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40% das famílias recusam a doação de órgãos depois de morte constatada

A negativa familiar, aliada a falta de conhecimento sobre a irreversibilidade da morte encefálica, entre outras questões estão entre os principais motivos para que um órgão não seja doado no Brasil.

“Eu não quero pensar que meu pai morreu, sem falar que ele ainda está com o corpo quente em cima da cama”. Este é o relato de Rosângela R., que perdeu o pai de 87 anos por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Mesmo com idade avançada ele poderia doar três órgãos, mas o destino dependeria da escolha da filha.

Apesar do aumento nos números de doações, o Brasil ainda está abaixo do esperado. Segundo o Ministério da Saúde, em 2016 foram 24.958 doações, alta de 5% em relação ao ano anterior. Mas apesar do crescimento, a resistência de doação de órgãos por parte das famílias ainda é um desafio.

“Não se trata de um período de convencimento dessas pessoas. Nós da área da saúde temos certeza de que elas precisam ser acolhidas de uma maneira um pouco distinta daquelas famílias em que temos outro tipo de evolução do paciente”, relatou a coordenadora do Sistema Nacional de Transplante do Ministério da Saúde, Rosana Nothen.

Rosângela decidiu pela doação, ajudando outras vidas. “Difícil é compreender que a sua tristeza com a morte do ente querido fez a alegria de outros. Mas penso que meu pai não teria mais chance mesmo, então por que não ajudar as famílias. É um gesto de solidariedade”, avaliou a filha.

Os números

Dados da Central de Transplantes do Rio Grande do Sul destacam que no ano de 2016 houve 284 doadores de órgãos, 40 a mais do que no ano anterior. Cerca de 1,4 mil pessoas estão na fila de espera por órgãos ou tecidos no Estado. No Rio Grande do Sul, existem 24 equipes que trabalham com a sensibilização das famílias.

Já no Brasil, os dados de dezembro mostravam que cerca de 35 mil pessoas esperavam por transplante. Em 2016, pouco mais de 2 mil pessoas morreram aguardando essa doação. Dessas, 82 crianças. A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) constatou que no mesmo ano, 10.158 pessoas tiveram morte encefálica e poderiam ter sido doadoras, mas 43% das famílias consultadas não deram a autorização. Entre os tabus, a insegurança com relação aos diagnóstico na morte do encefálico, não saber para onde vão os órgãos e o corpo mutilado.

Trabalhar para mudança

No país ocorrem capacitações entre os profissionais da saúde para encontrar novas formas de melhorar o manejo de potenciais doadores com morte encefálica, para que assim se otimize doação de órgãos. Estudos do Ministério da Saúde apontam que a taxa de recusa familiar no Brasil chega a 40%, sendo a falta de treinamento das equipes das UTIs um dos principais motivos da recusa.

“A recusa dos familiares acontece porque os profissionais de saúde não estão capacitados no momento de fazer o acolhimento. A não capacitação dos profissionais para realizarem a manutenção, o manejo clínico do doador da maneira mais adequada – de modo que o coração continue batendo até a retirada de órgãos – e a conversa com os familiares são extremamente importantes”, relatou Glauco Westphal, coordenador do projeto do Ministério da Saúde e médico intensivista.

A importância do médico é muito grande. Não se espera ouvir uma notícia de morte de outro profissional que não seja o médico. “A maneira como ele comunica, o tempo que ele disponibiliza para explicar a morte encefálica – que é complexa de ser compreendida pelas pessoas. Trata-se de um doente que está lá com o coração batendo e a pele quente. Eventualmente existe um reflexo medular que pode gerar um movimento e, para a família entender que apesar disso tudo ele está morto, é um papel delicado para o médico, ” ressalta a coordenadora do Sistema Nacional de Transplante do Ministério da Saúde, Rosana Nothen.

É necessário que seja compreendido que existem outros 4, 5, 6 pacientes que podem se beneficiar com esta atitude assistencial da equipe das Unidades de Terapia Intensiva. Rosana termina a entrevista com uma frase ecoa na mente. “A gente sebe que tem muito mais chance de se tornar um receptor do que um doador com morte encefálica. Precisamos ter esta consciência para salvar outras vidas”.

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