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domingo, novembro 24, 2024

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A corrida da Ciência pelas causas da morte súbita de bebês

Atenção: esta reportagem contém detalhes que podem ser sensíveis para alguns leitores.

Faltavam três dias para o segundo aniversário dos gêmeos.

Quando a mãe das crianças, Carmel Harrington, os colocou para dormir, ela esperava que Charlotte a acordasse várias vezes. Já seu irmão Damien — um bebê doce e envolvente, com seu cabelo ondulado castanho e apaixonado pela sua motocicleta de brinquedo — sempre dormia com mais tranquilidade.

Mas Harrington acordou na manhã seguinte sentindo-se renovada. Até que, ao entrar no quarto dos gêmeos, ela encontrou o pior pesadelo para um pai ou uma mãe: Damien havia morrido durante a noite.

Existem poucos cenários mais terríveis do que esse. E, mesmo após 30 anos de estudos no setor de saúde pública, essa ainda é uma realidade para milhares de famílias em todo o mundo, todos os anos.

Na Austrália, onde mora Harrington, a síndrome da morte súbita do lactente (SMSL) ainda é uma causa importante de morte de bebês. Cerca de 100 bebês por ano morrem de forma súbita e inesperada todos os anos, normalmente durante o sono — uma categoria conhecida como “morte súbita inesperada na infância” (SUDI, na sigla em inglês), que inclui a SMSL, acidentes como sufocação ou estrangulamento e causas desconhecidas.

No Reino Unido, cerca de 300 bebês morrem subitamente durante o sono todos os anos.

Já nos Estados Unidos, a SMSL é a principal causa de morte de bebês com um mês a um ano de idade. Estima-se que 1.389 bebês tenham morrido de SMSL no país em 2020. No mesmo ano, outras 1.062 crianças morreram de causas desconhecidas e mais 905 mortes foram atribuídas a sufocação ou estrangulamento acidental na cama ou no berço.

Apesar das tragédias pessoais que cada um desses casos representa, os números gerais são frequentemente interpretados como histórias de relativo sucesso, já que os índices costumavam ser muito maiores.

Em 1990, por exemplo, para cada 100 mil nascidos vivos nos Estados Unidos, 155 bebês morriam de forma súbita durante o sono, de causas diversas que incluem SMSL. Dez anos depois, essa taxa havia caído para 94 a cada 100 mil nascidos vivos — e reduções similares foram observadas em todo o mundo.

Mas, nos últimos 20 anos, os índices se estabilizaram. Em 2020, a taxa foi de 93 bebês a cada 100 mil nascidos vivos.

E, embora os avanços da assistência médica, vacinas e medicamentos tenham ajudado, em muitos países, a combater e até erradicar diversas doenças que antes matavam milhares de crianças pequenas — como sarampo, caxumba, pólio e coqueluche, para mencionar algumas —, as mortes súbitas noturnas continuam sendo um mistério.

Não existe uma “vacina contra a SMSL”. Mais do que isso, a SMSL é um diagnóstico por exclusão. Se não houver uma causa clara de morte, a SMSL frequentemente é o que aparece no atestado de óbito. E também não sabemos o que causa a SMSL.

“Por muitos anos, achamos que havia algo chamado SMSL. Este não é o modelo de trabalho atualmente”, afirma Richard Goldstein, importante pesquisador da SMSL e especialista em cuidados pediátricos paliativos do Hospital Infantil de Boston e da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

“A SMSL é descritiva — é a descrição de algo que ocorreu. E essa ocorrência é que um bebê aparentemente saudável é colocado para dormir e morre durante o sono sem causa aparente”, explica ele.

É verdade que conhecemos muitas formas de reduzir o risco da morte súbita inesperada na infância. É por isso que os pais são instruídos a manter as vacinas dos seus filhos atualizadas, não fumar, dormir no mesmo quarto dos bebês, colocar os bebês para dormir de barriga para cima e nunca dormir com seu bebê na cadeira ou no sofá, em superfícies muito moles ou sob a influência de álcool ou drogas.

bebê

CRÉDITO,GETTY IMAGES. Durante as primeiras semanas de vida, os bebês respiram apenas pelas narinas enquanto estão dormindo

Entre outras instruções para reduzir o risco de SMSL, aconselha-se aos pais que nunca deixem seu bebê em uma posição em que o queixo fique sobre peito, o que restringe suas vias aéreas (como pode acontecer em um moisés, cadeirinha para carro ou miniberço). Eles também não devem “embrulhar” o bebê, o que pode causar superaquecimento.

Produtos para dormir inclinados, como miniberços e protetores de berço, foram recentemente proibidos nos Estados Unidos devido ao risco que eles representam, mas permanecem no mercado em outros países. E uma das razões que servem de incentivo à amamentação é sua relação com o menor risco de SMSL.

Algumas dessas orientações remetem à fisiologia infantil básica.

“O mais importante para o seu bebê é ter em mente que o que eles precisam durante o sono é fundamental. É diferente do que os adultos precisam durante o sono”, segundo a pesquisadora Anna Pease, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, que estuda formas de ajudar a prevenir a SMSL.

“Os bebês respiram preferencialmente pelo nariz”, explica ela. “Nas primeiras semanas, eles respiram apenas pelas narinas quando estão dormindo. São orifícios minúsculos, muito pequenos, e eles precisam conseguir todo o oxigênio para sobreviver através dessas minúsculas narinas. É por isso que eles precisam ter o rosto livre.”

“Tudo bem, eles querem agarrar o ursinho ou você pendurou um pedaço de musseline ao lado do seu rosto — arranque. Parece bonito para você, mas aquelas narinas estão mantendo o bebê vivo. Tenha certeza de que elas não sejam cobertas de nenhuma forma”, ensina Pease.

Os bebês e crianças pequenas também se superaquecem com mais facilidade que os adultos. É por isso que as famílias são instruídas a não colocar roupas demais nas crianças e também evitar comportamentos comuns, como cobrir o carrinho para ficar mais escuro.

Quando o assunto é especificamente a SMSL, minimizar o risco não é o mesmo que erradicar as mortes — e compreender o que aumenta o risco da síndrome não é o mesmo que conhecer as suas causas.

Uma análise de 4.929 casos de morte súbita inesperada na infância nos Estados Unidos, incluindo a SMSL, concluiu que quase 75% das mortes ocorreram em um ambiente de sono com pelo menos um fator de risco. Mas isso também significa que mais de um a cada quatro bebês que morreram estavam em ambientes que aparentemente seguiam ao pé da letra as orientações de sono seguro.

Da mesma forma, uma análise das práticas de proteção das crianças contra todos os tipos de mortes súbitas inesperadas na infância, incluindo SMSL, na Inglaterra e no País de Gales em 2018/19 concluiu que “fatores que poderiam ser modificados” foram identificados em 60% dos 325 casos. E, em 40% dos casos, não foram encontrados fatores de risco (o que, vale a pena notar, pode também ser devido à falta de informação).

Também é preciso ter em mente o que é considerado fator de risco.

Nos Estados Unidos, por exemplo, fator de risco é qualquer desvio de um conjunto específico de circunstâncias: uma criança deitada de barriga para cima em um berço, sem nada além de um colchão seguro aprovado e um lençol adequado.

Alguns casos classificados como apresentando fatores de risco podem ser bebês que dormem junto com um dos pais que havia consumido álcool ou drogas, enquanto outros podem ser simplesmente bebês deitados de barriga para cima em um berço, com um urso de pelúcia próximo.

Existe ainda outro problema. “Nós não temos dados comparativos para mostrar quantas crianças com os mesmos fatores de risco não morrem — nós não compreendemos o denominador”, afirma Goldstein.

Harrington, por exemplo, havia seguido todas as recomendações sobre sono seguro. Para ela e para a maioria dos pesquisadores da SMSL hoje em dia, era preciso ter um motivo para que alguns bebês com problemas pudessem acordar, enquanto outros, como Damien, não conseguiam.

neném chorando

CRÉDITO,GETTY IMAGES. Ainda não sabemos a causa da síndrome da morte súbita do lactente, nem sua cura – mas os pesquisadores seguem avançando

Tecnicamente, o diagnóstico de SMSL agora é usado apenas para bebês com menos de um ano de idade. Hoje, a morte de Damien seria considerada “morte súbita inexplicável na infância”. Mas muitos pesquisadores acreditam que os fenômenos e as causas podem ser similares.

“Eu não conseguia entender por que esses bebês não acordam”, afirma Harrington. “Nós temos mecanismos de sobrevivência muito poderosos. Um bebê acorda com muita rapidez quando está insatisfeito.”

Damien morreu em 1991. Em 1994, Harrington, que já tinha graduação em ciências com especialização em bioquímica, saiu do seu emprego como advogada para dedicar sua carreira à pesquisa da SMSL.

Em 2021, depois de mais de 25 anos, ela estava pronta para desistir. Em dezembro, ela tinha certeza de que seu estudo mais recente, para verificar se havia alguma associação entre um possível marcador bioquímico chamado butirilcolinesterase (BChE) — uma enzima que desempenha papel fundamental nas funções autônomas, como a respiração e o sono — e a SMSL, não iria encontrar nada. Ela pensou em se aposentar e passar o resto da vida pintando ou aprimorando seu francês.

Até que ela examinou os números. Em uma amostra de cerca de 700 bebês, incluindo 26 que morreram de SMSL, os bebês que sofreram SMSL tinham, em média, menor atividade de BChE, medida em coágulos sanguíneos secos retirados dois ou três dias após o nascimento, em comparação com os bebês que não morreram de SMSL.

Impulsionadas por um otimista comunicado à imprensa, as descobertas deram a volta ao mundo. As manchetes promoveram o estudo de Harrington de forma exagerada, afirmando que ela havia encontrado a “causa” da SMSL, ou que a “cura” era iminente. Mas, infelizmente, nada disso é verdade.

“Este é apenas um biomarcador. Não é a causa”, afirma Harrington. “Neste estágio, o que ele mostra é um aumento da vulnerabilidade. O estudo ainda precisa ser confirmado por um laboratório independente. Mas o mundo precisa muito de uma resposta porque simplesmente não sabemos quais bebês irão morrer.”

Epidemia moderna

A morte súbita de um bebê durante a noite é uma tragédia tão antiga quanto a história humana.

Uma referência antiga na literatura vem do Velho Testamento. Nele, o rei Salomão soluciona uma disputa entre duas mães sobre qual é o filho de cada uma delas. Uma das mães havia perdido o bebê durante a noite porque havia “se deitado sobre ele”. O medo de sufocamento permaneceu forte por séculos.

Nos anos 1800, nos países ocidentais, mais famílias começaram a colocar os bebês em quartos separados dos pais. Mas os bebês continuaram morrendo.

E não foi só isso. Ao longo do século 20, as taxas dispararam em muitos países — embora fossem mais baixas em países como o Japão, onde as famílias frequentemente dormem em camas compartilhadas. Ficava claro que estava acontecendo algo mais do que “deitar-se sobre o bebê”.

Na verdade, agora sabemos que bebês que dormem em quartos separados dos pais têm risco mais alto de SMSL e, por isso, geralmente se recomenda que pais e bebês durmam no mesmo quarto.

“No final dos anos 1980, quando a SMSL era muito mais comum, havia cerca de 1,5 mil mortes por ano” no Reino Unido, segundo Pease. “Todos pareciam conhecer alguém, ou conhecer alguém que conhecia alguém, que teve um bebê que morreu, totalmente sem motivo, durante o sono.”

Primeiramente, a resposta para o que estava acontecendo parecia estar na forma em que os bebês eram colocados para dormir. Na Holanda, por exemplo, as mortes por SMSL mais que dobraram depois que os pais foram instruídos a colocar os bebês para dormir de bruços.

Agora está claro para nós que colocar os bebês para dormir de bruços, ou de barriga para baixo, aumenta muito o risco de SMSL. Isso pode ocorrer porque, aparentemente, essa posição impede a reação dos bebês de despertar — o que normalmente os agitaria se estivessem com dificuldade para respirar, por exemplo — e também aumenta a possibilidade de superaquecimento.

Os países começaram a promover campanhas de saúde pública, destacando a importância das orientações sobre o sono seguro. Normalmente se atribui a essas campanhas a redução pela metade das taxas de SMSL e a incidência de bebês que sofreram SMSL encontrados de bruços diminuiu significativamente.

Mas, embora as campanhas fossem conhecidas como “Volte a Dormir”, este é um nome muito simplista. Além de instruir os pais a colocar os bebês deitados de barriga para cima, elas enfatizaram fatores como não fumar, já que o fumo aumenta o risco de SMSL.

Também se pode observar que as taxas de SMSL caíram ao mesmo tempo que a mortalidade infantil por outras causas – um sinal de que mudanças mais sistêmicas, como a maior universalidade da assistência pré-natal, podem ter colaborado.

A determinação dos fatores de risco para a SMSL é importante e já salvou milhares de vidas. Mas não se chegou à causa da SMSL, nem ao fornecimento de uma cura.

“Meu trabalho é lidar com famílias que passaram por isso. Em nome delas e em meu próprio, eu diria: ‘faça tudo o que puder'”, afirma Goldstein. “Mas, como pesquisadores que querem erradicar a SMSL, queremos saber qual é o processo causador para podermos combatê-lo diretamente.”

O quebra-cabeça da SMSL

Existem diversos motivos para que a SMSL seja tão difícil de desvendar. Um deles é que ela acontece durante o sono, quando o bebê normalmente não está sob vigilância.

Outro motivo é a forma de classificação da SMSL. Quando a SMSL começou a ser acompanhada, os médicos examinadores muitas vezes classificavam a morte de um bebê durante o sono como SMSL.

Mas, atualmente, essa classificação é mais precisa. Por isso, parte da redução da SMSL pode dever-se a um efeito estatístico artificial – embora os pesquisadores indiquem que, novamente, a queda e a estabilidade da morte súbita inesperada refletem os níveis gerais da mortalidade infantil, de forma que é improvável que este efeito isoladamente tenha grande influência.

Atualmente, segundo Pease, em vários países, incluindo o Reino Unido e os EUA, uma morte é definida como SMSL quando, mesmo após o exame post-mortem, avaliação do histórico clínico e investigação das circunstâncias, não houver causa concreta da morte.

Mas, mesmo nesses casos, muitos patologistas sentem-se mais confortáveis com o termo “indeterminada”, afirmando sua percepção de que a SMSL indica um único fator patológico desconhecido. Por isso, as taxas de SMSL podem sofrer subnotificação.

Também existem outras razões pelas quais pode haver mais casos de SMSL do que pensamos. Se um bebê for encontrado deitado de bruços, por exemplo, muitos patologistas diagnosticarão a causa da morte como algo como “asfixia posicional” e não SMSL – mesmo se as crianças nessas circunstâncias, em sua maioria, acordarem e mudarem de posição sozinhas, segundo o cientista forense Torleiv Ole Rognum, importante pesquisador da SMSL da Universidade de Oslo, na Noruega.

Ou, conforme o recente artigo de Goldstein e seus colegas, os médicos examinadores muitas vezes afirmam que a causa da morte foi “sufocamento” quando observam algum fator de risco relativo ao sono no local da cena, como um cobertor ou travesseiro, mesmo que não haja evidências físicas de que o bebê tenha sofrido obstrução da respiração.

O processo de investigação também varia de um país para outro. Na Noruega, segundo Rognum, realiza-se autópsia completa em até 48 horas após a morte, incluindo um elemento particularmente importante: a microbiologia. Já no Reino Unido, uma autópsia médica leva uma semana e uma autópsia forense só é completada em um mês.

“Isso é estranho”, segundo ele. “O que você pode encontrar em uma autópsia depois de um mês? Já demonstramos que você não pode confiar na microbiologia por mais de 48 horas depois da morte.”

Além disso, segundo Goldstein e seus colegas, as mortes súbitas de bebês são avaliadas fora das instituições que investigam doenças não diagnosticadas.

Muitas vezes tratadas inicialmente como investigações criminais, elas recebem autópsias forenses, que não envolvem técnicas como identificação fenotípica avançada e pesquisas moleculares que são empregadas para diagnósticos clínicos. E isso ocorre mesmo sabendo que a SMSL é “a última doença não diagnosticada”, segundo Goldstein.

“Além de não responder à confusão e à dor emocional das famílias, nós permitimos que a avaliação post-mortem concentre-se principalmente na questão legal da forma da morte, em vez da questão médica de causas biológicas e ambientais”, segundo o estudo.

Goldstein e seus colegas prosseguem: “a abordagem atual pode responder questões sobre maus-tratos, mas elimina todos os esforços para saber mais sobre fatores etiológicos, incluindo possíveis riscos para os irmãos, para os familiares enlutados. A medicina não tenta exaustivamente explicar essas mortes, mesmo que essa prática seja rotineira em outras doenças.”

Tudo isso dificultou a obtenção de uma amostra representativa das mortes por SMSL. É uma dificuldade acentuada pela sensibilidade do processo de pesquisa, particularmente em estudos que analisam amostras de tecido ou de sangue, como nas pesquisas realizadas por Harrington, pois os pais precisam fornecer seu consentimento prévio.

E, como as pesquisas dependem de pais que se sintam “capazes ou interessados” em contribuir, segundo Goldstein, as famílias brancas, ocidentais e relativamente abastadas são sobrerrepresentadas — mesmo sabendo que o risco de SMSL é muito mais alto entre as famílias em situação socioeconômica mais baixa e que, em países como o Reino Unido, a diferença de probabilidade de morte súbita na infância entre as classes socioeconômicas está aumentando.

“Os grupos sociodemográficos das crianças com maior risco de SMSL são os que têm menor probabilidade de participar [dos estudos]”, segundo ele. “Também é razoável afirmar que são os grupos sociodemográficos mais sujeitos a serem tratados com mais severidade e suspeitas durante o atendimento à morte dos seus filhos.”

Como ocorre com todas as mortes súbitas e inesperadas, os casos de SMSL são inicialmente tratados com suspeita, ou seja, a primeira medida é eliminar qualquer possível delito por parte dos cuidadores.

E existe a relativa falta de recursos de pesquisa. Nos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, a maior fonte de financiamento médico do mundo, a SMSL é uma das áreas de pesquisa pediátrica que recebe menos recursos.

Mas, mesmo com todos esses obstáculos, os pesquisadores estão chegando mais perto de compreender a SMSL.

Mulher amamentando

CRÉDITO,GETTY IMAGES. A amamentação reduz o risco da síndrome da morte súbita do lactente

Os avanços

Apesar da ampla cobertura jornalística, Harrington não foi a primeira pesquisadora a encontrar um possível “biomarcador da SMSL”. Nem estamos totalmente perdidos sobre quais podem ser as possíveis causas.

Primeiramente, existe outra razão por que, ao longo dos anos, as mortes por SMSL diminuíram: nós descobrimos por que alguns desses bebês estão morrendo. Não foram apenas as mudanças de classificação das mortes como SMSL. Na verdade, em alguns casos, nós conseguimos evitar essas mortes.

Tomemos como exemplo os distúrbios da oxidação dos ácidos graxos (DOAG), que são defeitos genéticos que eliminam a capacidade do corpo de produzir energia e podem fazer com que um jejum seja mortal em questão de horas. Sabemos agora que até 5% das mortes que eram classificadas como SMSL foram causadas por DOAG.

Atualmente, os recém-nascidos são examinados rotineiramente em muitos países para determinar o tipo mais comum de DOAG, a deficiência de acil-CoA desidrogenase de cadeia média (MCADD, na sigla em inglês), que afeta um a cada 20 mil bebês com ascendência do norte da Europa.

Os exames de recém-nascidos não são a panaceia. Mas, no caso da MCADD, que é uma condição rara na qual o corpo não consegue decompor a gordura para obter energia e pode ser especialmente perigosa se a pessoa ficar algum tempo sem comer, o exame salva vidas.

Rognum relembra uma criança que morreu depois de vomitar por algumas horas. A autópsia revelou uma mutação da MCADD, além de uma doença hepática, provavelmente causada pela deficiência.

“Isso não deve acontecer de novo”, afirma ele. “Se conhecermos o diagnóstico [da deficiência], cuidaremos para que aquela criança não sofra hipoglicemia e ela não irá morrer.”

“Acho que encontraremos mais dessas causas que podem ser explicadas”, acrescenta Rognum. “Elas precisarão ser excluídas do ‘conjunto’ da SMSL.”

Mas a maioria dos pesquisadores ainda acredita que, mesmo que diagnósticos mais precisos de doenças como a MCADD ajudem a oferecer explicações para algumas das mortes que teriam sido classificadas como SMSL, eles nunca irão contar toda a história.

Existe um fenômeno central comum a muitos bebês que morrem de SMSL. Ele está relacionado com o despertar do sono.

Essa teoria surgiu nos anos 1980, quando os hospitais começaram a usar monitores médicos para recém-nascidos, incluindo os que morreram de SMSL sob cuidados médicos. Observando esses novos dados, os pesquisadores começaram a observar que os bebês que sofreram SMSL tinham padrões de sono diferentes.

Particularmente, os bebês que morreram de SMSL moviam-se menos e se agitavam e despertavam espontaneamente com menos frequência.

E, ao observar os dados dos bebês nos momentos anteriores à morte por SMSL, enquanto eram monitorados, os pesquisadores também observaram algo mais.

Goldstein explica que, quando um bebê saudável tem pouco oxigênio ou níveis elevados de dióxido de carbono, sua respiração é suspensa (a chamada “pausa apneica”) antes que ele comece a ofegar.

“Essa respiração ofegante, em bebês saudáveis, normalmente causa aumento dos batimentos cardíacos”, segundo Goldstein. “Os bebês despertam e ocorrem os reflexos relativos ao despertar: eles se curvam, bocejam, se viram, acordam e choram, o que libera a maioria dos bebês das obstruções relativamente pequenas e eles sobrevivem.”

“Mas os bebês com SMSL não fazem isso. Eles não despertam e permanecem ‘desligados’ entre essas respirações ofegantes, que são dirigidas por certos centros do cérebro, e a reação cardíaca”, afirma ele.

Isso significa que existe um “círculo vicioso”, no qual o sistema de feedback não funciona, fazendo com que o bebê entre em coma e morra, segundo Rognum. Mas por quê?

sombra de quarto de bebe

CRÉDITO,GETTY IMAGES. A síndrome da morte súbita do lactente mata milhares de bebês todos os anos

O ‘modelo do risco triplo’

Na Noruega, Rognum e o pediatra e neurocientista Ola Didrik Saugstad apresentaram a teoria do “triângulo fatal”, que eles definiram como “um período vulnerável após o nascimento, alguma predisposição genética e um evento acionador”.

E, nos Estados Unidos, mais ou menos na mesma época, uma equipe liderada por Goldstein e Hannah Kinney, do Hospital Infantil de Boston, apresentou uma ideia similar: o “modelo do risco triplo”. Esta foi a denominação que se popularizou e esta teoria é agora a principal explicação entre os pesquisadores da SMSL.

A teoria vai de encontro ao que os cientistas suspeitavam pelo menos desde os anos 1970: que a SMSL não é causada por um único evento, mas por diversos fatores reunidos.

“Não existe uma única razão”, afirma Goldstein. “Nós a incluímos mais na categoria de expressão de uma doença rara não diagnosticada que, pelo menos por parte do tempo, na sua apresentação inicial, é incompatível com a sobrevivência.”

Rognum havia observado que o período de maior risco de morrer de SMSL – entre o segundo e o quinto mês depois do parto – é também um período em que o sistema imunológico se desenvolve rapidamente.

“Algo que se desenvolve muito rapidamente também é instável”, afirma ele. Este é o período de maior vulnerabilidade após o nascimento.

O evento acionador pode ser uma infecção respiratória sazonal ou dormir de bruços, ou ambos – uma combinação que aumenta em 29 vezes o risco de SMSL.

Mas Rognum ressalta que, muitas vezes ao contrário da crença popular, o risco de SMSL nos primeiros meses de vida em comparação com os meses posteriores é menor do que antigamente – e que segue havendo risco de morte após os cinco meses de idade.

Já a identificação da predisposição pode ser o quebra-cabeça mais difícil no campo da SMSL. Mas este mistério também vem sendo desvendado nos últimos anos.

Diversos pesquisadores, incluindo Kinney, pensavam que poderia ser algo relacionado ao sistema serotonérgico – os neurotransmissores concentrados no tronco encefálico que regulam diversos processos automáticos, incluindo o sono e a respiração.

Nos últimos 20 anos, a equipe de Kinney aprimorou sua hipótese com diversos estudos. A elevação da serotonina (5-HT) no sangue, particularmente, é um biomarcador da SMSL em cerca de 30% dos casos.

E outras equipes confirmaram suas descobertas. Um estudo de autópsias, por exemplo, concluiu que os níveis de serotonina eram 26% mais baixos em casos de SMSL do que em bebês saudáveis – um biomarcador descoberto antes da conclusão de Harrington.

Da mesma forma, Rognum acreditava que o elemento genético pudesse dever-se a variantes, ou polimorfismos, nos genes que produzem as interleucinas, que podem ser moléculas anti-inflamatórias ou pró-inflamatórias. Elas normalmente são produzidas em resposta a danos causados por lesões ou infecções, de forma que variantes desses genes podem fortalecer ou enfraquecer esta parte da reação imunológica.

“Descobrimos que os casos de SMSL apresentavam níveis significativamente mais altos de interleucina-6 no líquido cefalorraquidiano. É a interleucina que nos causa febre”, afirma Rognum. “Metade dos casos de SMSL apresentou níveis similares a crianças que morreram de meningite e septicemia, sem que elas tivessem essas doenças.”

Em um estudo, Rognum, Kinney e outros pesquisadores examinaram como estas duas descobertas podem ser reunidas, observando se os bebês com SMSL apresentam maior propensão a ter seu sistema serotonérgico comprometido, alterando a forma de expressão dos receptores de interleucina-6. E a resposta foi afirmativa.

Particularmente, o estudo demonstrou que, na parte do tronco encefálico envolvida nas reações de proteção ao acúmulo de dióxido de carbono, os bebês exibiram expressão anormal do receptor de interleucina-6. E é claro que o acúmulo de dióxido de carbono pode ser causado pela sua reinspiração, por exemplo, por dormirem de bruços.

“Os bebês com SMSL são bebês ‘normais’ que morreram sufocados acidentalmente?”, questionaram Kinney e outros pesquisadores em outro estudo. “Na verdade, a pesquisa do tronco encefálico indica que eles apresenta vulnerabilidade subjacente no sistema de alarme serotonérgico, o que os torna suscetíveis à morte súbita. Este é o modelo do risco triplo.”

Os pesquisadores chegaram a demonstrar o mesmo efeito em filhotes de camundongos. Ao inibir-se a transmissão serotonérgica, os filhotes têm menos possibilidade de recuperar-se da apneia – a súbita suspensão da respiração durante o sono – causada pela falta de oxigênio e apresentam maior probabilidade de morrer. Esta sequência é idêntica à observada pelos pesquisadores nas gravações dos monitores do sono de bebês que morreram de SMSL.

Outros defeitos do DNA também podem estar relacionados. Uma variante do gene SCN4A, que afeta a função dos músculos respiratórios e é observado em alguns distúrbios neuromusculares, foi associado ao aumento do risco de SMSL.

Mas, embora haja um elemento genético para a SMSL em alguns bebês, não existe um “gene da SMSL”.

Um estudo concluiu que os genes associados a doenças conhecidas que parecem colaborar para a morte súbita infantil compõem cerca de 11% dos casos conhecidos, enquanto outro estudo concluiu que este índice pode ser de 20%. São números significativos, mas que estão longe de explicar todas as mortes. Também parece haver uma relação entre a SMSL e a epilepsia.

Os bebês que morrem de SMSL são mais propensos a exibir essas condições ou biomarcadores, mas nem todos os exibem. E, embora esses biomarcadores às vezes estejam presentes em crianças que morrem de SMSL, eles também podem ser encontrados em crianças que não sofreram a síndrome.

O modelo de risco triplo permanece sendo mais uma descrição do que uma explicação real da SMSL. Ainda não está claro por que alguns bebês nascem com esses problemas e outros, não. E, talvez o mais importante para os pais, além de reduzir os fatores de risco no ambiente em que os bebês dormem, ainda é difícil saber como usar estas informações mais amplas para salvar vidas.

“Exames de serotonina durante autópsias nunca foram um procedimento generalizado nos cuidados clínicos”, afirma Goldstein. “Na verdade, ninguém sabe o que fazer com isso. É uma ciência complicada que não foi transformada em exames com aplicações clínicas.”

Isso nos leva à questão sobre o que fazer com os biomarcadores da SMSL, de forma geral.

Pesquisadores como Kinney descreveram que a esperança é de que as informações possam ser empregadas para selecionar pacientes e evitar mortes, utilizando “biomarcadores neurais e estratégias de tratamento relacionadas ao cérebro”.

Mas ainda não chegamos a este ponto. Podemos tomar como exemplo a possível descoberta feita por Harrington de níveis mais baixos de atividade de BChE em bebês que morreram de SMSL. Isso pode indicar um problema de respiração ou outras funções autônomas.

Embora o nível médio de atividade de BChE seja diferente entre os bebês que morreram de SMSL e os controles, as faixas de BChE entre os grupos coincidiram, o que significa que pode ser difícil indicar exatamente qual nível de BChE pode indicar um problema, se é que esse nível existe.

Mesmo se considerarmos que existe um nível que pode ser empregado para identificar um possível problema, o que fazer com essa informação é um dilema ético. Todos os pais já são instruídos a seguir orientações de sono seguro. As “estratégias de tratamento relacionadas ao cérebro” mencionadas por Kinney ainda não existem.

Na ausência de conselhos adicionais para os pais cujos filhos podem ser vulneráveis e considerando que a maioria das crianças que têm esses biomarcadores não morrerá de SMSL, informar os pais pode amedrontar as famílias sem necessidade. Sem uma causa específica, a SMSL continua sendo uma trágica combinação de fatores.

Persiste a esperança

A SMSL não é um mistério total. E, quanto mais descobrimos sobre ela, mais sabemos que os hábitos de sono seguro – embora sejam fundamentais – não contam toda a história.

Esse conhecimento é importante, não apenas para nos aproximarmos da erradicação da SMSL, mas também para as famílias que, muitas vezes, enfrentam a vergonha e a culpa além do seu luto, segundo Goldstein, que trabalhou com centenas de famílias enlutadas ao longo da sua carreira.

Ele ressalta que apenas cerca de 18% das mortes causadas por SMSL têm evidências suficientes de sufocação ou que a probabilidade de ocorrência de mortes por SMSL é muito maior nas creches do que nas casas de família, mesmo que os bebês nas creches não tenham maior probabilidade de serem encontrados de bruços ou em condições de sono inseguro que na casa dos seus pais.

“Existe essa insinuação de negligência e talvez, às vezes, seja o caso”, afirma Goldstein. “Mas a SMSL não é a história de pais que não estão ouvindo seus médicos e ignorando orientações.”

Mesmo nos casos que envolviam situações de risco, em que os cuidadores não seguiam todas as orientações de sono seguro, a análise dos incidentes de SMSL conduzida pelo órgão de análise das práticas de proteção das crianças da Inglaterra concluiu que “não houve, em nenhum dos [14] casos [analisados], nenhuma indicação de que os pais houvessem tentado causar qualquer dano para o seu filho – pelo contrário, a maioria desses pais apresentou-se tão dedicada, amorosa e cuidadosa quanto qualquer outro pai”.

Mas o órgão recomendou que, além de informar aos pais sobre o que fazer, as orientações deveriam também explicar por quê – explicar, por exemplo, como as minúsculas vias aéreas do bebê podem ficar obstruídas se ele estiver dormindo com o queixo sobre o peito.

O líder do relatório, Peter Sidebotham, acrescentou que fatores fora do controle da família podem acabar também sendo fatores de risco. Um profissional de saúde pode não ter oferecido orientações sobre o sono seguro para os pais, por exemplo, ou a família pode ter sido despejada da sua residência, acabando em acomodações temporárias ou inadequadas.

Mas culpar os cuidadores é uma história tão antiga quanto a da própria morte súbita infantil. Basta ver a história das duas mães no Velho Testamento, mencionada anteriormente.

“Não há compaixão com a outra mulher”, afirma Goldstein. “Você poderia ter facilmente imaginado que fosse uma explicação do profundo desespero por perder o seu filho. Mas ela é simplesmente abandonada na história.”

Isso nos traz de volta ao argumento central de Goldstein e de outros pesquisadores: é importante continuar a instruir os pais sobre o sono seguro. Mas identificar os fatores de risco nunca será uma bala de prata. Para encontrar uma cura para a SMSL, a ciência precisa identificar a sua causa.

“Ainda não conseguimos. Nem chegamos perto”, afirma Harrington. Mas agora ela pode contar sua própria contribuição para a pesquisa sobre a SMSL e para o longo caminho em busca de respostas.

“Se você me perguntar qual é a minha esperança, ela sempre foi, desde que Damien morreu, de poder fazer alguma coisa no estágio de recém-nascido, que possamos identificar e proteger”, ela conta. “Esta sempre foi a minha esperança. Esta descoberta me deixou mais esperançosa.”

O que precisamos saber sobre a SMSL

A síndrome da morte súbita do lactente (SMSL) é definida como a morte súbita e sem explicação de um bebê aparentemente saudável, normalmente durante o sono (incluindo sonecas). Ela continua sendo uma importante causa de morte de bebês em todo o mundo.

A SMSL enquadra-se em uma categoria mais ampla chamada “morte súbita inesperada na infância” (SUDI, na sigla em inglês), que inclui a SMSL, acidentes como sufocação ou estrangulamento, além de causas desconhecidas.

Como determinar se um bebê morreu de SMSL ou de um acidente como sufocação pode ser algo complexo, é comum observar a taxa geral de SUDI para verificar se as taxas estão aumentando ou diminuindo.

Em países como os Estados Unidos, após uma grande redução nos anos 1990, as taxas de SUDI se estabilizaram.

Os pesquisadores ainda estão determinando o que causa a SMSL. A esperança é que, quanto mais pudermos compreender quais são as causas da SMSL, mais poderemos evitar sua ocorrência.

Sono seguro para bebês

Ainda não conhecemos exatamente as causas da SMSL, mas sabemos que determinadas práticas de sono trazem aumento do risco de morte dos bebês durante o sono. Por isso, as orientações abaixo são recomendadas para todo tipo de sono, incluindo as sonecas. Elas foram elaboradas pela organização britânica Lullaby Trust:

  • Espaço limpo, sem protetores de berço, cobertores ou travesseiros.
  • Colchão firme, plano e não reclinado.
  • Sem posicionadores para dormir, ninhos ou casulos.
  • Nada ao alcance do bebê que possa representar ameaça, como cordões de persianas ou cobertores soltos.
  • Sempre no mesmo quarto que você, incluindo para as sonecas, até pelo menos seis meses de idade (as orientações norte-americanas indicam 12 meses).
  • Coloque o bebê de barriga para cima.
  • Não o cubra com muitas camadas, nem use um saco de dormir muito pesado.
  • Nunca durma com o bebê em um sofá ou poltrona. Tenha em mente que isso costuma acontecer por acidente e, por isso, mude-se para um local mais seguro se estiver com sono.
  • Nunca durma com o bebê na mesma cama se alguém fumar, beber álcool, usar drogas que possam causar sonolência ou inibir reações, se houver animais de estimação ou outras crianças na cama, se o bebê puder ficar preso em algum espaço (como entre o colchão e a parede) ou se o bebê tiver nascido antes de 37 semanas (nove meses) de gravidez ou pesando menos de 2,5 kg na hora do parto.

Este texto foi publicado originalmente em BBC News

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