Laura Mathias tinha apenas 13 anos de idade quando começou a perder o cabelo — e a culpar-se por isso.
Seu médico a diagnosticou com alopecia, uma condição autoimune, e disse que sua causa era o estresse. Os pais de Mathias estavam se divorciando e ela achava a vida difícil.
Ela passou os 17 anos seguintes mantendo sua queda de cabelo em segredo, usando uma série de perucas que irritavam o couro cabeludo e, muitas vezes, faziam sua cabeça sangrar.
Até que, durante a pandemia, Laura encontrou a confiança de que precisava para sair sem peruca de sua casa em Manningtree, no sudeste da Inglaterra, e começar a postar sobre sua condição no Instagram.
Em suas próprias palavras, Laura Mathias dá um depoimento sobre suas esperanças a respeito do futuro, agora que ela aprendeu a assumir a vida como uma mulher sem cabelo.
‘Eu não saí de casa por seis meses’
Meu cabeleireiro foi o primeiro a encontrar uma pequena área sem cabelo na parte de trás do meu couro cabeludo quando eu tinha 13 anos de idade. Ele sugeriu à minha mãe que consultássemos um médico.
O médico disse que era alopecia e que eu não deveria ficar preocupada porque o estresse iria piorar a condição — e que, se eu me acalmasse, o cabelo poderia crescer de novo. Imediatamente comecei a me culpar.
Ele me disse que havia salas de bate-papo online, mantidas pela organização Alopecia UK, que eu poderia usar, mas eu não queria aceitar o que estava acontecendo comigo.
Meus pais estavam discutindo o tempo todo, o que era incrivelmente estressante. Eu acordava cheia de cabelo sobre o travesseiro e fiquei tão constrangida que parei de ir à escola.
Não saí de casa por seis meses e tudo ficou parado. Eu me concentrei na minha bicicleta ergométrica porque era a única coisa que eu conseguia controlar e acabei perdendo muito peso.
Com 14 anos de idade, pedi ao meu cabeleireiro que raspasse minha cabeça e me ajudasse a encontrar uma peruca. Na verdade, ela era grande demais e irritou imediatamente meu couro cabeludo. Também sofri de eczema, que as perucas pioraram por muitos anos.
Eu me forcei a voltar para a escola e me colocaram nos grupos atrasados, mas consegui argumentar que tinha potencial e deveria ser novamente aceita nos grupos mais avançados. Era “ou vai, ou racha” e graças a Deus eu retornei, porque não sei onde estaria hoje se não tivesse conseguido.
‘Decidi que era hora de parar de esconder’
Eu gastava todo o meu dinheiro com perucas caras para ter certeza de que o meu segredo não seria revelado. Eu não saía de férias nem nada porque gastava 3 mil libras (cerca de R$ 19 mil) com uma peruca que durava dois anos.
Quando saía de casa, era a “Laura da peruca”. Quando ficava em casa, com as cortinas fechadas, era a “Laura careca”. Era radical a este ponto. Eu não via outra alternativa.
Comecei a seguir a hashtag “alopecia” no Instagram e, de repente, era como se as cortinas tivessem sido retiradas. Eu pensei, “oh, meu Deus, existem outras pessoas como eu por aí”.
Durante a pandemia, eu decidi que era hora de parar de esconder minha queda de cabelo. Quantos anos eu teria passado usando peruca, até o ponto em que a minha cabeça começasse a sangrar, se não tivesse alterado minha rotina?
No verão de 2020, participei de um ensaio fotográfico sem peruca para testar. Comecei a contar minha história nas redes sociais para aumentar a confiança.
Senti que, se eu escrevesse online e as pessoas me seguissem, eu teria que tirar a peruca. Eu havia começado a sair sem peruca de vez em quando há muito pouco tempo e ainda estou aprendendo a me sentir totalmente confortável com isso.
‘Conheci muitas pessoas ótimas com alopecia’
Fiz diversas amizades ótimas contando minha história. Conheci muitas outras mulheres jovens que passaram pela perda de cabelo e ser careca passou a ser normal para mim.
Encontrei recentemente em Roterdã, na Holanda, uma amiga que conheci online. Ela perdeu o cabelo na casa dos 30 anos de idade.
Levei cerca de 20 anos para aceitar isso e fiquei surpresa com as pessoas que passaram pela situação há tão pouco tempo e estão em paz com ela.
Antes de conhecer essas pessoas, as únicas imagens que eu tinha de mulheres sem cabelos eram de modelos, que eram magras e tinham a cabeça raspada na moda. Eu precisava ver mulheres reais de todos os tamanhos para me aceitar.
Ainda tenho um longo caminho pela frente. Eu adoraria ver pessoas com queda de cabelo com falhas nas revistas e mais pessoas com alopecia na imprensa em geral, não apenas falando sobre sua queda de cabelo.
‘O trabalho era o único lugar onde ainda era um grande segredo’
Havia só um lugar onde eu ainda mantinha minha queda de cabelo em segredo: o ambiente de trabalho. Sempre a escondi em todos os empregos que tive, mas recentemente consegui um novo cargo na organização Save The Children e decidi mudar isso.
Fiz minha entrevista no Zoom sem usar peruca. Ainda não fui para o escritório sem cabelo, mas uso minha bandana, o que já é um enorme passo para mim.
É sempre estressante começar em um novo emprego. Eu tinha um eczema visível e perdi meus cílios. Por isso, senti que precisava da minha bandana e me sinto bem com ela.
Comecei a postar no LinkedIn depois do incidente na entrega do Oscar, quando Will Smith deu um tapa em Chris Rock por fazer uma brincadeira com a alopecia da sua esposa. Eu quis dar meu ponto de vista. A consciência sobre a alopecia depois do Oscar foi imensa, ainda que não fosse o mais positivo dos incidentes.
O LinkedIn me pediu recentemente para participar do primeiro programa de aceleração de criadores do Reino Unido e realmente gostei de trabalhar com eles. Quero enaltecer as pessoas com diferenças visíveis que podem agir como mentores no trabalho e espero que minhas ideias possam ser usadas para melhorar o local de trabalho para todos.
‘Fui diagnosticada com transtorno de déficit de atenção’
Além de lidar com a alopecia, fui recentemente diagnosticada com transtorno de déficit de atenção (TDAH), o que está realmente me ajudando a encontrar sentido em muitos aspectos diferentes da minha vida.
Eu quis me entender melhor e comecei a ler sobre mulheres que são diagnosticadas com mais idade. Fez muito sentido para mim.
Eu não tenho filtros e tenho dificuldade de concentração, o que é um sintoma comum. Falo demais sobre a minha vida. Eu me afasto com frequência do assunto de que estou falando, digo “sim” para tudo e acabo sobrecarregada.
Estudei cinema e literatura na Universidade de Warwick, na Inglaterra. Foi uma luta porque eu me forcei muito à custa da minha saúde e consegui me sair bem.
É cansativo tentar esconder o transtorno. As tarefas comuns dos adultos, como manter a roupa limpa em dia e arrumar a casa, podem ser difíceis. Também acredito que tenho disforia sensível à rejeição, que é relacionada ao TDAH, porque tomo todo tipo de rejeição muito a sério.
O medo de ser rejeitada altera meu comportamento e prejudicou meus relacionamentos. Sempre me disseram que sou sensível, às vezes até demais. É bom sentir que há uma explicação, venho lidando com o funcionamento diferente do meu cérebro. Ainda estou trabalhando nisso, mas, pelo menos, agora tenho um diagnóstico.
‘Ainda observo pessoas me encarando’
As pessoas que estão passando agora por queda de cabelo, ou seus pais, muitas vezes me enviam mensagens no Instagram. Sempre deixo claro que a experiência de cada pessoa é única.
Muitas pessoas têm uma curta experiência de queda de cabelo que irá voltar. Elas podem não ter alopecia areata, que eu tinha originalmente, até que ela se desenvolveu e tornou-se alopecia universalis, o que significa que eu não tenho nenhum cabelo.
Eu sempre pergunto: “Você tem pessoas à sua volta com quem possa conversar sobre isso?”.
Eu as indico para receber ajuda da organização Alopecia UK, onde sou voluntária. Também colaboro com a organização Changing Faces e participo da sua campanha Stop the Stare, para aumentar a consciência sobre o fato de que encarar as pessoas pode prejudicar o bem-estar de quem tem alguma descaracterização ou diferença visível.
Ainda observo pessoas me encarando quando saio sem peruca. Acho que elas deduzem que tenho alguma doença como câncer e estou passando por tratamento. Por isso, recebo muitos olhares solidários que me deixam desconfortável.
Realmente espero que as gerações futuras não nos encarem e apenas nos aceitem. É uma das razões por que faço o máximo que posso para aumentar a consciência sobre a alopecia.
Ainda tenho dias em que sinto que gostaria de usar uma peruca e ainda não fui a um casamento sem ela. Mas vou sair cada vez mais como uma orgulhosa mulher sem cabelos e nunca pensei que conseguiria fazer isso. É muito bom ter opção.
Passei toda a minha vida querendo não chamar a atenção e que as pessoas não percebessem que estava usando peruca. Mas, agora, sei que não importa se as pessoas perceberem o que há ou não na minha cabeça.
Viver com essa diferença visível é uma parte essencial de quem eu sou, quer eu decida usar peruca ou não, mas não é o único elemento da minha identidade. Por isso, olhe para mim, se quiser, faça perguntas se quiser saber mais, mas não pense que o meu cabelo (ou a falta dele!) é o que há de mais interessante sobre mim.
Conforme depoimento para Charlie Jones.
Este texto foi publicado em BBC News