Nosso colunista examina uma das histórias mais polêmicas e assustadoras da humanidade: o possível elo entre esses medicamentos e a epidemia de obesidade
Quando pensamos no uso incorreto de antibióticos, é comum associá-lo ao surgimento de bactérias super-resistentes. Pior: que estamos nos aproximando de uma era em que esses medicamentos não surtirão efeito e aparecerá um micróbio capaz de dizimar toda a população humana. Mas será que o emprego indiscriminado desses remédios “só” tem a ver com isso?
Uma ameaça menos drástica, porém mais silenciosa e que aparentemente não teria relação alguma com essa história, já pode estar acontecendo. Essa ameaça é a obesidade. Sim, como já foi comentado em um texto anterior deste blog, o uso abusivo de antibióticos desde a infância pode contribuir para o ganho de peso. Vamos nos aprofundar um pouco mais nesse assunto.
Para começar, que tal olhar os dados brasileiros de consumo de antibióticos e os índices de aumento de sobrepeso e obesidade no país entre os anos 2000 e 2015?
Agora, o crescimento da população acima do peso (primeiro, obesos propriamente ditos e, na sequência, quem tem sobrepeso).
Pelas imagens fica evidente que existe uma tendência similar nesses dois fenômenos. Ou seja, ao longo dos anos ocorreu tanto aumento no uso de antibióticos quanto na quantidade de brasileiros com excesso de peso. É claro que, como já explicamos faz um tempo neste espaço, relações de causa e efeito nem sempre devem ser analisadas de modo simplista.
Não podemos concluir logo de cara que o aumento de X (antibióticos) leva ao aumento de Y (obesidade). Existem diversos fatores que precisam ser levados em conta. Exemplos: como variou a dieta da população no período avaliado? Estamos de fato ingerindo mais calorias? Estamos fazendo menos exercícios? E tudo isso considerando toda a população, não apenas nossos filhos, vizinhos e avós, que podem ser magros, se alimentam bem e não têm problemas de saúde.
Contornando essas variáveis complexas, o fato é que a observação dos gráficos nos conduz inevitavelmente à pergunta: estaria o uso indiscriminado de antibióticos engordando o Brasil e o mundo?
Um passeio pelo campo
Na pecuária, é comum a utilização de produtos chamados promotores de crescimento, que, pelo nome, costumamos associar a hormônios. Certamente você já ouviu alguém falar: “Esse frango é grande assim porque recebeu hormônio”.
Mas você sabe o que são os promotores de crescimento? Tchan-ran! Antibióticos. Pois é, uma prática tradicional na criação de gados, porcos e frangos é o emprego desses medicamentos. As doses utilizadas são menores do que o recomendado para o tratamento de uma infecção bacteriana. E isso significa que o remédio não mata todas as bactérias presentes no animal. Mais: pode selecionar aquelas resistentes ao produto.
Os pecuaristas perceberam que animais tratados com antibióticos ganham mais peso em menos tempo do que animais que não foram tratados desse jeito, mesmo que a dieta seja praticamente a mesma. O custo-benefício dessa prática é enorme, portanto. Utilizando a mesma quantidade de ração, o animal fica mais pesado em menos tempo, ou seja, a eficiência energética do alimento também aumenta. Daí a popularidade do procedimento nesse meio.
Os produtores de carne também perceberam que quanto mais cedo começar o tratamento com antibióticos, mais peso o animal ganha até o momento do abate – antivirais e antifúngicos já foram testados com o mesmo propósito, porém sem tanto sucesso. Sim, os antibióticos são uma fórmula pró-engorda.
Ok, agora temos um indício mais direto de que essas medicações podem aumentar a massa dos animais. Mas ainda assim é difícil extrapolar esses efeitos para toda e qualquer situação. Será que não há provas mais cabais da associação, obtidas por meio de um estudo controlado em laboratório. Opa, tem sim!
Visita ao laboratório
Pesquisadores americanos realizaram um experimento com dois grupos de camundongos. Um deles foi tratado com os mesmos antibióticos para uso na pecuária liberados pelo FDA (a Anvisa americana). O outro grupo não recebeu tratamento algum. Ambos ingeriram rigorosamente a mesma quantidade de calorias todos os dias.
Resultado: os ratinhos que foram tratados com antibióticos chegaram a ter 20% a mais de gordura corporal que os animais não tratados!
O que será que aconteceria se os animais, além de tomarem antibióticos, passassem a comer mais? Os cientistas se perguntaram a respeito e a resposta é a que você deve estar pensando nesse exato momento: camundongos que receberam antibióticos e passaram a receber comida extra engordam ainda mais.
O mesmo estudo americano ainda mostrou uma diferença desse efeito dos antibióticos entre os roedores machos e as fêmeas. Constatou-se que, no time masculino, a diferença do ganho de peso chega a no máximo 10% em relação aos camundongos que comem pouco e tomam o remédio. Para as moças, porém, a situação é bem mais grave: no comparativo, elas ganharam 50% a mais de massa total.
O destino a cargo das bactérias
E agora? A que conclusão chegamos? Os antibióticos não matam apenas bactérias que causam doenças, mas também aquelas que já estavam convivendo numa boa em nossa microbiota intestinal. Isso pode, sim, provocar um desequilíbrio no organismo capaz, talvez, de levar à obesidade. Como esse processo acontece com exatidão ainda não sabemos, mas muitos cientistas estão em busca de respostas.
Nesse meio tempo, precisamos difundir ainda mais o uso consciente de antibióticos. Essas substâncias já salvaram e continuam salvando milhões de vidas todo ano. O problema recai na utilização indevida, exagerada ou descontrolada. Quem nunca ouviu que fulano se automedicou com antibióticos? Ou estava com uma virose (algo causado por vírus e não bactérias!) e o médico receitou antibiótico?
A Organização Mundial da Saúde está planejando ações como a World Antibiotic Awareness Week – a semana mundial do uso consciente de antibióticos, entre 13 e 19 de novembro. Vale muito a pena acompanhar. Essa história deve pesar no futuro da humanidade.
* Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade DE SÃO PAULO
SAÚDE