A doença pode levar até sete anos para ser diagnosticada. Quanto mais tempo sem tratamento, menores podem ser as chances de engravidar naturalmente, alertam especialistas
Três anos. Foi esse o tempo que a psicóloga Layane Cedraz, 36 anos, de Feira de Santana (BA), passou tentando engravidar, sem sucesso. Com diagnóstico de endometriose, ovários policísticos, obstrução tubária e ciclos sem ovulação, ela partiu para o que seria sua única esperança para um dia poder gerar filhos: a fertilização in vitro. O tratamento deu certo e quando o pequeno Rafic, hoje com 9 anos, completou seu primeiro aniversário, ela decidiu tentar o segundo filho. Ela e o marido retornaram à clínica e, após duas tentativas, ela estava grávida novamente. A alegria durou apenas até a 9ª semana, quando ela sofreu um aborto espontâneo.
“Levou mais um ano para encaramos o tratamento de novo e tive um hiperestímulo ovariano e sangramento na cavidade abdominal, que me renderam uma videolaporoscopia de urgência. Após quatro meses de recuperação, retornei à clínica para implantação de dois embriões. Para nossa surpresa eles não só vingaram, como se transformaram em quatro bebês!”, conta. Yure, Enzo, Ianic e Luigi nasceram em 2013. Depois disso, sem esperar, ela ainda engravidou naturalmente e teve uma menina, Melissa, hoje com 3 anos. Atualmente, Layane é mãe de seis crianças e divide as experiências no blog Mamãe Seis Estrelas, além de conduzir um projeto online para casais que estão tentando engravidar sem sucesso.
O histórico de infertilidade de Layane, no entanto, está longe de ser exceção nas mulheres com endometriose. A doença é considerada pela Associação Brasileira de Endometriose (ABE) como a principal causa da infertilidade feminina e tem prevalência de até 50% dos casos de dificuldade para engravidar, de acordo com o mais recente Manual de Endometriose da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Vale dizer também que o problema acomete 176 milhões de mulheres em todo o mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Só no Brasil, são cerca de 7 milhões, sendo que 15% a 20% estão em idade reprodutiva.
A doença surge quando o endométrio (tecido que reveste a parede interna do útero e é eliminado durante a menstruação) começa a crescer fora da cavidade uterina, em órgãos como ovários, trompas, ligamentos uterinos e até intestino e bexiga. Fora de lugar, esse tecido cresce e se desprende mensalmente, acumulando-se dentro do abdômen e provocando um processo inflamatório na pelve, que pode levar à aderência entre os órgãos dessa região. Os sintomas principais são: cólica forte e dor no fundo da vagina durante a relação sexual. Há casos, porém, em que a mulher não sente dor. A intensidade dos sintomas nem sempre está ligada à gravidade da doença. Não raro, muitas pessoas só chegam ao diagnóstico quando tentam engravidar. Por isso, ao menor sinal de dor, é importante procurar um especialista e investigar a causa.
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Atualmente, o diagnóstico da endometriose leva sete anos, em média. O número não é comprovado por estudos, mas é consenso entre boa parte dos ginecologistas e obstetras. Para a ginecologista e obstetra Rosa Maria Neme, diretora do Centro de Endometriose São Paulo, essa demora é um dos principais agravantes. Isso porque, com o passar do tempo, tanto as lesões quanto o processo inflamatório causado provocado pela doença, podem piorar e provocar a aderência entre os órgãos da pelve, complicando a passagem do óvulo pelas trompas. “Além disso, pode haver a liberação de substâncias tóxicas que danificam os óvulos e os espermatozoides”, completa o obstetra Frederico Corrêa, diretor e coordenador do Centro de Excelência em Endometriose (Brasília-DF).
Para reduzir o número de diagnósticos tardios, é preciso aliar o olhar atento do médico aos exames específicos. “As suspeitas começam pelas queixas do paciente e não precisamos de alta tecnologia para escutar o que elas têm a dizer”, enfatiza o ginecologista e obstetra Tomyo Arazawa, especializado em endoscopia ginecológica, de São Paulo. Ainda no consultório, se a paciente relatar dor durante as relações sexuais, por exemplo, o médico pode fazer um exame físico de toque, com possibilidade de identificar as alterações caso a lesão esteja mais profunda.
Quanto aos exames que ajudam a identificar o problema, o mais indicado é o ultrassom transvaginal com preparo do intestino (é feita uma lavagem intestinal para evitar que, na hora de analisar a imagem, as fezes se confundam com os focos de endometriose). A ressonância magnética da pelve é um recurso extra para auxiliar no diagnóstico. Vale ressaltar que os radiologistas também devem ter especialização na doença, do contrário, as imagens podem ser mal interpretadas e o resultado pode ser equivocado. Esse, aliás, é um ponto muito importante: a complexidade da endometriose requer cada vez mais profissionais especializados para tratá-la. Se você suspeita da doença, procure um especialista no assunto.
Embora a endometriose não tenha uma cura definitiva comprovada pela ciência, é possível tratar a doença clínica ou ou cirurgicamente. No primeiro caso, é feito com anti-inflamatórios não-hormonais, anticoncepcionais orais combinados ou só com progesterona (para inibir o efeito do estrógeno, hormônio que “alimenta” a doença), DIU ou implante medicados com progesterona ou contraceptivos injetáveis. O uso contínuo de hormônios impede a menstruação, inibindo assim o acúmulo do endométrio fora do útero. Nessas situações, eles são indicados quando a mulher não pretende engravidar durante esse período.
Já o tratamento cirúrgico, com laparoscopia e videolaparoscopia, tem como finalidade remover as lesões. “A cirurgia por laparoscopia, em que há um aumento da imagem em até 20 vezes para favorecer a precisão, é indicada quando o diagnóstico de endometriose está em fases avançadas, com dores muito intensas, infertilidade ou quando há comprometimento da função de outros órgãos”, diz o ginecologista Tomyo Arazawa. A ginecologista Rosa Maria conta que fez um estudo com portadoras da doença e que, seis meses após a cirurgia, 70% delas engravidou naturalmente. A orientação, nesse caso, é começar as tentativas de gravidez logo após a intervenção, quando as lesões estão “zeradas” e as chances de engravidar são maiores.
Outra opção é a cirurgia robótica, uma evolução da laparoscópica, que permite ainda mais precisão dos movimentos e visão tridimensional. “Isso faz muita diferença, especialmente quando os focos da doença ficam escondidos atrás dos órgãos”, conta a ginecologista Rosa Maria. Segundo a médica, nos casos em que a endometriose é mais avançada o benefício da laparoscopia robótica em relação à convencional é inegável. Nos mais leves, no entanto, é pouco perceptível, sendo que se houver infertilidade associada, uma boa pedida é fazer a inseminação artificial para aumentar a possibilidade de resultados mais favoráveis.
A fertilização in vitro (quando a fecundação é feita em laboratório e o embrião é implantado no útero da mãe) e a injeção intra-citoplasmática de espermatozoides (ICSI), por sua vez, seriam as últimas medidas indicadas, recomendadas quando o aparelho reprodutor já está comprometido. Opções de tratamento não faltam para que as mulheres com endometriose possam levar uma vida mais saudável e realizarem o sonho de serem mães. Nem sempre será possível engravidar naturalmente, é verdade. Mas a ciência está aí para ajudar e, às vezes, surpreende com muito mais do que a notícia de um positivo de gravidez. Layane é prova disso.
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