A coagulopatia induzida pela síndrome Covid-19, associada à infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2, já vem sendo descrita desde o início da pandemia. Os elevados índices do fragmento D da plasmina dimerizada (D-dímero) têm sido observados em diversos pacientes e, consequentemente, eventos como tromboembolismo arterial e venoso já foram relatados, alguns com evolução para mau prognóstico.
Bourguignon e colaboradores (2020) descreveram índices de embolismo pulmonar e trombose em veias profundas entre 20,6 a 49,0% dos pacientes com Covid-19 admitidos em unidades de cuidados intensivos.
Em diversas instituições hospitalares, os pacientes de alto risco são submetidos a anticoagulação com altas doses, mesmo superiores às doses profiláticas durante a hospitalização com redução dos índices de mortalidade.
Porém, o risco de tromboembolismo arterial e venoso em pacientes com síndrome Covid-19 se estende para além do período de internação. Há descrição de eventos trombóticos associados com a readmissão e mortalidade mesmo em até 90 dias após a alta.
Devido a essas intercorrências, discute-se a prescrição universal de anticoagulantes em pacientes com Covid-19 após a alta como clinicamente benéfico apesar dos riscos elevados de sangramento.
Mas quais pacientes que tiveram Covid-19 poderiam se beneficiar da tromboprofilaxia prolongada após a alta hospitalar?
Análise recente
No intuito de auxiliar na melhor definição dos pacientes que tiveram Covid-19 que poderiam se beneficiar desse tipo de conduta terapêutica, devido ao alto risco de tromboembolismo circulatório após alta, Li e colaboradores (2020) realizaram um estudo de coorte no período de 1 de março a 30 de novembro de 2020.
Metodologia
Foram selecionados pacientes adultos hospitalizados com diagnóstico confirmado para infecção por SARS-CoV-2, internados em 5 hospitais do Henry Ford Health System, Detroit, Estados Unidos (EUA). Foram obtidos para cada paciente diversos dados demográficos, médicos baseado em prontuários e resultados laboratoriais (ex. níveis de PCR, D-dímeros, contagem de neutrófilos, linfócitos, plaquetas, INR, e outros). Os pacientes foram comparados quanto ao uso de terapia anticoagulante após alta por até 90 dias e a ocorrência de eventos tromboembólicos.
Um total de 2.832 pacientes hospitalizados com Covid-19 foram incluídos, com média de idade de 63,4 anos, 1.347 pacientes do sexo masculino (47,6%), sendo 1.102 negros e 1437 brancos. Trinta e seis pacientes (1,3%) apresentaram, após a alta, eventos tromboembólicos venosos (16 evoluíram com embolismo pulmonar, 18 apresentaram trombose de veias profundas e 2 trombose venosa portal). Quinze (0,5%) indivíduos desenvolveram eventos tromboembólicos arteriais após alta hospitalar (1 paciente apresentou ataque isquêmico transitório, e 14 síndromes coronarianas agudas). O risco de tromboembolismo venoso reduziu com o tempo com mediana para o evento de 16 (7-43) dias. Não houve alteração do risco de tromboembolismo arterial de acordo com o tempo. Os pacientes com maior risco de eventos tromboembólicos apresentavam principalmente pelo menos um dos fatores abaixo:
Histórico de tromboembolismo venoso (OR 3,25; IC 95%, 1,34-7,86); ● D-dímeros em níveis elevados > 3 ug/mL (OR 3,76; IC 95%, 1,86-7,57); ● PCR elevada > 10 mg/dL (OR 3,02; IC 95%, 1,45-6,29).
Por outro lado, 682 (24,1%) pacientes receberam anticoagulação após alta hospitalar e estiveram associados com menor incidência de tromboembolismo venoso (OR 0,18; IC 95%, 0,04-0,75; p = 0,02). Desses 188 (6,6%) receberam doses profiláticas de anticoagulante e 494 (17,4%) doses terapêuticas. Pacientes que receberam doses terapêuticas durante a internação foram mais propensos a receberem anticoagulação na alta (OR 27,2, IC 95%, 17,0-46,1; p < 0,001).
Conclusão
Apesar de não haver consenso sobre a implementação de tromboprofilaxia em pacientes previamente hospitalizados com Covid-19, os autores sugerem que doentes que apresentem um ou mais dos fatores de risco acima citados sejam incluídos em proposta terapêutica com anticoagulação prolongada após alta por até 90 dias. Não foi utilizada a ferramenta International Medical Prevention Registry on Venous Thromboembolism (IMPROVE) nesse estudo devido a não validação para pacientes com Covid-19 até o momento, e a ressalvas quanto a não inclusão de um dos fatores de risco observados na avaliação por essa metodologia.
Aspectos adicionais sobre tais resultados podem ser verificados nas referências abaixo.
Fonte – Portal PEBMED