alvo molecular, que é direcionada exatamente para a alteração molecular, salvo raras exceções, não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
“Então, embora as crianças sejam mais responsivas e as taxas de cura sejam maiores, não há evolução em termos de tratamentos. Hoje, nós temos muito mais dinheiro sendo investido em pesquisas oncológicas e novos remédios para adultos, cujas doenças são muito mais frequentes, do que para crianças”, ressalta Brunetto, acrescentando que o custo é o mesmo, mas que a indústria, por sua vez, quer ganhar mais.
O especialista, responsável pelas pesquisas científicas do Instituto do Câncer Infantil, afirma que esse é um dos papeis da entidade: captar recursos da comunidade para investimento em pesquisas.
Não à toa, o ICI está promovendo uma premiação para prestigiar pesquisadores de todo Brasil com foco em oncologia pediátrica. Ao todo, serão distribuídos R$110 mil reais para os ganhadores. O prêmio “Fazer o Bem tem um gostinho especial” está com inscrições abertas até 28 de fevereiro.
“Porque essa é uma área muito carente. Nos últimos dez anos, no mundo inteiro, só três remédios foram desenvolvidos especificamente para crianças. A maioria das drogas são desenvolvidas para adultos e nós testamos e usamos em crianças, mas não foram projetadas para elas. E a doença pediátrica é absolutamente distinta”, reforça Brunetto.
Este texto foi originalmente publicado em BBC News